Já se encontra nas salas de cinema, o provável último filme da saga Indiana Jones e a Portugal chegou mais um capítulo da série mil e um nomes da entidade que tutela o Património Cultural. Nesta emocionante aventura – dos trabalhadores do Património Cultural – o ilustre Ministro Pedro Adão e Silva desempenha o papel de Indiana Jones, parecendo querer exterminar o património edificado como se fossem serpentes maléficas e chutar os arqueólogos como que de Nazis se tratassem.
Mas façamos um ponto de situação! Caso não tenham acompanhado os últimos capítulos, o Ministro da Cultura Adão e Silva anunciou a criação das duas novas entidades para a gestão da Cultura nacional: Museus e Monumento de Portugal, EPE e o Património Cultural, IP. Estas decorrem da reorganização da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) que é, actualmente, a instituição responsável pela gestão do Património Cultural, bem como de vários dos museus e monumentos nacionais. Concordamos, e não há alma que trabalhe com e para o Património Cultural que discorde, que a situação em que se encontra a DGPC é calamitosa, derivado do seu gigantismo e geral inoperacionalidade. Assim, há um mês, o Ministro da Cultura anunciou em Évora: “um dia histórico para os museus.” o que viria, horas mais tarde, a traduzir-se na proposta de criação das duas entidades supracitadas.
A primeira, Museus e Monumentos de Portugal, EPE, sob uma “lógica empresarial na gestão dos museus, mais orientada para o público”, com a missão de gerar mais valor em torno dos museus e monumentos nacionais, permitindo um investimento na qualificação e no incremento, através de aquisições, das colecções nacionais.
A segunda, o Património Cultural, IP, visa e passo a citar: “corrigir problemas criados pelas sucessivas reformas das últimas décadas, tornando a gestão do Património Cultural nacional mais ágil e eficaz com as competências de salvaguarda, investigação, conservação e restauro, valorização, divulgação e internacionalização do Património Cultural imóvel e imaterial.”
É verdade, parece realmente que foi um dia histórico para os museus. Ah, mas como é emocionante ver surgir uma nova entidade, que supostamente terá a nobre missão de salvaguardar, investigar, conservar, restaurar, valorizar, divulgar e internacionalizar o nosso Património Cultural. É impressão minha, ou há um desequilibro na enumeração, só a contar pelas virgulas utilizadas, de competências entre ambas as entidades? Não quero também parecer má-língua, mas de onde virá o financiamento para cumprir o desígnio de uma gestão eficiente e por objectivos? Estaremos nós assistir a uma reedição da telenovela – Banco BES: um banco bom, um banco mau?
A entrada em vigor do Instituto do Património Cultural está marcada para 1 de janeiro de 2024, como se fosse a chegada de um novo ano a iluminar os caminhos da gestão cultural. Será que terá a capacidade de suprir as lacunas existentes na preservação do património histórico subaquático? É como procurar por um tesouro escondido no fundo do mar, na esperança de que ele esteja mesmo lá, ou como entrar num ginásio, com uma resolução de ano novo, só para depois desistir uns meses mais tarde.
Ah, e como não poderia deixar de ser, as questões laborais. Um verdadeiro desafio para esta “inovadora” empreitada: a redistribuição dos trabalhadores entre as novas entidades e as já existentes Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR). Esperemos que estas não se traduzam num simples jogo de xadrez, em que os trabalhadores, que nem meros peões, sejam movidos sem se considerar os seus direitos.

Perdoem-me a indiscrição, mas que abordagem “fantástica” essa em que o sector dos museus teve voz, e vez, enquanto a Arqueologia e o Património Cultural imóvel são relegados para o canto do esquecimento? O que é que nós fizemos de mal? Foi a Sé de Lisboa? Eu tenho um pouco de Fé… Mas não tratem a nossa herança cultural como se fosse apenas uma peça secundária, num grande espetáculo mediático.
E já que estamos a falar em legislação, a proposta de criação do Património Cultural, IP traz consigo algumas formulações no projecto de Decreto-Lei que são, no mínimo, questionáveis. A possibilidade de alterar a Lei n.º 107/2001, que proíbe a demolição total ou parcial de bens imóveis classificados, é como abrir a “Caixa de Pandora”, com o risco de causar retrocessos e danos irreparáveis ao nosso património e memória histórica.
Apesar de todos os sentimentos mistos e do “entusiasmo” em torno da criação do Instituto do Património Cultural, fica claro que esta iniciativa não passa de um déjà vu do que já foi tentado e testado no passado. Como um ciclo interminável de escavações arqueológicas em busca de respostas, que parecem esconder-se em algum lugar remoto e inacessível.
Neste momento de mudança e transformação, é fundamental que esta nova entidade seja conduzida com cautela e com a participação activa de todos os envolvidos. Afinal, o Património Cultural é um tesouro inestimável, mas parece que nem sempre é tratado como tal, nem de forma igual entre si. Que se faça justiça ao nosso passado e que a rica herança cultural de Portugal seja verdadeiramente preservada e valorizada, não apenas como um mero enfeite para discursos vazios, mas como parte essencial da nossa identidade coletiva.
Arqueólogo