Sentado no escritório da Palha Blanco, Bernardo confirma estar “confortável”. É ali, naquela praça centenária, que grande parte da sua vida foi moldada. “Quem cresce aqui percebe instintivamente que a Palha Blanco não é apenas uma praça, é parte da identidade da cidade, algo transmitido pelos mais velhos, pela família e pelos amigos”, explica.
Para Bernardo, a Palha Blanco é mais que espaço para corridas: é um eixo emocional e cultural. “É um ex-líbris, não apenas da cidade, mas também da nossa própria vida.” Num concelho sem grandes monumentos, destaca que a praça mantém viva a tradição e a memória coletiva da cidade.
Bernardo não se recorda da primeira vez que entrou como espectador, mas guarda fragmentos vívidos da infância. “Comecei a vir muito pequenino, com os meus pais”, recorda. As lembranças mais marcantes remetem à corrida do Centenário, mas há memórias ainda mais antigas, quase sensoriais: momentos passados com os avós na praça, que fazem os seus olhos brilhar e a voz tremer.
Durante 16 anos membro do Grupo de Forcados Amadores de Vila Franca, Bernardo afirma: “O Grupo de Forcados é mesmo uma escola de vida.” O ambiente familiar do grupo forjou caminhos, e os valores absorvidos tornaram-se inseparáveis da sua personalidade. “Metade da minha vida foi passada ali.”
Questionado sobre o valor que a jaqueta ensina mais, Bernardo responde: “Sobretudo responsabilidade.” A coragem nasce em cada forcado, mas a responsabilidade é moldada e cobrada diariamente. “Quando envergamos a jaqueta, representamos o grupo, a tradição e a cidade. Ao representar o grupo, representamos um bocadinho todos os vilafranquenses.” A responsabilidade, conclui, ultrapassa a festa brava: “É algo que levamos connosco para a vida.”

Hoje empresário, Bernardo mantém-se aficionado: “Não descalcei essa bota do aficionado. Continuo a tê-la.” A programação da praça reflete os desejos do público, cuja exigência, garante, “motiva-me”. Conquistar a afición local é conquistar o país taurino: “Aqui, sendo a mais exigente, também é a mais desafiante.”
Para Bernardo, o touro deve ter trapio, seriedade e harmonia. Mais do que acompanhar cavalo ou muleta, fascina a bravura: o touro que se arranca de praça a praça, “com o rabo no ar, a querer comer o mundo inteiro.”
Em Vila Franca, as exigências mudam conforme o toureio “A cavalo, queremos o toureio valente, intenso e clássico — é Madrid.”, “A pé, buscamos harmonia, estética e temple — é a Sevilha portuguesa.” Este olhar duplo revela o nível de exigência da afición, capaz de distinguir a força dramática da poesia contida em cada passe. Cada escolha é feita com paixão, respeito e responsabilidade, refletindo o vínculo entre a praça, o touro e o público.
Ao assumir a gestão da Palha Blanco, Bernardo descreve a experiência como “um sonho”, quase escrito pelo destino. Um episódio marcou o início da ligação: na feira do ano passado, um touro da espera trouxe o seu casaco, com carteira e chaves, pendurado num corno, só parou nos curros da praça. “Se calhar estava-me a trazer para a praça”, confessa.
Assumir a gestão é também um compromisso com a Santa Casa da Misericórdia, reabilitando a praça gradualmente, enquanto a instituição mantém trabalho social, hospitalar e apoio a sem-abrigo. Para Bernardo, gerir a arena é preservar património, tradição e identidade. Cada decisão — do restauro ao cartel — conecta passado, presente e futuro, mantendo a qualidade do touro e o nível de exigência da praça.

Uma mensagem ao jovem forcado que foi
Se pudesse regressar ao início da sua própria carreira, Bernardo teria uma mensagem para o rapaz de 16 anos que saltou à trincheira pela primeira vez: “Que aproveitasse, sobretudo, porque os momentos mais bonitos da vida dele iam acabar de aparecer.”
Recorda a sua estreia na Garraiada da Sardinha Assada, a vibração das bancadas, o aplauso da família e dos amigos, e a força de um sentimento que se imprime na memória: “Um instante único… indescritível, que se guarda para sempre no coração.”
Uma frase para definir tudo
Questionado sobre o que Vila Franca e a Palha Blanco significam, Bernardo pausa — como quem cita o touro — e responde: “Manter o legado, honrando o passado.”
Simples, mas carregada de emoção, a frase revela a paixão, o respeito e o coração com que Bernardo guarda a alma da Palha Blanco.








