Com os termómetros a bater recordes e a precipitação a tornar-se cada vez mais rara e irregular, a água passou a ocupar o topo das preocupações dos territórios do interior e da periferia urbana. A sustentabilidade dos sistemas de abastecimento já não é apenas uma questão de engenharia — é uma operação estratégica que exige tecnologia, educação, colaboração interinstitucional e muito planeamento. Neste contexto, três entidades — Águas da Azambuja, Águas do Ribatejo e SMAS de Vila Franca de Xira — mostram como se pode (e deve) agir com visão de futuro.
Reservas, redundâncias e redes inteligentes
Garantir água nas torneiras é um desafio constante. E começa pela capacidade de armazenamento. Em Azambuja, os 15 reservatórios da rede municipal foram projetados com “capacidade não só para o presente, mas com margem para o crescimento demográfico e económico futuro”, explica Daniel Silva, diretor da Águas da Azambuja (ADAZ). O município beneficia também da redundância assegurada pela ligação ao sistema em alta da EPAL/Águas do Vale do Tejo, que oferece maior resiliência em períodos de maior pressão.
Já na vasta área de influência da Águas do Ribatejo (AR), que abrange sete concelhos, existem mais de 100 reservatórios com uma capacidade conjunta de 58 milhões de litros, abastecidos por cerca de 100 captações subterrâneas e 16 estações de tratamento. Miguel Carrinho, diretor-geral da AR, sublinha que “os sistemas estão dimensionados para manter o abastecimento durante até 48 horas em várias zonas”, embora reconheça que os padrões de consumo têm disparado em dias de calor extremo.
Em Vila Franca de Xira, os SMAS operam 52 reservatórios e têm também como fornecedora a EPAL. Marina Tiago, vogal dos SMAS e vice-presidente da autarquia, sublinha que existe “um planeamento estratégico em curso para aumentar a capacidade de reserva, através da construção de novas células e da ampliação das infraestruturas existentes, prevenindo cenários de rutura no futuro”.
Tecnologia ao serviço da eficiência e da deteção precoce
Evitar perdas de água e assegurar a qualidade do serviço passa, cada vez mais, por investir em soluções digitais e tecnológicas. Nos três municípios, os sistemas de telegestão são uma peça central. Monitorizam, em tempo real, consumos, pressões, parâmetros de qualidade e até fugas, permitindo ações corretivas rápidas e eficazes.
A ADAZ aposta fortemente em zonas de medição e controlo, bem como em softwares de gestão de perdas, enquanto os SMAS contam com um sistema próprio adaptado à realidade do concelho, com uma equipa permanente de operadores. Em paralelo, a AR tem vindo a reforçar as suas ZMCs e a instalar centenas de válvulas de segmentação, que facilitam a deteção de fugas e até furtos de água.
Além disso, as três entidades estão a modernizar redes, substituir condutas antigas e investir na telemetria dos consumos para uma gestão cada vez mais inteligente.
Quando falta a água: respostas, articulações e soluções
Embora ainda não tenham enfrentado episódios graves de falha de abastecimento por seca extrema, todas as entidades sabem que o risco é real — e a preparação é chave. A resposta passa por um trabalho conjunto com as proteções civis municipais, bombeiros, juntas de freguesia e entidades em alta.
Daniel Silva recorda que, numa recente falha elétrica de âmbito nacional, a resposta concertada entre ADAZ, proteção civil e bombeiros garantiu que nenhuma zona do concelho ficasse sem água. Também na AR, Miguel Carrinho destaca a “cooperação constante com os serviços municipais de proteção civil e bombeiros”, que são ativados sempre que há necessidade de garantir abastecimento em situações de rutura.
Em Vila Franca, está previsto um plano de emergência que inclui a ativação de um gabinete de crise técnico e uma rede de abastecimento alternativo com camiões cisterna, nomeadamente para serviços essenciais como hospitais, lares e escolas. Até à data, não foi necessário ativar esse plano, mas Marina Tiago garante: “Estamos preparados”.
Um trabalho com a comunidade
A gestão da água não se faz sozinha. E cada vez mais, é essencial envolver todos — das escolas às empresas, passando pelos cidadãos.
As três entidades desenvolvem regularmente campanhas de sensibilização junto da população, com foco nos mais jovens. A AR, por exemplo, apela à denúncia de furtos e utilizações indevidas. Os SMAS destacam o impacto transformador das ações em contexto escolar. Já a ADAZ aponta para um maior compromisso dos setores económicos com práticas sustentáveis.
O setor industrial tem dado passos importantes. Em Azambuja e no Ribatejo, as empresas adotam soluções tecnológicas como a reutilização de águas residuais e pluviais, e até a inteligência artificial para otimizar regas. Em Vila Franca, o programa AGIR, em parceria com a Águas do Tejo Atlântico, tem atuado junto de várias indústrias locais, como a Central de Cervejas, que implementou melhorias substanciais no uso eficiente da água potável — um exemplo de economia circular e eficiência que pode inspirar outros.
Quanto à gestão de águas pluviais, embora ainda existam limitações legais que não obrigam ao seu aproveitamento, as boas práticas começam a multiplicar-se: sistemas de reaproveitamento em edifícios públicos, uso de águas de lavagem em piscinas para rega ou captações alternativas em zonas industriais.