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Jorge Lopes: “O posicionamento de Arruda dos Vinhos nas Linhas de Torres no passado, no presente e no futuro”

O conceito de património cultural é um conceito lato e que se refere à cultura material (os bens imóveis – os monumentos, conjuntos e sítios; e os bens móveis – peças artísticas, etnográficas, cientificas, arqueológicas, fotográficas, arquivísticas, etc.) e à imaterial (as tradições e expressões orais, práticas sociais, rituais e eventos festivos, etc.). O património cultural assume assim um papel preponderante na identidade dos indivíduos e das comunidades, a qual nos é garantida através da memória.

O concelho de Arruda dos Vinhos possui um riquíssimo conjunto de bens culturais, desde o património arquitetónico ao património imaterial, ambos marcas identitárias da comunidade concelhia. Neste contexto, uma das marcas da identidade cultural do concelho, embora ainda pouco reconhecida no seio da comunidade, é o património das “Linhas de Torres”.

Ora, recuando no tempo e fazendo uma breve contextualização histórica, as “Linhas de Torres”, é um conjunto composto por 152 fortes (e entrincheiramentos), ligados por estradas militares que atravessavam uma área de 85 km. São sem dúvida um marco da arquitetura e estratégia militar da história europeia, representando um ponto de viragem na história da Guerra Peninsular. A sua construção teve início ainda antes do final do ano de 1809 e foi terminada, na totalidade, em 1812. Este sistema defensivo tem sido descrito como um dos mais baratos investimentos e um dos segredos mais bem guardados na História Militar. Este conjunto, que se estende ao longo do território de 6 municípios da Estremadura portuguesa, foi construído após as duas primeiras invasões protagonizadas pelos exércitos de Napoleão Bonaparte (a 1ª Invasão teve início a 20 de novembro de 1807, e a 30 de agosto de 1808 foi assinada a Convenção de Sintra, entre Inglaterra e França, pondo fim à 1.ª Invasão. A 2ª Invasão inicia-se a 10 de março de 1809 e a 18 de maio de 1809, e o exército francês, comandando pelo marechal Soult, abandona Portugal por Montalegre, após a derrota na Batalha do Douro, encerrando-se a 2ª Invasão).
A construção deste conjunto de estruturas militares, que ficou conhecido como “Linhas de Torres” ou “Linhas de Torres Vedras”, deveu-se ao destacado Marechal e político britânico Arthur Wellesley ou duque de Wellington, personagem que fez parte da história de Portugal e da Europa no início do séc. XIX. Wellington, antevendo uma nova invasão dos franceses ao território, organiza a defesa da cidade de Lisboa através deste conjunto de fortificações em torno da capital, aproveitando e reforçando os obstáculos naturais do terreno, recuperando o estudo (levantamento topográfico) efetuado alguns anos antes pelo oficial português José Maria das Neves Costa.

Paiol – Forte do Cego (Obra Militar N.º 9). Fotografia CMAV, 2010

No território do Município de Arruda dos Vinhos foram construídas três obras militares (o Forte do Cego – Obra Militar n.º 9, o Forte da Carvalha – Obra Militar n.º 10 e o Forte do Passo – Obra Militar n.º 12), que fazem parte da primeira linha de defesa, uma linha mais avançada de primeiro contacto com o inimigo. Estas fortificações, integradas num conjunto que se estende pelos concelhos de Vila Franca de Xira, Loures, Sobral de Monte Agraço, Mafra e Torres Vedras, para além do concelho de Arruda dos Vinhos, foram classificadas como Monumento Nacional a 21 de março de 2019. A candidatura integrou 128 estruturas militares, como fortes e estradas militares, da primeira e segunda linhas defensivas, das quais só 114 foram classificadas, tendo 15 ficado de fora, por se encontrarem degradados ou destruídos.

Apesar da tipologia arquitetónica de cariz militar comum, à qual todas obedecem a uma matriz, é notória a diversidade construtiva das fortificações. Este sistema de fortificação moderna abaluartada disposta em linha, geoestrategicamente implantada, tem em conta a topografia regional, confundindo-se com as cumeadas das várias colinas, devido às técnicas de construção utilizadas. A leitura e interpretação das estruturas militares indica a uniformização arquitetónica das fortificações, caracterizadas pela construção em terra e taipa, com uma praça abaluartada e um Fosso. As múltiplas valências da paisagem estremenha despertam assim o interesse para uma melhor compreensão da importância estratégica de defesa da capital.

