Mário Lopes iniciou é o atual diretor do Centro de Produção da Cimpor em Alhandra. Iniciou o seu percurso nesta mesma fábrica em 1991 como técnico no serviço de fabricação e embalagem, e ao longo de 25 anos desempenhou diversas funções nomeadamente a direção da Cimpor em Loulé e a direção industrial da Cimpor na China. Está de regresso a Alhandra há poucos meses.
Valor Local- Começava por lhe perguntar, como é que está a ser este “voltar a casa”, agora que a Cimpor anunciou uma série de investimentos a nível ambiental?
Mário Lopes – É de facto um regresso a casa. A Cimpor é uma empresa que marca. Sinto-me bastante confortável. No fundo é voltar a uma empresa que me diz muito.
A Cimpor anunciou um plano de investimentos de vários milhões de euros até 2050. Dou o exemplo de 110 milhões na linha nova. O objetivo é promover a descarbonização da fábrica de Alhandra e colocá-la num outro patamar de sustentabilidade ambiental, visando reduzir as emissões de CO2 no processo de fabrico de cimento e promover a transição energética.
No âmbito do nosso compromisso até 2050 pretendemos atingir a neutralidade carbónica, desenvolvendo um processo de reformulação do atual forno 7, em que vamos ter uma linha praticamente nova. Vamos aumentar significativamente a substituição da queima de combustíveis fósseis. O objetivo passa por reduzir significativamente as emissões de CO2. Ainda este ano, previmos o arranque da linha nova. Paralelamente, teremos outros investimentos que visam a redução do consumo energético e a geração de energia elétrica.
A Cimpor que estava numa lista das cinco empresas com mais emissões de carbono a nível nacional, e que rapidamente pretende abandonar este quadro. De que forma é que se vai repercutir em Alhandra, quer para quem trabalha na fábrica, quer para quem vive na vila, estas mudanças, tendo em conta também esta questão da emissão de partículas por parte da fábrica, que tem sido uma das principais queixas?
Esse problema da emissão de partículas já está tratado há muitos anos, através da realização de grandes investimentos, com introdução de filtros de mangas. Monitorizamos as emissões nas chaminés, e a libertação de eventuais partículas fugitivas na fábrica e na sua envolvente. Quanto ao novo investimento traçado, será algo positivo, e sem impacto ambiental, com a já referida diminuição das emissões de C02. Vamos continuar a partilhar resultados com as entidades locais.
Há maior controle, mas vão existindo algumas queixas?
Continuam a ser pontuais e derivam das condições atmosféricas num dado momento. Estamos perto do rio Tejo e temos ventos que por vezes não são favoráveis, e por muito limpa que esteja a fábrica, com o vento há sempre um arrasto de poeiras. Obviamente que tentamos sempre minimizar.
A empresa está também a investir no coprocessamento de resíduos permitindo a utilização, nomeadamente de certos combustíveis, no fabrico de cimento, ou seja, é mais uma etapa a caminho da sustentabilidade?
Sim, é esse o ponto principal deste investimento. A Cimpor está na vanguarda tecnológica a nível da queima de resíduos, e vai ter pela primeira vez um equipamento que vai queimar de forma sustentável e limpar uma variedade de resíduos na fábrica de Alhandra. Vai permitir substituir os combustíveis fósseis numa grande amplitude. Vamos dar um grande passo nas emissões de CO2
Quantos trabalhadores tem a empresa em Alhandra?
Temos cerca de 145 trabalhadores próprios e 140 prestadores de serviços.
Como será a adaptação da massa humana a essa revolução tecnológica em marcha na Cimpor?
Temos uma equipa muito jovem, vibrante, sedenta de novas aprendizagens. Temos um programa bastante ambicioso na formação e a linha nova traz esse desafio com as novas tecnologias. Esta transformação também inclui dotar os nossos trabalhadores de formação nesse sentido. Quando colocarmos em ação o novo forno, deverão estar completamente preparados.
