Marta Rodrigues, Natércia Mateus e Gisela Silva são três mulheres, entre os 45 e os 52 anos, que conheceram o mais duro dos diagnósticos: cancro. As três possuíram formas severas da doença. Passaram cinco anos da altura em que tomaram conhecimento que estavam doentes, e começaram os primeiros tratamentos. Hoje estarão curadas. Em 2019 em conjunto com outras mulheres criaram a Associação Acolher prá Vida, em Alenquer, e dão o seu testemunho. A força de vontade, o apoio da família, e o pensamento positivo, contam, são essenciais para combater a doença.
Tudo começou quando quis fazer uma redução mamária por motivos de saúde em 2018. Foi encaminhada pelo Hospital de Vila Franca de Xira para uma clínica privada em Coimbra através de um voucher, porque a lista de espera não lhe permitia efetuar a cirurgia em tempo útil no hospital. Não podia estar mais de seis meses à espera. Marta Rodrigues, 45 anos, não tinha sintomas, exceto cansaço, que associou ao trabalho. O diagnóstico veio de rajada e era um cancro “galopante, fulminante e invasivo”. Marta que convivia com um nódulo benigno no seio controlado já há vários anos, um fibroadenoma, fez a cirurgia de redução mamária e quando regressou à clínica para “tirar os pontos” é lhe dito que o nódulo avançou para cancro. Ao ouvir o diagnóstico “a reação foi muito má”. “Engoli em seco. A médica tentou dar-me a notícia de forma muito atenciosa. Tive uma história de vida até aquela altura um bocadinho dura no que toca à saúde. O meu marido teve um acidente muito grave, esteve em coma 28 dias. Os meus filhos também passaram por situações difíceis de saúde nos primeiros tempos de vida. Um deles nasceu prematuro. Se tinha de acontecer a alguém da minha família, ainda bem que me tocou a mim e não a eles. Tive sempre muita força para tentar ultrapassar a doença”, relata.
Na semana seguinte foi vista no Hospital de Vila Franca de Xira através da equipa de Senologia, encabeçada pelo médico cirurgião Luís Ramos. A cirurgia que incluiu mastectomia foi realizada muito rapidamente. Retiraram-lhe 16 gânglios, “e dois estavam positivos”. Os médicos disseram-lhe que o seu caso era grave e raro. Tinha apenas 40 anos na altura. O médico referiu mesmo que “a mama estava completamente contaminada e prestes a ganhar asas para outro lado”, como que a querer dizer que o cancro estava em risco de se espalhar para outros órgãos. Retirou toda a mama.
Marta Rodrigues conta que o segredo para lidar com a doença foi ter foco e nunca perder a esperança, mesmo quando tudo parecia correr mal. “Sempre tentei encarar tudo de forma prática, concentrando-me no esforço que teria de efetuar para ultrapassar a doença. Queria sobreviver. Os meus filhos tinham 9 e 13 anos, e a precisar muito da mãe, e por isso fiz os possíveis para lidar com o cancro da melhor forma”.
Ao mesmo tempo considera que teve muita sorte, porque esteve quase a desistir da operação em Coimbra, e se assim fosse não lhe tinha sido detetada a doença a tempo. Por outro lado, “os meus médicos foram os meus anjos de luz”. “Fiz todo o tratamento no Hospital de Vila Franca de Xira, exceto a radioterapia, e tenho a melhor opinião possível. Sei que há quem diga mal daquele hospital, mas não é o meu caso. Só posso dizer bem! Neste processo penso que tudo se tornou mais leve porque tive as pessoas certas no meu caminho”, conta.
Esteve durante um ano e meio a fazer quimioterapia num “tratamento muito agressivo” prescrito pela médica oncologista Sofia Braga à época no Hospital de Vila Franca. Mas “ela conseguiu curar-me assim como o doutor Luís Ramos e toda a equipa”. Reagiu bem à quimioterapia. Passaram cinco anos, aquele período mínimo em que o doente é considerado como curado. “Acho que completamente curados nunca ficamos”, sentencia, mas é com certeza com um sentimento positivo que olha para o futuro. Em breve vai retocar o implante mamário que, entretanto, “encapsulou”. São contingências de uma doença em que o pior definitivamente já passou. No hospital de Vila Franca “o doutor Luís Ramos diz que fui um caso de sucesso, sempre com muita energia, bem-disposta e bonita. São palavras dele. Convidou-me a dar, um dia, uma palestra a outras mulheres”.
