A Democracia e a Liberdade são muito mais do que palavras de ordem ou conceitos abstratos que podemos sempre enumerar numa intervenção política, num discurso académico, numa qualquer outra discussão filosófica sobre o sentido da vida em comunidade ou tão-só sobre a Humanidade que a todos nos une.
São com certeza, também, no meu entender, valores que, na sua dimensão prática e operativa, são muito mais importantes e consequentes do que qualquer meditação ou elucubração intelectual.
É, igualmente, verdade que as boas ideias, por mais ou menos elaboradas que sejam, são elas que nos levam, que nos mobilizam e nos conduzem à transformação da vida concreta, assim como, da realidade que nos rodeia. As ideias são força e quando ditas, escritas, cantadas e enunciadas, até mesmo, por desenhos e pinturas têm um poder imenso; encerram, em si, uma especial capacidade que pode mudar, na essência e por completo, a perspectiva que temos sobre a vida e o mundo. Vivemos, na minha percepção, um tempo a seu modo estranho, heterodoxo, mas pleno de oportunidades e ameaças! Um tempo extraordinário que nos convoca a todos a reflectir, a pensar, a ponderar e a decidir!
Qual o caminho que devemos escolher, de que lado estaremos quando nos convidarem a tomar partido ou, mesmo, nos solicitarem uma opinião? Quando nos pedirem que digamos ao que vamos, o que fazemos aqui e por quem estamos?
Esta, talvez, seja a grande interrogação do momento e não, por contraponto, a «grande ruptura revolucionária» que alguns almejam, outros «messianicamente» tentam profetizar, existindo, ainda, outros mais, que preferem ficar em cima do muro a ver se lhes calha alguma coisa na «roleta russa do destino». O «zeitgeist», o espírito do tempo é de resistência ou de resiliência? Em jeito de resposta possível começaria, por afirmar, que é de ambas, mas, também de insistência nos mais inalienáveis valores democráticos.
A Democracia não se inicia e não termina só no voto, no depositar do voto em urna e que, a posteriori, terá como consequência a expressão e a contabilização da vontade da maioria.
A Democracia é uma vivência, um modo de ser e de estar na vida em sociedade; a Democracia é um «ethos», um conjunto sólido de princípios e valores que se expressam em todas as esferas da nossa convivência colectiva e, em muitos, dos comportamentos e das escolhas que vamos tendo e assumindo. A Democracia é uma ética da afirmação, da responsabilidade e do cuidado!
Pertenço a uma geração que sempre cresceu e viveu em Liberdade e Democracia. Uma geração que acredita que passo a passo, com avanços precisos e recuos ténues, podemos ir melhorando as imperfeições do bem-estar comum e da vida democrática.
Por outras palavras, onde imperam direitos, liberdades e garantias para todas e todos, em todas as gerações é vital consolidar o melhor que a Democracia encerra, diminuindo e superando as suas falhas e demais omissões.
Pertenço, uma vez mais, a uma geração que abraçou a educação como força motriz e energia transformadora da contemporaneidade e que, em virtude disso, ajudou a construir uma sociedade aberta ao mundo, democrática, de mulheres e homens livres e socialmente comprometidos.
Pertenço, igualmente, a uma geração que acredita em comunidades nacionais e transnacionais onde a convivência sã com a diferença e a diversidade é aceite e onde a solidariedade e a interdependência pontuam, onde o direito a ser e a existir não são diminuídos, ou mesmo, postos em causa. O contrário disso tudo é o extremismo!
O extremismo é, por conseguinte, oportunista, vive das ausências e dos vazios, alimenta-se das fragilidades, dos lapsos e das imprecisões, aproveita-se das brechas, das fissuras e dos oblívios do Sistema Democrático. É assim, nas suas encarnações mais radicais quer à Esquerda, quer à Direita!
Vejamos, primeiro com atenção, o projeto político e cultural da Extrema Direita que alcandorado por um patriotismo infantil, travestido de uma espécie de nacionalismo esclarecido vai-se aproveitando da Democracia e dos processos democráticos para, por dentro, minar, contaminar, reverter e subverter.
Alastra como um veneno caustico que corrói as Instituições da Democracia, avilta a Constituição, atropela Direitos Fundamentais e inviabiliza, através de um conservadorismo bacoco, o progresso das sociedades contemporâneas. Um «caldo de cultura» no qual não devemos ignorar os sinais e os sintomas de uma estirpe de «doença infantil do iliberalismo», o Radicalismo de Direita.
Um neointegralismo que se espalha como o «o caos na ordem» e contamina o espaço público, a reflexão política, a participação cívica e a urbanidade do debate informado.
Esta é, como alguém já o referira, a Nova Direita Anti-Sistema, mas os seus métodos e valores são,renovados ou não, os de sempre! Somados à criação de bodes expiatórios e ao reacionarismo tradicional – em si injusto e intolerante -, temos o estardalhaço arruaceiro, a boçalidade argumentativa, o proto-vandalismo intimidatório, a desinformação militante e o populismo estridente. Enfim, a bête noire, que ameaça os alicerces da organização democrática do Estado como o respeito pelas instituições e os valores da Justiça, da Igualdade e da Tolerância presentes na maioria das sociedades ocidentais.
É uma versão extremófila da Direita, que faz da hipocrisia política uma «teoria cínica», uma narrativa abjecta que tem como objectivo empurrar, primeiro a Direita Democrática e depois o resto das forças politicas moderadas para fora do Sistema Democrático, iliberalizando-o!
Por outro lado, a Democracia é, igualmente, ameaçada pelos avanços da Esquerda Radical, em alguns aspectos quase neoestalinista, muito extremada em determinados nichos, que confunde o activismo social – sempre são nas dinâmicas democráticas de todos os dias – com as pulsões anarco-sindicalistas que têm vindo a animar pequenos grupos de interesse e outras franjas da população.
Uma vez mais, são «teorias cínicas» que tentam refundar, rever e, ao mesmo tempo, conduzir a destruição da razão no mundo ocidental.
É uma luta, um ajuste de contas com a História, que tem tanto de ideológico, como político, mas muito mais de refundação programática daquilo que são as nossas conquistas de civilização, de cidadania, de bem estar social e da identidade comum que fomos construindo na nossa ordem jurídica, constitucional e económica – na qual as liberdades individuais e colectivas são protegidas – e onde a Democracia, com os seus pesos e contrapesos, vai equilibrando, sem populismos de conveniência, a sua dimensão representativa com o seu lado participativo.
Partilho, uma última ideia, a de que o insulto extremista não é só usado para ofender, mas, também para silenciar e isso nunca, nunca mesmo, deve ser o lugar e a condição da voz de cada um em Democracia. Preocupa-me, como democrata, o caminho que possamos estar a trilhar enquanto sociedade, os ventos que sopram na Europa e no Mundo, parecem não ser de feição, contudo, devemos continuar a insistir no diálogo, na aproximação, na verdade e na convergência. Construir pontes, atravessar mares e derrubar muros.
A Democracia é o espaço único para esse «trabalho de engenharia e navegação», assim como, o tempo privilegiado para a concertação e para o compromisso, onde a sua centralidade maior é a pessoa humana e a sua maior radicalidade a moderação!