No dia oito de maio de 2009, a Câmara Municipal de Azambuja celebrava um contrato de concessão e exploração do sistema de abastecimento de água e saneamento com a Aquapor para um período de 30 anos. Nascia a Águas da Azambuja (ADAZ). O privado passaria a ficar com o negócio das águas, como mais tarde foi apelidado em Azambuja, no concelho. Em 2024, chegamos a meio da concessão, e numa primeira abordagem a este marco, relembramos neste trabalho, através de infografia, alguns dos principais protagonistas políticos e não só daquilo que foi o debate em torno deste contrato.
Em 2009, altura em que foi assinado o contrato com a empresa, esta comprometia-se a efetuar no espaço de 5 anos um investimento aproximado de 8,5 milhões de euros até 2013, mais cerca de um milhão em remodelações de rede até ao final da concessão que termina em 2039, sendo que até 2013 tinha concretizado de acordo com informação da Águas da Azambuja quatro milhões, dos quais 2,8 milhões em infraestruturas.
Antes da entrada em funcionamento da concessão, deu nas vistas António José Matos, à altura vereador do PSD, hoje vice-presidente eleito pelo PS. Recolheu assinaturas para impedir que o contrato assinado à época pelo antigo presidente Joaquim Ramos e a Aquapor fosse para a frente.
A concessão esteve em períodos intercalados debaixo de fogo. Passados poucos anos da entrada em funcionamento, foi pedido um aditamento ao contrato que viria a efetivar-se em 2015, depois de muita celeuma. Entretanto a empresa também se via a contas com processos da Águas do Oeste, a entidade que garantia à época o abastecimento em alta, no fundo vendia a água canalizada à empresa. Em 2013, havia uma dívida de 400 mil já vencida e outra de 730 mil em processo de injunção. Eram as célebres dívidas dos mínimos. Em julho de 2014, a dívida vencida era de 2 milhões 453.608 euros, dos quais um milhão 330.612 euros estavam em processo de injunção relativo aos valores mínimos garantidos de abastecimento de água. O restante valor, 1 milhão 122.996, euros correspondia a atrasos no pagamento das faturas
Em 2014, e com o debate em torno do aditamento ao contrato ao rubro, o Tribunal de Contas numa auditoria às parcerias público-privadas de gestão de águas, apontava que Azambuja apresentava um risco elevado de redução de faturação para os próximos anos. Ainda segundo o tribunal, era a concessão privada em baixa, que lidera a nível de resultados negativos no indicador EBITDA, que se refere aos lucros antes dos impostos, estando também na linha da frente das que apresentava resultados líquidos mais baixos nesse ano, entre os 2.798.218 e os 16.094.
Ainda no ano quente da concessão das águas, 2014, vai a reunião de Câmara a proposta de nomes para liderar a comissão de acompanhamento do contrato. Entre os escolhidos estava Cunha Marques, reputado especialista do setor, que foi completamente arrasado pela oposição. Fica para a história a expressão “raposa no meio do galinheiro”, utilizada pelo então vereador do PSD, António Jorge Lopes.
A empresa conseguiu o aditamento ao contrato em 2015. O aumento das tarifas rondou os 21 por cento, mas os riscos da concessão passariam a ficar doravante do lado da concessionária, o concedente Câmara conseguiu aqui um marco importante. Para a história deste capítulo fica ainda uma sessão de esclarecimento em que de forma quase inédita naquilo que é a relação entre estas empresas e a população, a Águas da Azambuja e os seus administradores respondem às questões dos munícipes, que desde a entrada em funcionamento da ADAZ, sentiam na pele os aumentos na fatura. Nesta altura já a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos arrasava o aditamento ao contrato como contendo cláusulas que podiam prejudicar os consumidores.
Diogo Faria de Oliveira, administrador à época da Aquapor, falou da obra feita, das dificuldades em pagar à Águas do Oeste e nas injecções de capital que a concessionária de Azambuja já tinha sofrido, tudo porque em cada 1,49 cêntimos cobrados, a ADAZ apenas ficava com 16 cêntimos. O aumento do tarifário seria a única saída possível. O administrador lembrou também a questão do aeroporto da Ota em que estaria previsto um forte aumento do número da população no concelho que acabou por não acontecer, como um dos fatores que estiveram na origem do que “tem corrido menos bem na concessão”.
Em setembro de 2014, o Valor Local apresentava uma grande entrevista a Diogo Faria de Oliveira. O responsável da empresa fala numa alta politização da questão do aditamento ao contrato. Responde a questões como a emissão de faturas com mais de 30 dias, ou a troca de contadores à revelia. Nos primeiros anos da concessão os prejuízos da ADAZ foram de 273 mil euros no primeiro ano, 484 mil no segundo e 565 mil no terceiro.
A 31 de julho de 2015 o aditamento é aprovado em Assembleia Municipal de Azambuja. A partir daqui a concessão viria a ter uma vida mais tranquila até certo ponto. A abstenção de dois deputados e o voto de qualidade do presidente da Assembleia Municipal, à época António José Matos, o mesmo homem que anos antes tinha lutado para que a concessão não fosse uma realidade, foram fundamentais para a aprovação do aditamento ao contrato. Depois da polémica em torno do nome de Cunha Marques, é sugerido pela CDU em Assembleia Municipal, o nome do então diretor financeiro da Águas do Ribatejo, Miguel Carrinho, para ficar à frente desta comissão. Certo é que pouca ou nenhuma informação tem sido transmitida desde então sobre o trabalho desta comissão que tem por missão fiscalizar o trabalho da concessão.
