Antes do 25 de abril, as mulheres não podiam exercer qualquer cargo político. A mulher não podia aceder a este setor da sociedade e da vida pública. O Valor Local entrevistou duas presidentes de junta da nossa região. Uma tinha 13 anos quando se deu o 25 de Abril e a outra três. A primeira é Liseta Almeida, autarca de Ventosa, um dos territórios rurais da nossa área de influência, a segunda é a presidente de junta da união de freguesias mais populosa – Póvoa-Forte. As diferenças na governação de duas realidades díspares, o papel da mulher na política, o percurso pessoal, as preocupações com os seus territórios neste Especial 25 de Abril e as Janelas que Abril abriu.
Tinha apenas 13 anos quando se deu o 25 de Abril. Liseta Almeida, presidente da junta de freguesia de Ventosa, concelho de Alenquer, lembra-se bem daquele dia. Frequentava a escola na sede de concelho e os professores mandaram os alunos para casa, porque a Revolução dos Cravos estava em curso. Vivia naquele tempo na Labrugeira, aldeia da mesma freguesia onde hoje exerce funções. Quando chegou a casa, os vizinhos estavam todos a ouvir a rádio, porque a televisão era ainda um eletrodoméstico raro na freguesia. O seu interesse pela política surgiu também naqueles anos a seguir, quando começaram a surgir reuniões nas coletividades e a necessidade de alfabetização daqueles que durante o anterior regime não tinham tido acesso à educação. Teria já os seus 16 anos quando deu aulas de alfabetização na Labrugeira. Muitos queriam tirar a quarta classe, o antigo ensino obrigatório.
Liseta Almeida recorda aqueles ventos de mudança em que também nos meios mais rurais as pessoas de várias idades tinham necessidade de evoluir e de ter acesso a algo melhor para as suas vidas, depois de décadas de ditadura. Nas primeiras eleições em liberdade, recorda-se, “as pessoas faziam fila para ir votar”. “Lembro-me muito bem desse cenário na Cortegana, aqui na freguesia”.
Mais tarde casou aos 18 anos, e teve o seu filho aos 20. Tem trabalhado até hoje na Escola Secundária Damião de Góis em Alenquer, primeiro como auxiliar de ação educativa, e mais tarde como administrativa após concluir o 12º ano. Vai reformar-se em breve. “Estou a aguardar ansiosamente para poder usufruir mais da vida”, refere.

É desde 2013 presidente da junta, mas desde 2001 que fazia parte das listas, tendo sido tesoureira até ir como cabeça de lista pelo PS nas últimas três eleições autárquicas. Liseta Almeida assume ainda o lugar de segunda-secretária na Assembleia Municipal de Alenquer e confessa que o bichinho da política já era antigo. O convite deu-se por parte de antigos colegas na junta, e embora não se visse a ter um cargo político numa autarquia decidiu aceitar. A experiência tem-se revelado como “boa”, exceto, ressalva, durante o mandato de 2009-2013 quando a crise financeira acabou por condicionar também o normal funcionamento das juntas. “Foi um período terrível, porque não tínhamos dinheiro, nem a Câmara para nos ajudar. Sofri bastante nessa altura”. Decidiu aceitar o repto para ser a cabeça de lista em 2013. “Como tínhamos superado aqueles anos que tinham sido tão maus, muitas pessoas incentivaram-me a assumir a candidatura, apesar de estar esgotada”.
Já como presidente de junta destaca o combate à Covid-19 como um dos principais desafios, altura em que andou “sempre na rua”, porque havia que fazer a desinfeção das localidades, e acudir às diversas situações.
A freguesia de Ventosa conta atualmente com 2002 pessoas menos 171 do que nos Censos de 2011, embora note que nos últimos tempos a população tem aumentado graças à imigração sobretudo de cidadãos brasileiros, e alguns chineses. A autarca tem esperança que mais pessoas venham viver para a freguesia, dado que algumas casas devolutas estão a ser recuperadas. Algum trabalho que ainda subsiste em vinhas e quintas das proximidades tem contribuído para essa fixação, mas também há quem venha de Lisboa e esteja a escolher a freguesia como segunda habitação. Para incrementar a natalidade na freguesia, a junta lançou mão do programa “Nascer em Ventosa”, o denominado cheque bebé, composto por artigos de puericultura. A farmácia local e uma loja de gás também contribuem para o pecúlio numa lógica de comunidade. O investimento é de cerca de 250 euros.
O estado da saúde na freguesia é uma das suas preocupações. Os habitantes da freguesia têm de se deslocar às extensões de saúde do Olhalvo e da Merceana, mas não há médicos de família. A situação tem sido mais ou menos dirimida com médicos aos sábados através de um protocolo da Câmara de Alenquer, mas a autarca espera por soluções mais definitivas, assim como, no caso do principal problema ambiental da freguesia que se prende com as descargas da suinicultura da Berbelita, que já devia estar encerrada, mas que teima em arrastar-se pelos tribunais. “Ainda há pouco tempo tivemos aqui o Festival das Sopas na Adega Cooperativa da Labrugeira, e o cheiro era insuportável. Toda a gente se apercebeu. Não compreendo como nunca se faz nada. Continuamos sem colocar termo a este problema”. Quanto às queixas da população refere que uma das principais relaciona-se com a necessidade de limpeza dos caminhos vicinais.
A junta de freguesia por vezes, refere, acaba por ser mais um consultório onde as pessoas se dirigem, “porque têm necessidade de ser ouvidas e acabam por desabafar sobre os seus problemas pessoais, como foi o caso recente de um cidadão que entrou por aqui adentro muito alvoraçado, muito chateado, e no fim acabámos por ter uma boa conversa. A esposa desse senhor estava com cancro e daí a atitude menos correta que teve inicialmente. A tarefa de um presidente de junta acaba por ser também essa – a de ouvir as pessoas”.