Neste sentido, em 2007, com o objetivo de estudar, compreender, recuperar e valorizar este património, os municípios que possuem património das Linhas de Torres criaram a Plataforma Intermunicipal para as Linhas de Torres (PILT), que desenvolve desde 2007 o projeto transdisciplinar “Rota Histórica das Linhas de Torres”. No âmbito deste projeto, nos anos de 2009 e 2010, o Município de Arruda dos Vinhos realizou trabalhos de limpeza de matos, escavação e restauro em duas das três obras: no Forte do Cego (Obra Militar n.º 9) e Forte da Carvalha (Obra Militar n.º 10), levados a cabo pelo Arqueólogo Guilherme Cardoso e pela empresa Arqueohoje, com o apoio da Engenharia Militar do Exército Português. Mais recentemente, entre os anos de 2021 e 2022, a Câmara Municipal de Arruda dos Vinhos, em colaboração com o Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa (UNIARQ), da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, promoveu, mais de 20 anos depois das primeiras campanhas (1989-1999),uma campanha de trabalhos arqueológicos no sítio do Castelo / Forte do Passo (obra militar nº 12). Tal como os fortes da Carvalha e do Cego, este último foi sempre ocupado com funções defensivas, mas apresenta particularidades que o distingue das outras fortificações. A cronologia de ocupação deste sítio arqueológico estende-se por diferentes períodos cronológicos: Calcolítico, período Romano e Guerras Peninsulares.

Trabalhos Arqueológicos Forte do Passo 2022. Fotografia, André Texugo Lopes 2022

A campanha arqueológica mais recente (2021-2022) teve como objetivo a leitura espacial dos vários momentos de ocupação deste sítio através de novas metodologias. Assim, a campanha foi antecedida por um levantamento LiDAR através de drone com a colaboração do Centro de Estudos Geográficos e do Instituto Superior Técnico, permitindo o mapeamento prévio das estruturas ocultas pela vegetação. Posteriormente procedeu-se à limpeza do terreno e à escavação de alguns elementos indicados pelo levantamento. O processamento dos dados de campo e da cartografia antiga será a base para uma primeira aproximação geoespacial dos vários vestígios, essencial para futuros trabalhos de investigação e valorização.

De uma forma geral e abrangente, o projeto Rota Histórica das Linhas de Torres veio permitir, não só o estudo e recuperação das linhas mas também, a preservação da memória e identidade coletiva nacional. Visitar o conjunto das Linhas de Torres permite que o visitante comum se desloque por territórios diversificados, em termos culturais e paisagísticos (paisagens urbanas, periurbanas, rurais ou paisagens litorais), que têm em comum um sistema de arquitetura militar, construído pelas populações locais, num determinado contexto histórico europeu e que modificou o modus vivendi nesta região.
Foi neste âmbito que, em 2014, os municípios que integravam a PILT fundaram a Rota Histórica das Linhas de Torres – Associação para o Desenvolvimento Turístico e Patrimonial das Linhas de Torres (RHLT), tendo sido nesse mesmo ano que a Assembleia da República instituiu o dia 20 de outubro como o Dia Nacional das Linhas de Torres.
A Rota Histórica das Linhas de Torres é uma Associação para o Desenvolvimento Turístico e Patrimonial das Linhas de Torres Vedras, sem fins lucrativos, constituída pelos municípios fundadores de Arruda dos Vinhos, Loures, Mafra, Sobral de Monte Agraço, Torres Vedras e Vila Franca de Xira, e que pode acolher, na qualidade de associados, outras entidades públicas e privadas, pessoas singulares ou coletivas, que possuam interesse na valorização patrimonial e promoção turística das Linhas de Torres Vedras. A RHLT mantém relações de cooperação e colaboração com outras associações nacionais e estrangeiras que tenham objetivos semelhantes, e dispõe de uma equipa técnica multidisciplinar que atua nas áreas da arqueologia, comunicação, conservação e salvaguarda, museologia, parcerias nacionais e internacionais, programas e projetos culturais, turismo, entre outras, contando, sempre que necessário, com contributos de outros colaboradores e do conselho consultivo da RHLT.

