Criado pelos governos de José Sócrates, o programa “Novas Oportunidades” tem vindo a ganhar dimensão e reconhecimento ao longo dos anos. Na altura encarado como um programa facilitista em que quem o frequentava ia apenas para ganhar um computador gratuitamente, hoje o programa parece ter atingido outro patamar de maturidade e é uma escolha natural para quem queira ver validadas as suas competências, e acabar com o estigma de não ter terminado o ensino obrigatório. O programa que já mudou de designação várias vezes, chama-se agora de “Qualifica”, e pelo meio já foi o programa de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC) que certificava as competências adquiridas ao longo da vida pessoal e profissional. Fomos conhecer alguns dos formandos que frequentam o “Qualifica “na Escola Secundária de Azambuja, e os motivos pelos quais decidiram apostar nesta ferramenta, depois de terem abandonado o ensino obrigatório ainda jovens. Dos cerca de 70 alunos inscritos no “Qualifica” da Escola Secundária de Azambuja, um dos grupos ouvido pelo jornal Valor Local, arrepende-se de não ter completado o ensino obrigatório na altura certa.
Os relatos vão quase todos nesse sentido e expõem as dificuldades de um passado ligado ao trabalho para, na grande maioria, sustento da família, em que os estudos ficaram para trás, bem como muitos outros projetos de vida. Durante a reportagem do Jornal Valor Local, foram sistemáticos os relatos relacionados com o trabalho e as oportunidades surgidas, aliados a uma escola “pouco atrativa”, o que fez com que muitos alunos abandonassem o ensino. Passados, em alguns casos, mais de 20 anos, é evidente o arrependimento, mas também passados todos estes anos e com orçamento próprio, e não o dos pais à época, torna-se mais fácil completar a escolaridade, em termos mais apelativos e em horários pós-laborais.
Os indivíduos, que por um ou por outro motivo, não completaram a escolaridade obrigatória e que precisam de progredir profissionalmente, são as que mais procuram esta saída.
No entanto, na nossa região, há cada vez mais empresas que dão aos seus trabalhadores esta ferramenta, que os possibilita subir na carreira e adquirir mais experiência académica.
É o caso do grupo “Jerónimo Martins”. A empresa com armazéns de logística em Azambuja e dona dos supermercados “Pingo Doce” é segundo Manuela Rocha, professora e coordenadora do programa “Qualifica” na Escola Secundária de Azambuja, “um bom exemplo” referindo que os trabalhadores desta unidade têm direito a frequentar o “Qualifica” em horário laboral e sem qualquer tipo de desconto no salário final. Dos cerca de 70 formandos, 17 são oriundos daquela empresa.
“Qualifica” como forma de conseguir um emprego melhor ou ganhar mais
David é um dos formandos com quem o Valor Local Falou. Aos 37 anos assume que deixou para trás “objetivos que não foram cumpridos no passado” e por isso assume agora que quer instruir-se “com o 12º ano para conseguir um trabalho diferente”.
David trabalha no ramo do imobiliário. No entanto esta passagem pelo “Qualifica” vai permitir-lhe fazer algo diferente na área dos investimentos.
David que assume estar arrependido de não ter estudado, na altura, e diz ter a noção que esta nova área é complexa e que por isso assumiu o desafio de tentar saber quais as suas competências atuais “ou se existe a necessidade de ir para universidade”. Quem sabe tirar o curso de Economia.
Aos 36 anos, Bruno, outro dos alunos, assume que agora é tempo de concluir o 12º ano. Por falta de tempo, devido ao estilo de vida, ou porque as prioridades eram diferentes à época, Bruno refere agora que está na altura de concluir o ensino secundário.
Bruno é motorista de pesados e diz que para já quer apenas concluir a escola obrigatória, e deixa em aberto o seu futuro: “Depois vamos ver o que virá a partir daí, porque atualmente qualquer mudança que possa fazer já me é exigido o 12º ano”, vincando que nos dias que correm “fecham-se as portas” a quem não tem a escolaridade obrigatória. Ainda assim refere que está nos seus planos deixar a vida de motorista de pesados por causa da carga horária e da disponibilidade familiar. Quanto ao “Qualifica” diz que “vale a pena”. “Esperamos conseguir chegar todos ao fim e realizados que é o mais importante”.
Também Marta Valada assume que este curso pode e deve mudar-lhe a vida. Com uma possibilidade de emprego na junta de Azambuja, Marta, de 47 anos, deu com motivo para estar a frequentar o “Qualifica”, a necessidade de ter o 9º ano para conseguir esse trabalho.