Liseta Almeida considera que as mulheres também têm as mesmas oportunidades dos homens a nível político no seu concelho, e mais concretamente no PS, mas “o problema é que nem sempre querem vir para a política”. Com a implantação das quotas, concorda que acaba por ter de haver equidade nem que seja do ponto de vista legal.
Ana Cristina Pereira
“Desagregação das freguesias não faz sentido na Póvoa e no Forte”
Nasceu em 1971, pelo que as memórias do 25 de Abril são praticamente inexistentes. Ana Cristina Pereira é, desde as últimas autárquicas, presidente de junta na União de Freguesias Póvoa-Forte. Veio para o Forte da Casa com nove anos, e foi aqui que fez grande parte da sua vida. O facto de os pais terem sido operários leva a que tenha memórias de “greves e de movimentos de operários”, característicos do pós 25 de Abril. Lembra-se ainda de muitas paredes pintadas com “frases fortes e de luta”. Estudou na Póvoa, depois na Gago Coutinho em Alverca. Fez o curso de Relações Internacionais em Lisboa, e trabalhou desde o ano 2000 na Autoridade Tributária. Casou, teve uma filha. O convite para a política deu-se nas eleições autárquicas de 2001 para fazer parte das listas do PS à então junta de freguesia do Forte da Casa.
“Desde miúda que sempre tive muito interesse pelo que se passa à minha volta. Durante o tempo da faculdade estava na ordem do dia a luta pela independência de Timor-Leste, a guerra do Iraque, e sempre tive muita curiosidade pela política nacional e internacional. Em 1997, passei a militar no Partido Socialista, com o qual me identifico”. Ana Cristina Pereira manifestou o seu interesse em participar na vida política local. Foi terceira na lista do PS em 2001 com António José Inácio como cabeça de lista, o qual está hoje do outro lado da barricada depois de ter saído do PS e ter fundado um movimento de cidadãos. O partido ganhou a junta e Ana Cristina Pereira era a tesoureira naqueles primeiros anos da década de 2000. “Foi uma grande aprendizagem logo de início, conheci muitas pessoas”, recorda. Ao longo dos anos foi sempre fazendo parte das listas ora na junta, ora na Assembleia Municipal.

Um dos temas que tem estado na ordem do dia prende-se com a desagregação das duas freguesias que acabou por ser reprovada pela Assembleia Municipal de Vila Franca de Xira. Para Ana Cristina Pereira não faz sentido proceder-se à separação, “porque estamos perante um território contínuo urbano que sempre partilhou equipamentos e serviços”. Com a união de freguesias “acabámos por aumentar o número de trabalhadores e dar mais resposta às necessidades, também com economia de escala”. A desagregação no seu ponto de vista não levaria “a que se pudesse servir melhor a população das duas freguesias”.
Com uma população de 40 mil 871 habitantes, a principal preocupação da população da freguesia prende-se atualmente com a falta de médicos de família, nomeadamente, no Forte da Casa, onde apenas se prestam serviços mínimos de saúde. “As juntas do concelho em conjunto com a Câmara já deram conta das suas preocupações ao ministro da Saúde. Foi prometida uma auditoria aos centros de saúde que será importante para determinar o que corre menos bem. O ministro referiu que os concursos são abertos, mas não aparecem interessados em vir para estes concelhos da zona de Lisboa”. Cerca de 25 mil pessoas no território da união de freguesias não têm médico de família.
A necessidade de um nó de ligação à A1 e a questão do estacionamento estão entre as situações que a junta gostaria de ver resolvidas. A proliferação de monos na freguesia “é outra das lutas contínuas” da junta, tendo em conta também a falta de recursos humanos para acudir a todas as situações. A incúria parte dos cidadãos individualmente, mas também de empresas que não têm pejo em fazer aquele tipo de deposição ilegal. A junta está a trabalhar na sensibilização “para que se limite ao máximo o número de monos na via pública”.
Sendo uma freguesia com uma elevada densidade populacional, acredita que muitos cidadãos da união de freguesias sabem que é a presidente da junta, “talvez sobretudo no Forte da Casa dado que foi lá que criei as minhas raízes, mas também na Póvoa. Estou muito presente na vida das associações, das escolas, e muitos já me conhecem”. A autarca acredita que o movimento associativo é vital para que persista o sentimento de comunidade numa cidade-dormitório como é o caso da Póvoa, sobretudo. Com o mercado da habitação a entrar numa espiral louca na região, Ana Cristina Pereira não esconde que a junta é cada vez mais procurada pelos fregueses aflitos com a possibilidade de serem despejados. O mercado do arrendamento atinge patamares nunca vistos. “Somos uma freguesia muito urbana, cada vez mais procurada. Todos os dias temos imigrantes a querer vir viver para cá. Estamos ao mesmo tempo a receber pessoas de Lisboa, onde as rendas ainda são maiores do que na Póvoa e no Forte, embora os preços na nossa freguesia já estejam muito altos. A pressão imobiliária é cada vez maior”.
Ana Cristina Pereira acredita que as mulheres têm tido oportunidades no Partido Socialista, embora “sejam precisas mais”. “Temos aqui no concelho a grande referência que é Maria da Luz Rosinha, antiga presidente da Câmara, e atual deputada. A nível não só do PS, mas também de outros partidos houve várias candidatas às juntas nas últimas eleições. Acredito que o facto de as mulheres terem de conjugar a vida pessoal com a profissional seja um entrave para que muitas possam vir para a política”.