O empresário Sidik Latif, proprietário do Mouchão do Lombo do Tejo, ilhota junto a Alverca do Ribatejo, e administrador da Real Mouchão Lombo do Tejo Sociedade Agrícola SA, com sede em Benavente, está a contas com um processo que envolve cerca de 100 ex-funcionários seus no Brasil do tempo em que era proprietário de um hotel de cinco estrelas na cidade de Jaboatão dos Guararapes. Carlos Roberto dos Santos é um advogado do estado de Pernambuco que representa 38 desses ex-funcionários. São milhares de reais que são reclamados junto de Sidik Latif num processo que já transitou em julgado, em 2018, do lado de lá do Atlântico, e que dá razão a cerca de uma centena de pessoas. Sidik Latif não tem bens em seu nome nem das empresas que teve no Brasil. Carlos Roberto dos Santos que contactou em exclusivo o nosso jornal, refere que está na disposição de homologar as sentenças brasileiras junto do Tribunal da Relação de Lisboa e poder de alguma forma reverter o património do Mouchão do Lombo do Tejo ou outros bens que Sidik Latif tenha em seu nome na Europa a favor dos seus clientes. Em causa e no que diz apenas respeito aos seus clientes são reclamados 1 milhão 144 mil 640 reais (218 mil 763, 36 euros).
No ano de 2018, Sidik Latif, empresário com nacionalidade portuguesa, que hoje divide a sua vida entre Portugal e Londres, empenhou o hotel em causa, o Sunrise Hotels &Resort Holdings junto do banco Crefisa no Brasil, e “ficou a dever a todo o mundo,” salienta Carlos Roberto dos Santos. Em menos de um ano rumou a Portugal, onde adquiriu o Mouchão do Lombo do Tejo, por 24 milhões de euros, segundo noticiou o jornal Expresso. Desde 2019, que circula no Youtube um vídeo apelativo com o intuito de mostrar as imensas possibilidades turísticas desta ilhota, sob a designação “Ilha de Lisboa”.
Em outubro de 2021 o projeto desenhado pela Real Mouchão Lombo do Tejo foi reprovado pela Agência Portuguesa do Ambiente, mas antes recolhera uma opinião positiva por parte do antigo presidente da Câmara de Vila Franca de Xira, Alberto Mesquita. Algumas hostes políticas não escondiam o interesse numa ideia que pretendia catapultar o turismo no concelho. A CDU de Vila Franca de Xira foi um dos partidos que se manifestava contra e acusava as entidades de mostrarem pouca informação sobre este empreendimento que contava com o alegado empenho do grupo Six Senses que se juntava a Sidik Latif nesta obra mergulhada, desde 2021, em banho-maria. Em declarações à Rádio Valor Local, Nuno Libório, da CDU afirmava, à época, o seu espanto pelo facto de o município “ter viabilizado a regularização das construções existentes parra fins turísticos” na ilhota.

Contudo, mais tarde a APA indeferiu o projeto que prometia criar 250 postos de trabalho diretos e 500 indiretos por não ser permitida nova construção, principalmente, em zona de leito de cheia. Desde que se conheceu este impedimento ambiental que não se ouviu falar mais na “Ilha de Lisboa”. A transformação da ilha num resort de luxo estava orçada em 35 milhões de euros. Para trás ficava o desejo de transformar o mouchão num cenário em que para além de um hotel, ainda se previam bungalows, atividades de vela, kitesurfing, equitação, e passeios de charrete.
No Brasil, o empresário que segundo o Valor Local apurou ainda é proprietário da empresa que gere o mouchão, deixou um rasto de amargura e “vidas despedaçadas”, realça o advogado dos ex-trabalhadores do hotel no Estado de Pernambuco. A unidade hoteleira encontra-se fechada e a degradar-se a olhos vistos, conforme atesta a foto que ilustra este artigo. Sidik Latif não tem bens em seu nome nem no nome da empresa que geria o hotel, nem quaisquer outras. “Fez uma hipoteca do hotel junto de um banco, e daí tornou impossível a penhora desse imóvel, o que garantiria vários milhões de reais que poderiam servir para indemnizar os meus clientes”.

Quando decidiu despedir os cerca de 100 trabalhadores, a empresa de Sidik Latif já não pagava ordenados há mais de seis meses. Não pagou indemnizações, nem efetuara antes o pagamento das Folhas FGTS (o equivalente em Portugal aos descontos para a Segurança Social); não pagou férias, nem as gratificações natalícias (subsídio de Natal). “Muitos dos meus clientes só conseguiram pegar o seguro de desemprego (subsídio de desemprego) por conta de ação judicial”, refere, alegando que muito ficou para pagar das denominadas “verbas rescisórias”. O Valor Local teve acesso a variada documentação de processos referentes a ex-trabalhadores do Sunrise Hotels & Resorts Holding, propriedade de Latif, a atestar estes factos.