Assim, a Rota Histórica das Linhas de Torres pretende dar continuidade e melhorar o seu contributo para o “desenvolvimento sustentado do território, assente no propósito de proteger e valorizar o património cultural, ambiental, histórico e urbanístico associado às Linhas de Torres; estimular o intercâmbio de experiências, ao nível da investigação, conservação e restauro do património; contribuir para uma política de produção e promoção turística sustentável; cooperar com parceiros público-privados para criar um maior nível de atração do destino Rota Histórica das Linhas de Torres; criar uma estratégica de comunicação da RLHT e afirmar a sua Marca no mercado do património de referência; colaborar com os agentes culturais, económicos e turísticos, procurando criar riqueza e mais-valias para o desenvolvimento da região, prestando o seu apoio à implementação de ofertas adequadas às necessidades do turista e desenvolvendo políticas de promoção e influência, disseminando a consciencialização da importância histórica e patrimonial deste Monumento[1]”.

O reconhecimento do trabalho executado pelos municípios tem-se traduzido nos diversos prémios recebidos, como por exemplo, o prémio Europa Nostra, ganho em 2014, na categoria “Conservação”, dado o trabalho de desmatação, recuperação e reabilitação dos fortes. Para a atribuição do prémio, foram consideradas a importância de preservar estas estruturas militares pelo papel que desempenharam na história portuguesa e europeia, as numerosas vantagens intermunicipais para as diferentes autoridades envolvidas no território da RHLT, a possibilidade que o percurso definido oferece para encorajar um novo público a descobrir a região, bem como o projeto de arquitetura contemporânea para os centros de interpretação, pela relação que estabelecem entre o passado e o presente.
Em 2012, dois anos antes da fundação da associação, o Turismo de Portugal reconheceu o valor e o contributo do projeto para a qualificação do turismo nacional e para a notoriedade de Portugal como destino turístico de excelência. Atribuiu à Rota Histórica das Linhas de Torres o Prémio de Melhor Projeto Público de Requalificação. Este reconhecimento surgiu do esforço conjunto realizado pelos 6 municípios que constituíam a PILT e, na sequência do financiamento EEGRANTS, que permitiu em 2010 comemorar os 200 anos da construção das linhas defensivas e inaugurar as obras de recuperação dos fortes e de Centros de Interpretação, um investimento estimado em cerca de seis milhões de euros.

Estes investimentos e múltiplos prémios em torno das Linhas de Torres são um verdadeiro reconhecimento deste património, enquanto recurso endógeno, não renovável e com bastante potencial. Este património assume-se como um dos elementos diferenciadores mais expressivos que os territórios têm à disposição. É importante contemplar as marcas identitárias, traços de autenticidade, elementos diferenciadores e tendências que permitam a estes territórios demarcarem-se dos demais. No seguimento desta necessidade, pretende-se que o património cultural seja identificado como um instrumento singular e genuíno capaz de marcar a diferença. No contexto socioeconómico atual, cuja escassez de recursos para a cultura, e em particular para o setor do património construído, é uma realidade, que é mais importante saber valorizar as potencialidades do património e a importância que este representa para as comunidades. A valorização do património deve ser uma opção estratégica de grande relevância para a gestão dos territórios, na medida em que contribui para a diferenciação e qualificação dos lugares, aumentando a sua atratividade e reforçando a sua autenticidade, assim como também é um contributo para a inclusão social e para a autoestima das populações.

Neste sentido, as autarquias assumem um papel determinante devido à sua proximidade com as comunidades locais, devendo integrar no processo de educação a defesa e salvaguarda do património, nas suas mais variadas vertentes, de forma a contribuir para a alteração e estimulação de mentalidades, objetivos estes que só podem ser atingidos tirando partido da intervenção e interação diretas da comunidade.
Em suma, o projeto Rota Histórica das Linhas de Torres veio permitir, não só o estudo e recuperação do património, mas também contribuir para preservação da memória e identidade coletiva local, nacional e, no caso, europeia.

[1] Fonte: https://www.rhlt.pt/pt/associacao-rhlt/

Arqueólogo, Câmara Municipal de Arruda dos Vinhos

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