O concelho de Santarém encontra-se na meca da biotecnologia no uso de insetos para alimentação animal e humana. Este universo esteve bem espelhado na mais recente Feira Nacional de Agricultura em Santarém no CNEMA com a presença de empresas, agentes e investigadores, sendo que muitos deles desenvolvem o seu trabalho no concelho, na estação zootécnica. Qual o potencial dos insetos e das suas larvas na alimentação e na sustentabilidade ambiental foi o que procuramos saber.

Feedinov
O FeedInov é uma associação, com localização na Estação Zootécnica de Santarém, que congrega investigação, produtores e empresas em torno do desígnio da inovação em nutrição animal. Entre os projetos mais inovadores em curso está o aproveitamento de derivados de insetos que estão a ser testados na alimentação animal. “Estamos a testar algumas percentagens diferentes, em diferentes níveis, para ver se os animais respondem bem a essas quantificações de insetos na alimentação.”, dá conta Tiago Mariano, investigador no FeedIniov.
Um dos objetivos passa por diminuir a pegada de carbono, em que os insetos sendo produzidos em Portugal “têm um impacto menor a nível ecológico”. O especialista explica que com a volatilidade de preços nos mercados mundiais, nomeadamente, através das famigeradas tarifas impostas pelos Estados Unidos, “a longo prazo pode estar em causa o número de matérias-primas”. No fundo, procura-se com esta nova dinâmica na tecnologia alimentar contribuir-se para “um impacto ambiental positivo”.
Os dados permitem aferir que existe uma boa adesão dos animais a esta alimentação, com os mesmos níveis de “performance e desenvolvimento em comparação com a anterior alimentação”. Contudo o que “ainda está por avaliar é o valor económico dos derivados de insetos, que a nosso ver, daqui a uns anos, com uma escala maior teremos preços mais acessíveis”, considera.
A matéria-prima, os insetos são produzidos também eles em Santarém, depois são moídos, secos e incorporados nas farinhas. São utilizadas larvas de mosca soldado-negro, grilos, e tenébrio. Este último está a ser largamente utilizado na alimentação humana em bolachas e barras proteicas. Do ponto de vista organoléptico, não existe qualquer prejuízo nestes produtos fabricados a partir de insetos.

Insectera
A Insectera trata-se uma agenda mobilizadora financiada ao abrigo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), criada em 2023 que junta mais de 40 parceiros de toda a cadeia de valor com o objetivo de exploração do potencial dos insetos no setor bioindustrial.
Daniel Murta, presidente da comissão executiva da Insectera, explica que os insetos, por exemplo, são utilizados como ferramenta no âmbito de desafios ambientais nas empresas. “Utilizamos desperdícios como o bagaço de azeitona que tem valor por causa dos nutrientes presentes em que os insetos convertem-no em novos produtos, quer para alimentação animal, quer humana”. Uma das empresas presentes no CNEMA, a Entogreen utiliza a mosca soldado-negro para produção de óleos e fertilizantes.
Já na alimentação humana destacavam-se entre os expositores na Feira Nacional de Agricultura, a Thunders Food e a Cricket Farming Company, que utilizam outros insetos. Disponíveis para os visitantes estavam bolachas, patés, biscoitos. O público, primeiro, estranha, depois entranha. Para além do valor nutricional o sabor destes produtos é agradável ao paladar humano e ninguém adivinharia o que oferecem na sua composição. Também nas rações para animais domésticos, os insetos estão a começar a ser incorporados com sucesso. “Temos o caso da ração Happy One Premium da PetMaxi em que o sabor dos insetos destaca-se, mas tem igualmente um aspeto funcional na saúde do pelo dos cães”.
Num planeta em que a demanda alimentar é cada vez maior, e o número de áreas agrícolas tende a diminuir, os insetos podem ter uma palavra a dizer, na utilização de desperdícios da prática agrícola na sua devolução como nutrientes à cadeia de valor. “Fazer mais com os mesmos recursos naturais”, dá conta.

Faculdade de Ciências da Universidade do Porto
Já no caso do trabalho que tem vindo a ser desenvolvido na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, parceira destes diferentes atores, este tem-se focado essencialmente no potencial proteico dos insetos, conforme dá conta à nossa reportagem Ricardo Dias, investigador.
“Pretendemos ver até que ponto é que diferentes insetos originam proteínas diferentes e depois, mais à frente, perceber o potencial imunoreativo ou alergénico que estes insetos podem ter quando consumidos por pessoas”, dá conta, adiantando – “Desenvolvemos modelos in vitro que visam simular o processo digestivo destas proteínas em humanos, e fazemos a caracterização do tipo de peptídeos que são libertados a nível intestinal, que depois podem desencadear algum tipo de imunorreatividade por contacto com o epitélio intestinal.”
Quando aos benefícios para a saúde humana, ainda não se encontram totalmente estudados, mas “o que podemos assegurar desde já é que estes alimentos não fazem mal”. “Estamos a levar a cabo uma valorização mais funcional deste tipo de matrizes que estamos a trabalhar ainda. Aquilo que observamos é que, de facto, não aparenta haver imunotoxicidade a nível do epitélio intestinal, o que é bom.”
A equipa da faculdade associada ao projeto está a tentar perceber outras funcionalidades do novo alimento em questão ao nível de propriedades antixoidantes e anti-inflamatórias no corpo humano. Estes alimentos costumam, regra geral, apresentar um elevado teor proteico, mas também ácidos gordos e polinsaturados. Para além disso os insetos são de baixa manutenção agrícola, produzem-se em grande quantidade com custos menores.