(Assista ao vídeo da entrevista)
Ainda trabalham na fábrica muitas pessoas de Alhandra, que vivem na vila?
Temos gerações inteiras de famílias que passaram pela fábrica. Eu próprio trabalhei com avós, pais e filhos.
Alguns possivelmente são agora quadros superiores na empresa?
É um facto. No fundo temos esta conjugação de interesses entre a vila e a Cimpor, de famílias que trabalharam na empresa durante muitos anos.
Por outro lado, na fábrica de Souselas está em marcha um projeto considerado pioneiro em Portugal, com a produção de argilas calcinadas, que permitirá reduzir a incorporação de clínquer, este último é um material cujo processo de fabrico se traduz pela emissão de poluentes atmosféricos.
Esse projeto vai repercutir-se em Alhandra da seguinte forma – as emissões de CO2 atualmente emitidas provém dos combustíveis, mas também das matérias-primas. Ora essas argilas calcinadas uma vez incorporadas no processo de fabrico, na moagem do cimento, vão permitir, dadas as suas características hidráulicas, reduzir a percentagem de clínquer no produto final.
Alhandra está, neste momento, na vanguarda do que está a acontecer em todo o mundo nesta revolução a nível da readaptação da indústria do cimento aos novos tempos da construção civil?
Sim, por exemplo esse projeto das argilas calcinadas de que Alhandra vai beneficiar já é prática em algumas partes do mundo, mas não de forma intensiva. Por isso seremos realmente pioneiros nessa substituição do clínquer na produção de cimento.
O produto final será depois mais caro ao consumidor?
Não será.
E a qualidade do cimento será igual?
Estamos a fazer vários testes de resistência, de incorporação de várias percentagens, e respondendo à sua questão quanto ao preço do produto final, este não ficará mais caro, porque um dos nossos objetivos passa por reduzir os gastos térmicos e o consumo elétrico a nível da produção.
Como é que a Cimpor acompanha esta mudança de paradigma no setor da construção civil com alterações na forma como se fazem casas, com a aplicação de novos materiais?
Exatamente, estamos nesse caminho e no nosso caso é nesta mudança na composição do cimento, com menos clínquer, que nos inserimos nessa mudança. No fundo, mudar a composição do cimento e recorrer a outras matérias-primas, baixando as emissões de CO2 e mantendo a qualidade do produto.
Quando entrou na Cimpor em 1991, este desígnio ambiental estaria muito longe no horizonte. Este foi um longo caminho?
Foi sim, e vejo com bastante orgulho, pertencer a uma empresa que tem este objetivo de forma cada vez mais premente. Consigo identificar hoje a Cimpor, pela experiência que tive também no estrangeiro, como uma das que tem uma maior preocupação ambiental. Por outro lado, queremos estar junto da população, e explicar-lhes o que estamos a fazer neste domínio. Vejo isto com bastante satisfação e orgulho.
Esse diálogo tem existido nos últimos tempos?
Sim, com bastante frequência. Temos a preocupação de envolver a Câmara de Vila Franca, a junta de Alhandra, a Sociedade Euterpe Alhandrense, com a qual temos uma parceria, e a população, no geral, sobre aquilo que se passa no âmbito das nossas jornadas de portas abertas. A população tem a oportunidade de entrar na fábrica, fazer perguntas e nós mostramos o que estamos a fazer.
A fábrica no futuro será mais automatizada, necessitando de menos trabalhadores em determinadas funções?
A automatização existe e temos de reconverter algumas funções, que passarão por controle, e monitorização dos processos. No fundo, tentamos dotar as pessoas de uma certa polivalência, de forma que se adaptem ao crescimento da Cimpor e aos novos desafios ambientais.

O sonho de ver as pedreiras tornarem-se memória
Como é que neste plano a longo prazo da Cimpor na melhoria de todos os seus processos se enquadram as pedreiras? Em 2019 o Valor Local fez um trabalho em Alenquer onde a Cimpor também tem a sua exploração, no Alto da Carapinha. O presidente da Câmara disse inclusive que o mundo das pedreiras era um lobby (houve a tragédia de Borba meses antes), que reflexão se fez a nível das indústrias extrativas?