Um ano depois do aditamento, o então vereador da CDU, David Mendes, lembra que a fusão dos sistemas em alta ocorrida, entretanto, deveria fazer baixar as tarifas da ADAZ. O vereador foi mesmo mais longe e disparou até em direção ao seu colega de partido, António Nobre que fazia parte da comissão de acompanhamento das águas – “Mas que raio anda a fazer o representante da autarquia nesta comissão?” evocou.
Em 2016 a Águas da Azambuja, prepara-se para fazer um novo investimento nas redes de abastecimento entre Alcoentre e Aveiras de Baixo. O investimento chegou aos dois milhões e meio de euros. As falta de água constante em Aveiras de Cima obrigava a tal. A população daquela freguesia apresenta consecutivamente queixas quanto a esta matéria.
Em 2017, a revelação pelo então presidente da Câmara, Luís de Sousa, de que esteve a assistir a um jogo do Benfica com responsáveis da Aquapor faz soar as campainhas. Imediatamente o antigo vereador António Jorge Lopes acusa a Câmara de não manter a sua independência. “Estão completamente de cócoras perante a empresa e cuidado com os rabinhos de palha”, alegou. Outra polémica – Em finais de 2016, a Câmara Municipal de Azambuja e por consequência a concessionária, esteve novamente debaixo de fogo devido à cobrança das tarifas de saneamento básico, onde este serviço não está acessível à população, como era o caso da União de freguesias de Manique do Intendente, Maçussa e Vila Nova de S. Pedro.
Em 2018 e quase 10 anos depois do início do contrato, a Águas da Azambuja tem um regulamento de serviços aprovado. O documento prevê as regras de prestação do serviço de abastecimento de água para consumo público e de drenagem de águas residuais no município de Azambuja, de acordo com a legislação em vigor e destina-se a estabelecer as obrigações e os direitos da concessionária e dos consumidores de acordo com os níveis de serviço previstos.
Em finais de 2018, o novo administrador da Aquapor, Paulo Oliveira, dá conta em entrevista ao Valor Local, dos investimentos em curso no concelho com destaque para a obra entre Aveiras de Cima e Alcoentre. Três anos volvidos do novo aditamento, cujas tarifas só foram implementadas em 2016, já dava para fazer um pequeno balanço: Os lucros não eram os mais positivos do ponto de vista dos acionistas, tanto mais que a Taxa Interna de Rentabilidade foi baixada e o intervalo de tempo entre a aprovação do contrato e a sua aplicação ainda demorou um ano e meio o que condicionou ainda mais esse equilíbrio. Nesta entrevista, Paulo Oliveira revelava ainda que tinham sido investidos 3,5 milhões de euros desde o início da concessão, mais 2,6 milhões euros nas obras que estavam em curso. O investimento global da concessão era de 8,5 milhões de euros no plano de investimento inicial para a concessão.
Silvino Lúcio, atual presidente da Câmara de Azambuja, refere que nesta altura apenas está por concretizar a rede de saneamento básica da Zona Industrial no valor de 1,5 milhões de euros, mas tem de aguardar pela obra da Águas do Tejo Atlântico que visa o redimensionamento da ETAR de Azambuja, sendo que na calha poderá estar um encaminhamento do que chega a esta ETAR para a de Virtudes. A estação elevatória junto à Avipronto que serve cerca sete a oito mil habitantes também terá de ser alvo de intervenção, mas até à data Silvino Lúcio não tem informação acerca do valor do investimento.
Com a pandemia em curso, o Valor Local realizou um debate sobre os “Desafios na gestão da água e saneamento em tempo de pandemia”. Nele participaram para além da ERSAR, a Águas do Tejo Atlântico, os SMAS de Vila Franca de Xira, A Águas do Ribatejo e a Águas da Azambuja. Paulo Oliveira falava nesta altura de um aumento populacional no concelho que se refletia na estabilidade da concessão. Quanto ao combate à Covid-19, considerava que a ADAZ tinha passado no teste. A qualidade do serviço continuava a ser assegurada, dizia. Uns meses antes, a Aquapor, através de nota de imprensa, assegurava que os clientes de Azambuja estavam satisfeitos com o trabalho da concessão durante a pandemia. 73 por cento dos inquiridos em Azambuja e Alenquer, onde a concessão também é da Aquapor, afirmavam ter confiança na água da torneira.
Nos últimos anos, a concessão tem sido cada vez menos falada. Os alertas chegam sobretudo por parte da oposição que lembra a inexistência de rede de saneamento básico em alguns pontos do concelho, enquanto contesta as tarifas da empresa e o quanto os munícipes pagam todos os meses na conta da água. A falta de saneamento básico, em alguns pontos do concelho, será de acordo com o presidente da Câmara ao nosso jornal alvo de uma candidatura ao Portugal 2030 no valor de 2,3 milhões de euros, um valor já fora do contrato de concessão cujo financiamento passa pelos fundos estruturais e pela Câmara. O autarca prevê a construção de um ramal até Vale Espingardeiro para servir o novo complexo de saúde da Cerci; Aveiras de Cima e Vale do Paraíso. Já quanto à comissão de acompanhamento da concessão esta é presidida por Miguel Carrinho, que nesta altura é diretor da Águas do Ribatejo. A comissão tem como missão acompanhar os fluxos financeiros, investimentos, aplicação de tarifas, e correções a fazer junto da concessionária, mas diz o autarca que a concessão está a correr bem e que esta comissão não tem evidenciado circunstâncias anormais decorrentes da atividade da ADAZ.
Silvino Lúcio diz ainda que o atual diretor da empresa Daniel Silva é “um elemento muito proativo que colabora muito bem com o município”. Só daqui a 15 anos é que se decidirá o futuro da Águas da Azambuja. Mas se fosse hoje, o presidente da Câmara não sabe se seria de renovar ou chamar o serviço ao município – “As coisas estão a correr bem. Temos mantido uma relação cordial e institucional que tem sido profícua para o município e munícipes”.