“Muitos dos trabalhadores despedidos pelo Sidik passaram mal, estamos a falar de pessoas carentes que ganhavam pouco mais do que o ordenado mínimo. Não tiveram direito a nada. Viveram esses anos com tremendas dificuldades, algumas delas até pegaram câncer, por conta do que ele fez aqui no Brasil”, realça o advogado, que adianta ainda – “Muitos dos meus clientes (que beneficiam de assistência jurídica gratuita) não têm como pagar um aluguel, vivem em casa dos outros de favor. Quero garantir que com isto o empresário não aplica o mesmo golpe em Portugal. Ele é um cara rico que esbanja dinheiro e que deixou todo o mundo numa situação complicada”.
O Valor Local falou com dois dos ex-trabalhadores do hotel que viram as suas vidas andar para trás a partir do momento em que foram despedidos e não foram devidamente compensados com o que lhes era devido por parte de Sidik Latif. Devid Silva que foi despedido em 2018 tinha começado a trabalhar no hotel cerca de três anos antes. Nos últimos tempos era rececionista. O processo em tribunal metido naquele ano contra Sidik Latif exige uma indemnização de 28 mil 390 reais (cerca de 5 mil 427 euros). Já teve vários empregos depois, mas hoje encontra-se desempregado, pelo que ter direito àquilo que a justiça brasileira decidiu “poderia ser uma grande ajuda”. “Todo o mundo foi lesado, a gente só quer o que é nosso por direito. Muita gente está na luta por uma solução”. Devid Silva conta que no início era com muito gosto que trabalhava no hotel, “mas aos poucos o Sidik foi descurando a manutenção, os hóspedes reclamavam e a gente tinha que se virar para encontrar desculpa”. Lembra que o empresário era de trato fácil e que “a dada altura passou mesmo a morar no hotel na suite de luxo”. “O hotel estava despencando com imensas críticas dos clientes, mas ao mesmo tempo ele colocava fotos lindas no site, mas que não mostravam a realidade. Chegou ao ponto de já não ter mais café da manhã para os clientes”. Segundo Devid Silva, o que o empresário fez “foi desumano” para os trabalhadores.
Dayvison Pena é outro dos ex-trabalhadores do hotel. Esteve 10 anos na unidade em causa, e segundo a justiça brasileira são-lhe devidos 37 mil 829 reais (7 mil 231 euros). Atualmente é motorista de Uber, mas não desiste das verbas a que tem direito. “Porque dava para melhorar em muito a minha vida”. Desde 2018, que o advogado Carlos Roberto dos Santos bem como os advogados dos restantes ex-trabalhadores perderam o rasto ao empresário com nacionalidade portuguesa. O Valor Local tentou entrar em contacto com as empresas de Sidik Latif no sentido de obter declarações sobre as acusações que são feitas ao empresário, mas nenhuma delas, sendo que duas têm sede no concelho de Benavente, possuem qualquer número de telefone associado ou email. A empresa chegou a ter uma morada física em Lisboa. Tem um telefone associado mas atualmente não se relaciona com a Real Mouchão do Lombo do Tejo ou outra das empresas de Sidik Latif.
O que a lei portuguesa exige para que uma sentença estrangeira seja válida em Portugal?
Para tentarmos perceber, em sentido lato, de que forma a decisão dos tribunais brasileiros que foi de encontro aos interesses dos antigos trabalhadores de Sidik Latif, pode produzir efeitos em Portugal, e com isso levar a uma potencial penhora de bens, fomos averiguar o que diz a lei portuguesa. Como tal, e para a revisão e confirmação de sentença estrangeira, o Código de Processo Civil português, no seu Artigo 978º, determina que para que uma sentença possa ser confirmada em território nacional não pode haver dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a mesma, nem sobre a inteligência da decisão que tenha transitado em julgado segundo as leis do Brasil. Por outro lado – que seja proveniente de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido obtida de forma fraudulenta, e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses; que o réu tenha sido regularmente citado para a ação, nos termos da lei do país do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes; que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado português. Terá ainda de ser constituído advogado português para este efeito.
Segundo o que apurámos o processo em causa obedece aos requisitos do Código de Processo Civil Português. Ouvimos ainda o advogado Fábio Amorim que refere que apesar de estarem reunidas algumas informações importantes, os vários casos de ex-trabalhadores teriam ainda mais força junto da justiça portuguesa se a condenação fosse em nome próprio e não da empresa de Sidik Latif no Brasil. “É importante que quando o processo for remetido para Portugal seja reforçado que a firma e o seu proprietário no Brasil procederam de forma fraudulenta, que a insolvência foi culposa, que deixou de pagar aos funcionários e de cumprir as suas obrigações porque decidiu investir noutro lado (como por exemplo a aquisição no mesmo ano do Mouchão do Lombo do Tejo por uma verba avantajada).” O Valor Local comprovou que Sidik Latif é o administrador da Hotelsys Gestão Hoteleira através da leitura do contrato social do hotel. Depois de requerida a revisão da sentença estrangeira em Portugal, “o processo é lento, uma decisão pode demorar nunca menos de três anos a favor dos trabalhadores, se for esse o caso”, conclui Fábio Amorim.