A tendência vai no sentido de extrairmos menos pedra neste contexto de substituição das atuais matérias-primas. As áreas exploradas são alvo de recuperação ambiental, temos aparelhos instalados nas pedreiras que monitorizam os impactes a nível do desmonte. Monitorizamos a nossa atividade e partilhamos os resultados obtidos, quer na pedreira da Agrepor em Alenquer, quer na do Bom Jesus no concelho de Vila Franca.
Tendo em conta aquilo que me está a dizer com o advento de novos materiais e de novos processos, pode ser que um diaa exploração de pedreiras pertença ao passado.
É um sonho. Será possível. Já não serei eu a testemunhar esse passo, mas caminhamos nesse sentido.
A Cimpor está numa nova fase da fábrica. Foi comprada recentemente pela Taiwan Cement Coroporation (TCC). Que filosofia traz este novo player em comparação com a empresa turca? A TCC que nesta altura é o terceiro maior player mundial neste setor.
A mais-valia tem a ver com a capacidade de investimento. No fundo combinamos o conhecimento que a Cimpor tem a nível técnico com a capacidade financeira e as duas vertentes complementam-se. O crescimento da empresa no âmbito tecnológico e ambiental será feito mais rapidamente com o novo player.
Qual o interesse específico da TCC na Cimpor, por questões de portfólio ou algo mais?
A Cimpor é sempre muito atrativa. Não nos podemos esquecer que a fábrica de Alhandra é a mais antiga do mundo em atividade, e só isso já chama as pessoas, mas também é das mais modernas. Os investidores estrangeiros veem na Cimpor uma oportunidade de investimento e nos nossos quadros humanos muita vontade de aprender. O mercado está em crescimento e tudo isso torna a Cimpor bastante atraente.
A fábrica mais antiga do mundo em atividade aposta tudo na descarbonização e na ligação à população
A relação próxima com as pessoas de Alhandra é muito importante
Sim é sempre. É importante que possamos explicar onde estamos e para onde vamos. Podemos encontrar algumas pedras no caminho, mas se todos conseguirmos perceber qual o percurso todos temos a ganhar, a Cimpor e a comunidade. Quem dera que todas as empresas tivessem a nossa visão em termos ambientais.
E a nível da responsabilidade social?
Temos uma parceria com a Sociedade Euterpe que explora a nossa piscina, bem como o nosso clube desportivo. Temos protocolos com bombeiros, agrupamentos de escolas, e muitas outras parcerias que nos tornam visíveis.
Nesta altura, o que pode dizer à população de A-dos -Melros, lembrando que a atividade da Pedreira do Bom Jesus está agora concentrada num local mais afastado das casas das pessoas, depois da ação popular interposta pela Câmara Municipal de Vila Franca de Xira. Os moradores queixam-se de estragos provocados pela Cimpor nas suas casas, que se apresentam com fissuras, rachas, etc. Este foi um grande revés para vós?
Esclarecer que nos preocupámos com o impacte nas casas das pessoas, desde sempre. Temos sismógrafos nas pedreiras, bem como três sismógrafos nas habitações dos moradores. Em meados de 2023, uma entidade externa ligada ao Instituto Superior Técnico chegou à conclusão que não existe ligação entre a atividade da pedreira e os fenómenos registados nas casas. Esse relatório foi divulgado. O próprio relatório indica que aquela área é muito suscetível à pluviosidade, e que a fraca sustentabilidade dos solos está mais relacionada com esse facto, do que com a atividade da Cimpor. No entanto, a Cimpor ciente do impacto que tem nas populações cumprimos com a interrupção dos desmontes naquela área, algo que se mantém até hoje, e vamos continuar.
Porventura os moradores pediram à Cimpor para lhes pagar os estragos nas casas
Não tenho conhecimento de tal.