A escassez de medicamentos para tratamento da diabetes tipo II está a levar a que as farmácias da região não consigam fornecer as quantidades necessários dos dois fármacos mais utilizados, o Ozempic fabricado pela empresa dinamarquesa Novo Nordisk; e o Trulicity da Eil Lilly Nederland (Holanda), os denominados injetáveis de dose semanal para controle da doença. O presidente da Associação Portuguesa dos Diabéticos (APDP), José Manuel Boavida, salienta que o facto de “muitas pessoas com obesidade utilizarem o medicamento para emagrecer tem causado ruturas de stock”, sendo que “os limites de venda que os laboratórios impõem acabam por constranger ainda mais o mercado”.
Nas farmácias da região, a corrida às farmácias para este tipo de medicação tem sido desenfreada. Na Farmácia Estevão, em Alverca do Ribatejo, a farmacêutica Rita Gonçalves, conta que não está a ser possível “satisfazer as necessidades”. A farmácia tem uma lista de reservas com cerca de 60 nomes habituais, mas todas as semanas não chegam mais do que meia dúzia de caixas entre os dois medicamentos, “mas temos alturas em que não recebemos uma única caixa”. “Já vieram pessoas de propósito da margem sul para comprar. A nossa lista inclui clientes de várias localidades porque as pessoas andam desesperadas para conseguir o medicamento. Da parte dos armazéns também referem que não conseguem corresponder ao número de doses que pedem junto dos laboratórios. A incógnita faz parte do dia-a-dia desta farmácia quanto a este medicamento – “Nunca sabemos quando o produto vai chegar”.
Já na Farmácia Baptista em Benavente, a diretora técnica Dina Piriquito, reconhece que de facto existe uma grande carência e a semelhança com outras farmácias é quase idêntica no que respeita à venda dos dois medicamentos. Por semana recebe no máximo três embalagens de Trulicity. Já do Ozempic “se recebermos uma por semana é muito”. A lista de “espera” de clientes que querem ser contactados a todo o momento para ir à farmácia é extensa, cerca “de 30 pessoas”. Uma caixa de Ozempic com receita médica é vendida a 12 euros. Quanto ao concorrente holandês cada caixa com duas tomas ronda os seis euros. Sem receita médica ambas ultrapassam os 100 euros. Dina Piriquito conta que já recebeu encomendas de pessoas que vivem em Lisboa.
Em Azambuja, Joana Silva, farmacêutica e diretora técnica das farmácias Central e Dias da Silva (ambas do mesmo proprietário) fala num autêntico “corrupio”. Conta que já chegou a receber encomendas de Coimbra “porque depois alguém conhecido podia passar aqui na zona e levar os injetáveis”. A lista de espera nestas farmácias é de 57 pessoas para o Trulicity e 96 para o Ozempic. Todas as semanas chegam poucas ou nenhumas caixas destes dois medicamentos. A responsável diz mesmo que se em 2023 o panorama não era bom, piorou muito este ano. “No ano passado ainda conseguíamos gerir, mas este ano tem sido impossível”. Joana Silva reconhece que esta é uma situação global mas muito provavelmente Portugal pode ser dos países mais afetados. “Creio que a Nova Nordisk que produz o Ozempic pode conseguir preços mais competitivos noutros países e com isso ficarmos desprovidos dos medicamentos que tanta falta fazem aos nossos utentes que assim veem o seu estado de saúde piorar, e com a doença a ficar descontrolada”. Meses houve que não recebeu mais do que três caixas de Ozempic. No Trulicity o quadro é ligeiramente melhor, mas ainda assim o que chega é muito insuficiente.
“Neste momento, o Infarmed deu autorização para a comercialização de um novo medicamento, o Mounjaro, que custa 250 euros por mês”
José Manuel Boavida constata que de facto o modus operandi de muitos doentes passa por deixar o nome em várias farmácias com esperança de conseguir a denominada dose semanal destes medicamentos. Neste momento, o Infarmed deu autorização para a comercialização de um novo medicamento, o Mounjaro, “que não tem comparticipação e por isso não acarretará dificuldades de fornecimento, mas os preços são escandalosos, cerca de 250 euros por mês, mas que serve também para tratamento da obesidade”, à semelhança dos demais.
Para o responsável tudo seria mais fácil, se o governo português, por seu lado, decidisse comparticipar estes fármacos para os casos de obesidade, “porque se assim for estamos convencidos que as indústrias colocarão em Portugal o número de embalagens suficientes para a procura que existe”. “O problema é que existe uma grande procura em todo o mundo e, portanto, neste momento, enquanto não houver mais concorrência, enquanto não houver intervenção de alguma entidade reguladora, as ‘casas’ não baixam o preço e continuam a controlar as quantidades que estão à venda”. Apenas em 2026 termina a patente de um desses medicamentos na China, e só nessa altura se pode perspetivar uma alteração da situação. Entretanto e já este ano, o Infarmed fez que “a situação de escassez, que abrange os medicamentos Ozempic, Trulicity deverá estender-se a 2025”.
Portugal tem 1 milhão e 300 mil pessoas com diabetes
Atualmente existe cerca de 1 milhão e 300 mil pessoas com diabetes tipo II em Portugal. “Uma verdadeira epidemia”, classifica José Manuel Boavida. Na diabetes tipo 2, o aparecimento desta medicação injetável acabou por ser uma revolução no tratamento e como tal espera-se que a doença possa ser mais bem controlada nos próximos anos. Já na diabetes tipo I o grande desafio passa por fazer o diagnóstico precoce através da deteção de anticorpos.
“Trata-se de um estudo que a Associação Veterana dos Diabéticos de Portugal está a fazer na população entre os 13 e os 18 anos, em que vamos testar 10 mil crianças e jovens para aferirmos a prevalência da diabetes tipo 1 nos jovens, com a comercialização das bombas de insulina, que foram prometidas a partir do próximo mês de janeiro, com a sua colocação nas farmácias. Estamos com muita expectativa em relação a essa situação”. O tratamento da diabetes com anticorpos monoclonais, com a imunologia das pessoas com probabilidade de vir a desenvolver diabetes tipo 1, é outro dos avanços que espera da ciência. “Há claramente expectativas de que a investigação e a inovação na diabetes vão trazer melhores dias para as pessoas.”
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