Podemos ter connosco uma determinada concepção do mundo, mas esta terá, com certeza, de estar sempre em diálogo com o que é fundamental, primordial e essencial quanto ao bem comum, às conquistas de civilização e à vida concreta de cada um em sociedade.
O verdadeiro progresso tem lugar nos pequenos passos que vamos dando, outras vezes, realiza-se nos grandes saltos em frente ou nas rupturas necessárias que nos fazem avançar, que aceleram o tempo, inquietam, desassossegam e desarrumam o espaço à nossa volta tornando-o mais fluído. Enfim, «tudo o que é sólido dissolve-se no ar»!
Numa leitura mais criativa esta máxima marxista aplica-se muito bem às «discussões homéricas» que foram tendo lugar, nos últimos dias, sobre as «amarras ideológicas» do programa da disciplina de Educação para a Cidadania, das quais, o Primeiro Ministro e Presidente do PSD, se quer livrar.
Afinal, do que é que se fala quando se afirma, de modo tão veemente, que o conteúdo curricular em causa obedece a uma ideologia ou está ancorado a um determinado ideário? Não estará, também, a afirmação feita, condicionada, ideologicamente, por um certo revisionismo conservador?
As respostas podem estar no subtexto do que fora dito, se no eufemismo das palavras proferidas, pelo Primeiro Ministro na intervenção de encerramento do último Congresso do PSD, lermos o combate que os sectores mais iliberais da Ultra-Direita têm feito, a coberto de uma suposta «ideologia de género», a tudo o que nos domínios curriculares da Educação para a Cidadania se relaciona com a sexualidade e com a igualdade de género.
A «ideologia de género» não existe, mas o seu mantra é usado como arma de arremesso politico. Pode existir como tal nas franjas anarco-libertárias da Extrema Esquerda, militantes do pensamento woke que confundem nas suas cabeças, por puro erro doutrinário, o vetusto conceito de «luta de classes» com a cínica ideia da «guerra das identidades», considerando que por força da marcha dos tempos esta última substituirá a primeira, como motor da História. Pura fantasia, uma espécie delirante de profecia auto-realizável!
Na mesma senda, em sentido contrário, dá-se a conhecer, igualmente, na mentalidade inquisitorial da Extrema Direita, muito arreigada em parcas e reaccionárias reflexões que abominam e rejeitam qualquer discussão informada sobre a sexualidade humana, os direitos sexuais e reprodutivos, a promoção dos direitos das mulheres e das raparigas, a prevenção de relações abusivas e comportamentos de risco, o combate à violência nas relações de intimidade, bem como, à discriminação com base no sexo, no género e na orientação sexual.
Têm uma visão complexada destes assuntos baseada num programa preconceituoso de tabus, fantasmas e pecadilhos; não aceitam uma leitura crítica dos obscurantismos, rejeitam o conhecimento cientifico, a assunção equilibrada de direitos e deveres com a consequente eliminação dos estereótipos que alimentam, entre outras, discriminações como o sexismo, a homofobia, a transfobia e a misoginia. A Escola tem de ser um espaço privilegiado para o encontro e para o entendimento democrático das liberdades, das diferenças e das similitudes de cada um, com base no respeito cívico e no convívio são, um local de interacção e de busca dos conhecimentos para o pleno desenvolvimento pessoal e social.
O seu contrário, é fazer o jogo dos extremismos que se tocam e que pretendem ensaiar na Escola mais um local para as batalhas campais dos seus dogmas. Tudo em nome de uma mistificação da realidade que confunde, que fere, que persegue, que aprisiona e não liberta consciências!