Pelas feiras e romarias do Ribatejo, todos o conhecem, João Manuel “Toureiro”, é uma espécie de encantador de touros que gerou uma onda de simpatia pelas redes sociais na última Feira de Maio em Azambuja, ao dar de beber a um touro junto a uma tronqueira. O momento foi capturado pelo fotógrafo João Campos e a foto correu meio mundo. Numa entrevista ao Valor Local, o recortador de touros, (diz-se daquele que apenas enfrenta o animal com o corpo), lembra-se quando tudo começou e houve um tempo em que tinha medo dos touros. Hoje brinca com eles, salta por cima, e arranca palmas pelas ruas do Ribatejo onde decorrem largadas.
Tudo começou nas ruas de Vila Franca. O pai levava-o aos touros e os olhos já brilhavam. Com sete anos era mais o pânico, mas aos poucos foi perdendo-o. “Com 13 anos já queria ir ao touro, mas aconselharam-me a começar pelas bezerras, e só depois enfrentar.” Com 55 anos, já sofreu quatro colhidas graves. “Estive 10 minutos a levar porrada de um touro numa largada em Sobral de Monte Agraço”. Não foi o suficiente para perder o amor à festa brava. Primeiro “está o trabalho, porque tenho duas filhas para sustentar, mas quando posso vou às largadas, porque não ganho nada nisto”. Foi forcado, e como recortador só ganhou 100 euros num concurso onde entrou. Mas no seu palmarés regista um record do Guiness, esteve 25 horas a “brincar” com os touros em Samora Correia em 2006. Na altura tinha boa condição física e sentia-se preparado para o desafio. Passaram por si cerca de 27 touros.
Nesta arte de recortar touros, dá conta que em Espanha esta faceta da festa é mais reconhecida e permite que se ganhe prémios monetários, contudo “os espanhóis não brincam com qualquer touro, enquanto em Portugal não rejeitamos nenhum exemplar”. Temos touros que estão muito tempo sem reagir quando enviados para as ruas das nossas localidades, outros não param quietos sempre prontos a investir. João Manuel sentencia – “São como as melancias só sabemos quando as abrimos”.
Considera que passou ao lado da carreira de toureiro, mas a vida não lhe concedeu essa oportunidade. “A malta diz que eu sei estar na cara do touro, que tenho coração, só que não aconteceu- Comecei a trabalhar aos 12 anos”. Pintor de construção civil, ainda consegue ter ânimo para ir para as largadas- “Costumo dizer que nunca curo as lesões”. Da última vez que foi para o hospital aconteceu quando participava numa largada em Arruda dos Vinhos e um touro furou-lhe os intestinos. Numa das vezes até partilhou a estadia no Hospital de Vila Franca com o matador de touros, Vítor Mendes que lhe disse – “Estás em boas mãos, rapaz”.
Feira de Maio de 2024 “foi espetacular”
Para a Feira de Maio deste ano apenas encontra uma definição – “Espetacular”. Uma das edições “mais concorridas” em termos de público e de afición que já presenciou neste concelho. Foi mais uma vez e para não destoar bem recebido por todas as tertúlias. É uma presença mais do que habitual e esperada nas ruas da vila sempre que os touros saem para gáudio dos amantes das largadas ribatejanas.
Durante a feira decidiu dar de beber ao touro, mas até era para o ter realizado fora da tronqueira, se o animal tivesse levantado a cabeça. “Pus-lhe a mão por baixo do corno”. Tudo é feito com respeito ao touro porque nunca se sabe que reação pode surgir. A-dos-Cunhados em Torres Vedras e o Colete Encarnado em Vila Franca de Xira também estiveram na rota de João Manuel, o homem que faz das brincadeiras com touros o seu hobbie. Ao fim de tantos anos, ainda vai aprendendo com os touros porque cada um tem “a sua lide”. Agradam-lhe os mais ferozes que são “aqueles que dão mais paixão e que ninguém quer brincar com eles”. “Já andei abraçado a um touro e pus-lhe um cachecol ao pescoço, como se fossem um cão. Esse touro furou dois ucranianos. Não era nada meigo, mas dizem que eu hipnotizo aqueles animais”.
O seu sonho é entrar como recortador no Campo Pequeno, mas nunca teve oportunidade. Com 38 anos quiseram levá-lo para Espanha, mas não foi. Vanessa Pereira, mulher de João Manuel, fica sempre com o coração nas mãos, acompanha-o, mas prefere não ver.