Paladino no seu tempo do aeroporto na Ota, João Cravinho, ouvido pelo Valor Local, olha com desconfiança para a solução Campo de Tiro de Alcochete como já aconteceu em 2007, quando surgiram as primeiras indicações de que a infraestrutura deveria localizar-se na margem sul e não no concelho de Alenquer, no Oeste do país. O aeroporto na Ota foi anunciado em 2005 e deveria estar pronto em 2017 com um custo estimado que chegou a ser de 3,6 mil milhões. “Lisboa 2017, um aeroporto com futuro”, era o lema. Segundo João Cravinho que chegou a ser ministro do Equipamento, Planeamento e Administração do Território no Governo de António Guterres foi sempre um defensor da Ota. Não tem dúvidas em atirar algumas farpas à CTI e continua a considerar a opção na margem sul, a do Campo de Tiro de Alcochete, como “saloia” e que está imbuída de determinados interesses económicos.
Para o antigo governante, um aeroporto na Ota seria verdadeiramente estruturante para o país e funcionaria como um polo aglutinador entre o Sul, Lisboa e daí para Coimbra e o Norte de Portugal. Na sua opinião, um aeroporto pode ser um marcador do desenvolvimento territorial; ou remeter-se apenas a ser o local onde se vai construir uma infraestrutura e “pouco mais”, como aquilo que se desenha, no seu entender, com a opção pelo Campo de Tiro de Alcochete. “Um aeroporto na margem norte potenciaria extraordinariamente o país”, resume. João Cravinho considera que a “Ota foi completamente diabolizada, mas porque o diretor do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) em 2008, apresentou aquele pequeno defeito e falsificou as contas, partindo de um esquema enviesado em que a solução aparece primeiro e só depois as justificações”. “A própria Consulta Pública já falava nisso, mas não houve resposta”, deixa no ar para dar a entender que esta opção, no seu entender, sempre esteve coberta de um manto de opacidade, quer em 2008, quer agora.
Para João Cravinho tudo foi cozinhado para que resultasse “numa imensa pressão sobre José Sócrates”. Fica para a história a expressão do seu antigo ministro das Obras Públicas, Mario Lino, que na margem sul “jamais”. Mas 15 anos depois do primeiro anúncio, o Campo de Tiro de Alcochete volta a estar em cima da mesa, ungido primeiro pelo LNEC e agora pela CTI. “Em 2008 também foi criada uma comissão para esta reviravolta, e isso está comprovadíssimo”, refere, realçando o que considera ter sido uma espécie de embuste à época.
Pese embora os prós e os contras destas coisas, João Cravinho espera que se resolva de uma vez onde o país quer colocar o aeroporto, mas não deixa de apontar que a comissão técnica não fez por estudar a melhor localização em consonância com aquilo que se quer para o desenvolvimento do país, tendo ignorado ainda o critério da Comissão Europeia que fixa o conceito de zona de influência de um aeroporto nos 100 quilómetros ou uma hora a partir do aeroporto, em que a CTI preferiu enveredar pela meia hora “numa autêntica distorção das recomendações europeias e para dar jeito à localização na margem sul”.
João Cravinho diz esperar pela conclusão deste processo que “não deixa de ter informação útil, mas que tem também alterações que são incompreensíveis”. Santarém é na sua opinião uma possibilidade que pode vir a ser interessante, ao contrário do Montijo que enferma de graves questões ambientais tendo em vista uma infraestrutura daquela natureza, assim como Alverca. Vendas Novas a seu ver também não é opção. Já Santarém, com uma génese diferente de outros projetos, porque nasce de uma iniciativa privada, mas que de um ponto de vista de localização, apesar de distante de Lisboa, conforme muitos dizem, “se resolverem o problema relacionado com a orientação das pistas não fica muito mais longe do que a solução Campo de Tiro de Alcochete”. João Cravinho traça o retrato – “No meu tempo tínhamos o aeroporto numa perspetiva intermodal, com as acessibilidades projetadas, agora com esse projeto nem sabemos muito bem o que é que vamos ter, em que a escola de pensamento que foi definitivamente para a frente neste caso foi aquela que se relaciona com objetivos puramente aeronáuticos e o país que se adapte!”. “Não se pensou no modelo de desenvolvimento do país”, conclui, afastando ainda o pensamento dos críticos quando dizem que este “é um projeto para servir Lisboa, mas não é. Deve, antes, servir o país”.
Com a solução que está em cima da mesa “Portugal arrisca-se a ter o maior aeroporto europeu” numa solução “megalómana” que não foi medida. “Há quem veja isto como um eixo de desenvolvimento para o sul, para a Comporta, e isto é ridículo”. São principalmente alguns interesses especulativos imobiliários que ainda se vão movendo na sombra que ditam as regras à volta da Península de Setúbal.