Operária nas limpezas nos armazéns da Sonae, Marta está agora desempregada e no imediato, a Junta de Freguesia parece-lhe uma boa opção. Ao Valor Local, Marta diz que o emprego na junta seria o ideal nomeadamente no que toca à carga horária. Com um filho com necessidades especiais e utente da CERCI, esta trabalhadora refere que esta é mesmo a melhor escolha até porque a trabalhar no armazém não consegue deixar o filho aos cuidados de quem quer que seja. Marta também se arrepende de ter deixado a escola, mas tem consigo uma história de vida dura de trabalho que começou aos dez anos de idade na agricultura. Reflexos de outros tempos, que à vista dos dias de hoje parecem distantes, mas para Marta, são tempos muito presentes.
Marco Valada é outro exemplo de quem quer mudar de vida com este curso. Aos 23 anos diz ao valor Local que para trás ficam os tempos em que “quando era mais novo não queria estudar”. “Queria boa vida e passear”. Os tempos e as necessidades mudaram e por isso refere que nesta altura precisa do 12º ano para conseguir “um trabalho melhor”. Marco já trabalhou no campo e nas obras e pretende agora um emprego onde ganhe mais para poder ter uma vida mais confortável.
Também a história de Maria José Estudante, de 44 anos, se cruza com todas as outras. A trabalhar nas limpezas atualmente, ambiciona por uma vida melhor. Ainda sem planos em concreto, assume, no entanto, querer acabar a escolaridade obrigatória. Maria José foi emigrante na Bélgica, para onde partiu com o 9º ano. Por isso a escola ficou para segundo plano. Na Bélgica, não conseguiu acabar os estudos, no entanto, diz que em Portugal é mais fácil, e ingressou no “Qualifica” este ano.
Maria José diz ter em vista trabalhos mais bem remunerados, e mostra-se agradada com a experiência no “Qualifica” – “Sinto-me à vontade, o único senão é o tempo que nos falta” até porque com o trabalho e a escola em pós-laboral, há que existir um compromisso entre ambas as vontades e necessidades.
Paulo Félix, de 51 anos, diz que procura uma nova oportunidade de emprego. Supervisor da DHL, já há muitos anos, ambiciona encontrar outros desafios até dentro da empresa, vincando a existência de pouca oferta e muita procura na área da logística. “Temos de dar um passo à frente para depois conseguir subir”. No passado assume que não estudou quando devia e agora há que correr atrás do prejuízo. Ainda assim conclui que “as perspetivas são boas”.





“Empresas devem dar oportunidade aos trabalhadores de frequentar o Qualifica”
Entre as empresas do concelho de Azambuja, destaca-se a insígnia Pingo Doce. São 17 os trabalhadores daqueles armazéns inscritos neste “Qualifica” em Azambuja, no entanto, refere a professora Manuela Rocha, coordenadora, esta já não é a primeira vez que empresas como o Pingo Doce, por exemplo, dão aos seus colaboradores a possibilidade de acabarem os estudos.
Manuela Rocha enfatiza a necessidade de as empresas poderem seguir este exemplo e recorda que “há muitos adultos que não terminam a escolaridade porque não possuem essa hipótese”. Uns têm de trabalhar desde cedo, outros simplesmente devido a várias circunstâncias deixaram de estudar.
No entanto a escola é proativa no que toca a estes cursos. A coordenadora sublinha que já falou com algumas IPSS do concelho, nomeadamente, com a Santa Casa no sentido de possibilitar a pessoas mais velhas o término dos estudos. Ainda assim lamenta que a adesão não tenha sido a esperada, aguardando, por isso, resposta.
Manuela Rocha lamenta, no entanto, que as empresas não estejam disponíveis para ceder os trabalhadores por algumas horas semanais, durante o horário laboral.
Por outro lado, refere uma parceria com a Câmara de Azambuja, com alguns alunos a título individual que frequentam o “Qualifica”. Madalena Tavares, diretora do agrupamento de escolas de Azambuja, sublinha também a importância deste “Qualifica”. A responsável diz que o papel da escola é “motivar” e isso, garante, está presente no dia a dia deste estabelecimento de ensino. Madalena Tavares diz que o exemplo começa na própria escola: “Motivamos os nossos funcionários que ainda não têm o 9º ano ou o 12º ano a virem complementar a sua formação connosco”.
Para a professora, o “acelerador” financeiro tem sido uma peça importante para estes formandos que com o objetivo de não perderem dinheiro com as horas investidas no “Qualifica”, têm aderido a este projeto. Ao todo o Estado, e depois da formação completa, paga a cada um destes alunos cerca de 500 euros, algo que é recente, e no fundo acaba por ser uma almofada importante para quem frequenta estes cursos.
