A reinauguração do museu dedicado ao arqueólogo Hipólito Cabaço, realizada depois de 15 anos de atraso, trouxe ao de cima uma insatisfação profunda por parte do seu neto, que questiona o envolvimento e a gestão da Câmara Municipal de Alenquer sobre o património arqueológico local. Em entrevista exclusiva, Hipólito Cabaço manifestou o seu desconforto com a forma como o processo decorreu, apontando para uma “incompetência” que considera “inaceitável”. No dia da inauguração do novo espaço decorrida recentemente, o neto daquela figura maior da arqueologia portuguesa não deixou nada por dizer acusando o município alenquerense de incompetência. As palavras caíram mal junto do executivo e Cláudia Luís, vereadora da Cultura, diz ao Valor Local que certas coisas deviam ter sido guardadas para a esfera privada. “Não era o momento nem o local”.
Segundo o neto do ilustre arqueólogo, o projeto do museu “demorou muito tempo” e, durante anos, recebeu promessas de inauguração “para breve” que nunca se concretizaram. “Demoraram 15 anos. Continuo sem saber porquê”, lamenta, sublinhando que a morosidade impediu gerações de estudantes locais de terem acesso a um acervo único de mais de 12 mil peças.
A crítica não se fica apenas pela demora. Hipólito Cabaço destaca também a falta de cuidado e respeito pelo espólio, que chegou a ser retirado do museu original e guardado “em caixotes”, numa decisão que classifica desta forma: “Não é assim que se faz”. O museu do Presépio, instalado num espaço que inicialmente acolhia o espólio arqueológico, acabou por se sobrepor, causando um impasse e dispersão do património do avô. Até o Museu Damião de Góis e das Vítimas da Inquisição ganhou um destaque “muito maior” em relação ao que contempla o espólio de Hipólito Cabaço, assim como de arte figurativa do recentemente falecido pintor João Mário. “E eu até sou amigo da família”, ressalva. Cabaço não se conforma com o facto de a figura e do espólio do seu avô terem ficado para o fim da tabela de prioridades nestes que foram os 12 anos de mandato do PS e de Pedro Folgado.
Outro ponto de frustração prende-se com a dimensão e exposição do museu. “Acho pequeno e vejo mal as peças. Tive que pôr as mãos para poder ler as descrições”, refere, salientando que a mostra não é digna da relevância científica e histórica do acervo. Reforça ainda que algumas coleções valiosas, como a maior coleção de pontas de lança da pré-história da Europa, estão ausentes da exposição.
Museu do Carmo também não está a fazer o melhor trabalho
Para além do museu, Hipólito Cabaço revela que parte do espólio está disperso em outros locais, como o Museu do Carmo, em Lisboa, onde, mais uma vez, não se faz justiça à obra do seu avô. Aponta que o esqueleto descoberto pelo seu avô, o primeiro a nível nacional, deveria estar em Alenquer, para atrair visitantes e valorizar a região.
Questionado sobre as relações com a autarquia, o neto do arqueólogo confessa ter sentido dificuldades e pouca cooperação, destacando que, por vezes, o seu envolvimento era visto como um incómodo. “Quando aparece um indivíduo como eu, que não pertence à Câmara, dão logo a entender que só serve para chatear”, ironiza.
Hipólito Cabaço apela, finalmente, a uma maior dignificação do museu e do espólio, defendendo a criação de um arquivo organizado e uma valorização adequada do património arqueológico, que considera um legado essencial para Alenquer e para a memória cultural do país.