No mundo 750 milhões de pessoas não sabem ler. 500 milhões são mulheres. E, segundo os últimos dados, mais de 58% dos portugueses não lê livros.
Portugal é manifestamente desigual, nomeadamente, com particular gravidade, no acesso à cultura. Pese embora tenhamos mais pessoas a ler – devido ao fenómeno das redes sociais – também aqui se verifica que quase sempre a quantidade é inimiga da qualidade. O aumento do hábito de leitura centra-se nos conteúdos digitais, nas plataformas como o Facebook, X, Instagram, onde prolifera todo o tipo de informação, de acesso fácil, mas dominado por algoritmos que estimulam o que é viral, o que é, portanto, na maioria das vezes, sensacionalista. Há pouco tempo José Pacheco Pereira chamava-lhe a “indústria da irrelevância”.
Sem qualquer tipo de saudosismo ou de pretensiosismo em relação a esta nova geração – em quem acredito muito – sou do tempo em que a leitura de um livro era uma via para viajar para inúmeros lugares e de viver em mundos diferentes, participar de experiências que iam muito para além do mundo real, mas que dialogavam com a realidade, o que permitia aprendizagens e reflexões profundas. Hoje, reconheço que as novas tecnologias têm um papel muito importante no estímulo ao conhecimento, à interação, e com vislumbre imediato. Os livros, as enciclopédias passaram a ser fornecidas on-line, em que o vídeo, a imagem ou o áudio dão-nos tudo o que precisamos à distância de um clique.
A inteligência artificial vai passar a fazer os artigos de opinião, os artigos científicos, os trabalhos de casa, as teses de mestrado, os manuais de quaisquer equipamentos. Mas existem aqui riscos elevados. A inteligência artificial vai acarretar o risco, se mal utilizada, de substituir o fabuloso caminho da descoberta, do confronto de ideias que fazíamos para chegar ao conhecimento pelo caminho do “pensamento único”. Quem manda no algoritmo, caso não exista efetiva regulação, vai ter uma poderosa ferramenta para nos conduzir para um mundo acrítico.
Declaro-me defensora dos avanços tecnológicos, a favor de um equipamento onde no meu bolso podem caber centenas de livros, a favor da inteligência artificial que esteja ao serviço do progresso, do bem-estar e da dignidade de cada ser humano.
“Quem mal lê, mal ouve, mal fala, mal vê”
A frase é de Monteiro Lobato, editor e autor de “Reinações de Narizinho” que deu origem à popular série de televisão “Sítio do Picapau Amarelo”. E reflete a importância do livro na democratização do pensamento e na luta contra os populismos. O livro é um instrumento da memória que liga o passado e o presente. E, por isso, é muito poderoso e ameaçado. Destruímos o livro porque queremos destruir o passado.
Uma sociedade mais preparada, mais leitora em qualidade, pode ajudar a combater a desinformação. Quem tem o hábito de ler consegue ter bagagem para contestar informações. Ler é útil para todos.
A seleção do que lemos determina muito o grau de liberdade de pensamento, de informação e de criatividade. E é essa liberdade que a leitura nos proporciona que nos faz pensar fora da caixa, exercitando o nosso pensamento crítico e a capacidade de refletir sobre o mundo que nos rodeia. Ler uma estória, criar empatia com personagens diferentes, conhecer realidades diferentes da nossa e aprendermos a colocarmo-nos no lugar do outro são viagens inesquecíveis. O livro é uma fonte de conhecimento que apazigua a alma.
Aliás, a leitura diária permite-nos estabelecer uma conexão entre as palavras que lemos e as que usamos oralmente e, também, quanto mais vemos uma palavra escrita, mais facilidade temos para nos lembrarmos de como devemos escrevê-la, logo, quem lê com mais frequência comunica melhor e também escreve melhor!
No entanto, em Portugal, segundo dados da Portada relativos a 2021, 4% das mulheres eram analfabetas e 2,1% dos homens não sabiam ler. Números mais recentes indicam que, entre aqueles que sabem ler, 58,1% não leram um único livro. A conclusão consta da avaliação da qualidade de vida feita pelo Instituto Nacional de Estatística.
Para contrariar esta tendência é fundamental o papel que o poder político tem de assegurar o acesso universal ao livro desde a mais tenra idade, com intervenção quer em meio escolar quer em contexto de família. Vejo como sinal desse esforço a introdução do cheque-livro e o investimento numa maior democratização do acesso ao livro nas bibliotecas municipais ou itinerantes. É muito importante levar mais crianças às bibliotecas, onde pobres e ricos têm as mesmas oportunidades de mergulhar nas páginas do conhecimento. Numa altura em que vamos assinalar 50 anos do 25 de abril importa sublinhar que a biblioteca é o símbolo máximo da democracia, o local onde todos têm as mesmas oportunidades.
O tempo que vivemos exige reflexão, diálogo e ação para um mundo mais humanista e com mais igualdade de oportunidades. O caminho é mais investimento em cultura. A nossa sobrevivência depende de mais tolerância que só a diversidade das expressões culturais pode assegurar.
Declaro-me defensora dos livros. Não por oposição aos avanços tecnológicos, mas em opção por um mundo multicultural e vivo. Os livros precisam de leitores…só assim deixam de ser seres mortos!