No final do curso, os formandos têm de entregar um trabalho escrito sobre a sua história de vida que possibilita a certificação das competências de cada um, mas os alunos têm ainda de fazer uma formação obrigatória de 50 horas, nas áreas em que possuem maior dificuldade: em regra o Inglês e a Informática.
De acordo com a diretora do agrupamento, “o objetivo é garantir que o agrupamento consiga dar um contributo extremamente válido para a melhorada qualificação da nossa população”, onde se incluem, não só residentes no concelho de Azambuja, como também de concelhos vizinhos, ou simplesmente “população que apenas trabalha cá ou mora perto”.
Madalena Tavares explica que um dos objetivos passa também pela resposta junto dos trabalhadores das empresas do concelho que empregam muitas pessoas de fora. Ainda assim a professora diz ter a ambição de reforçar o número de alunos, enquanto reconhece o empenho dos professores neste processo, mesmo durante a pandemia, o que constituiu um desafio “pois nunca deixaram de trabalhar” , recordando que “estávamos a começar uma turma de Português para estrangeiros, quendo rebentou a pandemia”.
A diretora sublinha que o objetivo é criar várias oportunidades para os alunos que tiveram uma má experiência no tempo de escola “para que possam mais tarde e já com outras condições de vida vir a aceitar essa oportunidade”.
Agrupamento de Escolas de Azambuja adere à Academia Digital para Pais
O agrupamento quer colocar os alunos a dar formação aos mais velhos. A iniciativa de aderir a este projeto acaba por ser um complemento ao ”Qualifica”, o qual visa dotar os mais velhos de competências na área da informática e tecnologias.
Segundo Madalena Tavares, os alunos são convidados a dar formação nestas áreas aos pais e encarregados de educação com o apoio de um programa da Direção Geral de Educação. Portanto, assim sendo, a escola de Azambuja vai ter dois tipos de formação para adultos, o “Qualifica” e esta nova vertente dedicada aos encarregados de educação, garantindo o apoio da escola, “em que esta é um elemento ativo na sua sociedade e na comunidade e devolve o apoio e a formação que as pessoas precisam”.
A professora explica que alguns dos alunos são convidados pelos professores, tendo em conta o perfil, outros são voluntários e oriundos do ensino secundário.
Neste processo, serão convidados também a “ajudar” alunos do ensino básico “sendo que a ideia é que eles possam ter e dar formação aos pais e encarregados de educação”. Em suma, os jovens alunos vão ensinar no âmbito das competências digitais em questões simples como ligar um computador ou enviar um email, sendo que “depois serão os mesmos a passar esses conhecimentos aos pais”.
De acordo com a diretora do agrupamento, a adesão dos alunos a este projeto tem “sido muito positiva” e a expetativa é muita em áreas em que os jovens de hoje têm mais competências por via do contacto com as novas tecnologias.
Madalena Tavares diz que não é garantido que os alunos trabalhem com os próprios pais, mas reforça que o objetivo do programa passa por dar conhecimento e ferramentas aos mais velhos. A professora sustenta que durante a pandemia “foram detetadas algumas lacunas nos conhecimentos e competências digitais nos adultos da nossa comunidade e a escola estava impotente, sem recursos”.
As coisas mudaram e desde o ano passado que o estabelecimento já tem um técnico de informática que prepara as formações que se seguirão.
Estas são formações que acontecerão no pós-laboral, nomeadamente, no que toca aos adultos. Madalena Tavares diz que só um técnico de informática não chega para dar este tipo de formação aos adultos, daí ter implementado este programa que envolve várias gerações.
O que é o Programa “Qualifica”
O Programa Qualifica é um programa dirigido aos adultos com percursos de educação e formação incompletos e tem por objetivo melhorar os níveis de qualificação dos adultos, contribuindo para a progressão da qualificação da população e a melhoria da empregabilidade dos indivíduos.
No âmbito do Programa Qualifica foi criada uma rede nacional de centros especializados para a qualificação de adultos — os Centros Qualifica — que têm ampla cobertura do território nacional e que são promovidos por diversos tipos de entidades como escolas, centros de formação do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), câmaras municipais, empresas e associações empresariais ou associações de desenvolvimento local. Estes centros prestam um serviço público individualizado aos adultos, permitindo que em função das características de cada pessoa, do seu passado escolar e profissional e das suas ambições e expectativas, seja definido o percurso de qualificação mais adequado a cada situação concreta.