O Rio Alenquer atravessa um dos períodos mais críticos das últimas décadas. Entre Alenquer e Vila Nova da Rainha, o curso de água acumula lixo, árvores caídas e sedimentos há mais de 30 anos sem limpeza regular. Cansados da inércia das entidades oficiais, um grupo de proprietários das margens decidiu unir esforços e fundar a Associação de Proprietários Confinantes do Rio Alenquer (APCRA), que reúne atualmente uma dúzia de membros e representa um universo de cerca de 140 proprietários notificados pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) para procederem à limpeza do rio num prazo de 60 dias.
Pedro Rocha, presidente da APCRA, explica ao Valor Local que a associação nasceu da necessidade de dar resposta a uma lei que atribui aos proprietários confinantes a responsabilidade pela manutenção dos troços não navegáveis dos rios. “Foi um choque. Recebemos notificações com prazos e ameaças de coimas. Muitos dos proprietários são pequenos agricultores e não têm meios para uma intervenção desta dimensão. Decidimos organizar-nos, porque a limpeza de um rio não pode ser feita aos bocados. Se um vizinho limpa e o outro não, o problema mantém-se”, resume.
A área em causa estende-se por cerca de oito quilómetros, cinco dos quais em território de Alenquer e três em Azambuja. O custo estimado da intervenção ronda o meio milhão de euros — 300 mil correspondentes ao troço de Alenquer e 200 mil ao de Azambuja. A APCRA está a preparar uma candidatura ao programa Centro 2030, que poderá cobrir até 85 por cento do investimento, e estabeleceu um protocolo de colaboração com o Município de Alenquer, formalizado a 24 de setembro, para garantir apoio técnico e institucional.
No documento assinado nos Paços do Concelho, a autarquia compromete-se a apoiar a associação na preparação, submissão e execução do projeto de valorização da rede hidrográfica. Paulo Franco, vereador do Ambiente, em fim de mandato, sublinhou, em nota do município no seu site “a resiliência de um grupo de homens e mulheres que não desistiu do seu território” e recordou que “os municípios não têm competência direta na limpeza de rios fora dos aglomerados urbanos, mas isso não significa que fiquem de braços cruzados”.
Municípios de Alenquer e Azambuja disponíveis para colaborar
O presidente cessante da Câmara, Pedro Folgado, elogiou igualmente a iniciativa: “Dou os parabéns por esta preocupação enquanto confinantes. Nós temo-la enquanto executivo. Se tudo estiver ordenado, ficam todos a ganhar.”
Também a Câmara Municipal de Azambuja, através da vereadora Ana Coelho, recebeu de forma positiva os representantes da associação, manifestando disponibilidade para colaborar no processo. Já existem igualmente contactos com vários proprietários de Vila Nova da Rainha, que deverão integrar-se no projeto de requalificação do troço do rio que atravessa o concelho.
Associação tem de convencer mais confinantes a aderir porque a manutenção do rio deve ser um esforço coletivo
Pedro Rocha reforça que a criação da associação travou a aplicação imediata de coimas e abriu portas a um trabalho conjunto com as autarquias e a APA. “Estamos a tentar convencer mais proprietários a aderir, porque a manutenção do rio é um esforço coletivo. Há potencial agrícola e até turístico nesta zona, mas o estado atual é miserável. O rio tornou-se uma selva. Se for limpo e recuperado, poderá até acolher no futuro pequenas atividades de lazer e fruição da natureza.”
Com a candidatura em preparação e a colaboração dos dois municípios garantida, os confinantes do Rio Alenquer esperam que 2025 marque o início da recuperação efetiva do ecossistema — um objetivo que, mais do que cumprir uma obrigação legal, pretende devolver vida e dignidade a um curso de água que há demasiado tempo se tornou invisível.








