A psicóloga clínica Ana Garret, do Hospital de Vila Franca de Xira, observa com atenção o impacto crescente da inteligência artificial na vida emocional das pessoas. O fenómeno não é apenas tecnológico. “Estamos a falar de algo que toca diretamente o modo como lidamos com a solidão, com o tempo e com as nossas próprias fragilidades”, afirma em declarações ao Valor Local.
A especialista defende que a inteligência artificial deve ser vista apenas como uma ajuda, nunca como substituto da relação humana. “Enquanto profissionais de saúde mental, entendemos que estas ferramentas podem funcionar como complemento, mas jamais substituir o vínculo emocional entre terapeuta e paciente. Há uma dimensão de empatia e confiança que nenhuma máquina consegue replicar.”
Entre as vantagens, destaca o acesso facilitado e imediato. “Hoje, qualquer pessoa com um telefone ou computador pode obter uma resposta rápida, sem ter de esperar meses por uma consulta. Isso pode ter um efeito positivo em casos de tristeza ou ansiedade ligeira.” Ana Garret lembra que algumas aplicações já conseguem detetar padrões de fala ou de sono e agir de forma preventiva. “Podem alertar o utilizador para sinais de instabilidade emocional e, em certos casos, sugerir até uma intervenção mais rápida.”
Durante a entrevista, quando questionada se o ChatGPT poderia, em situações mais críticas, aconselhar o utilizador a procurar um psicólogo, a profissional reage com naturalidade: “Isso seria o mundo ideal. Se a inteligência artificial conseguisse reconhecer que já não está a conseguir ajudar e encaminhasse para um profissional humano, seria extraordinário. Mas ainda estamos longe disso.”
Apesar de reconhecer o potencial, Ana Garret alerta para o risco de substituição. “O meu receio é que estas ferramentas deixem de ser um apoio e se tornem um substituto. A empatia que demonstram é fabricada. Foram criadas para parecer próximas, mas não existe verdadeiramente um vínculo humano. E isso pode confundir as pessoas em momentos de maior vulnerabilidade.”
“A inteligência artificial faz o contrário: é sempre simpática e reforça o conforto. E isso pode afastar-nos ainda mais da vida real.”
Outro perigo, aponta, é o isolamento. “A terapia não nos diz aquilo que queremos ouvir. Obriga-nos a refletir, a mudar. A inteligência artificial faz o contrário: é sempre simpática e reforça o conforto. E isso pode afastar-nos ainda mais da vida real.”
A psicóloga chama também a atenção para a privacidade. “Há recolha de dados pessoais, muitas vezes sem o utilizador ter noção. Essas informações podem ser usadas para fins comerciais. É um sistema muito bem montado, e as pessoas devem ter consciência disso.”
Ainda que admita não usar o ChatGPT no seu trabalho, Ana Garret acompanha o debate internacional. “Há colegas, nomeadamente no Brasil, que já o utilizam para apoio em terapias cognitivas, mas eu prefiro aguardar por uma regulamentação mais clara. É fundamental definir responsabilidades. Se uma pessoa toma uma decisão grave com base numa resposta de uma máquina, quem é responsável?”
Para a psicóloga, a inteligência artificial é mais um passo no percurso tecnológico da humanidade. “Quando surgiu o Google, ou até as caixas multibanco, também houve receio. E ainda bem, porque o medo protege-nos. Mas agora é preciso legislar rapidamente.”
Quanto ao futuro, acredita que a tendência é irreversível. “Estamos a caminhar para uma normalização do apoio digital. Espero apenas que continue a ser uma bengala e nunca um substituto.”
Entre a promessa tecnológica e a fragilidade humana, Ana Garret deixa um aviso sereno: “A inteligência artificial pode ser uma ferramenta útil, mas a empatia não se programa. A presença humana continua a ser o verdadeiro antídoto contra a solidão.”