Marta Rodrigues acredita que a vida atual não favorece a saúde das mulheres. O stress, o mau estar emocional, a má alimentação são no seu entender fatores que podem desencadear doenças graves. “A vida não está fácil para ninguém. É muito fácil perdermos o ânimo com os nossos problemas e isto afeta mais cedo ou mais tarde a nossa saúde”. A associação Acolher prá Vida, na sua opinião, tem tido um papel fundamental como um sítio de partilha e de apoio não só para os doentes, como também para os familiares.
O cancro fez Natércia Mateus querer viver a vida mais devagar
Há cinco anos soube que tinha cancro da mama. Natércia Mateus, 49 anos, é outra das sobreviventes. O principal sintoma era sangramento no mamilo, mas o diagnóstico não foi imediato, até porque a médica lhe disse que 90 por cento de casos semelhantes não estavam relacionados com cancro, o que “é um disparate brutal”. “Passados quinze dias soube que estava nos 10 por cento”. Foi-lhe dito que teria de ser operada e tratada muito rapidamente “porque o cancaro apresentava um crescimento como se de uma erva daninha se tratasse, foi mesmo essa a comparação, algo com tendência a aumentar e a espalhar-se muito rapidamente”. Teria ainda de fazer uma mastectomia total. Pediu opinião a quatro clínicos, pois outras situações de saúde não lhe correram bem e quis estar o mais bem preparada possível para esta que foi mais uma batalha na sua vida, depois de já ter estado “algumas vezes à morte” como refere durante a nossa conversa.
Naquela fase da sua vida tentou pesquisar e saber mais sobre cuidados a ter com a alimentação e a saúde e frequentou diversos workshops relacionados com aqueles temas. “Comecei a fazer um processo muito próprio de forma a contribuir para a minha cura”. Natércia Mateus dividiu os tratamentos entre a clínica CUF, numa primeira fase e onde fez a mastectomia, e o Hospital de Santa Maria. Como “tinha uma incidência de cinco centímetros, teria de fazer quimioterapia e radioterapia, embora a peça tivesse sido totalmente retirada. Foi por uma questão de prevenção”. Conta que não a assustou a perda do cabelo. “Não lidei mal, e até achei que tinha uma nuca bonita. Nunca me tinha visto sem cabelo. Penso que na vida temos sempre de tirar partido de uma situação menos boa”, desdramatiza. Para Natércia Mateus o grande objetivo do doente deve passar por questionar-se da seguinte forma – “O que é que eu posso fazer agora pela minha vida?”
Seguiram-se os tratamentos durante vários meses, tendo respondido bem. “O mais difícil de aceitar foi que o peito fica menos bonito”. Fizeram-lhe a reconstrução, “mas não ficou bonita”, e “nota-se um desequilíbrio entre os dois peitos”. Apesar disso considera que o balanço “é positivo”, porque não voltou a reincidir. “Quando vou às consultas não tenho medo. Ao longo destes anos fui-me equilibrando, sempre dentro de uma perspetiva positiva. A família também ajudou muito, mas também todo o grupo das guerreiras pertencentes à associação. Partilhámos muitas mensagens diárias no whatsapp. Foi qualquer coisa de maravilhoso, sinto que foi uma bênção enorme no meu processo”.
Hoje diz-se uma pessoa mudada, deixou o trabalho em Lisboa na área da Publicidade e Marketing, em que era uma das sócias numa empresa, para abraçar uma nova carreira dedicada às terapias no próximo ano. “Vou colocar ao serviço dos outros, o que aprendi no meu processo de cura. Fiz formação em várias áreas”. Outra das lições que a doença lhe deixou é que “não podemos viver a vida em torno de ideais de materialismo e de perfecionismo, colocando uma carga muito grande nas nossas vidas, em que não nos é permitido errar”. “Vivemos num mundo em que nos é exigido tudo e nós só cá estamos para viver! Deveria ser mais simples”.
Gisela Silva – “Não eram macaquinhos na cabeça”, era mesmo cancro!
Gisela Silva tinha 47 anos em 2018, e foi nesse ano que foi diagnosticada. Aquilo que se pensava ser um caroço sem importância, a que os médicos nem estavam a dar muito valor, veio a revelar-se um cancro grave. Passados cinco anos ainda está a fazer quimioterapia, mas oral. Acredita que o pior já lá vai. É com redobrada esperança que encara a vida, e o melhor que lhe aconteceu foi ter encontrado o grupo das guerreiras no whatsapp que depois deu origem à associação, e onde hoje estão as suas melhores amigas.
Gisela Silva fez grande parte dos seus tratamentos na Fundação Champalimaud. Foi na fundação que fez a reconstituição mamária, com uma técnica de cirurgia das mais inovadoras atualmente. Gisela Silva fez 16 sessões de quimioterapia de forma a reduzir o tamanho do cancro. “Era dos mais agressivos, R2 Positivo, tinha sete centímetros, passei pela quimioterapia, radioterapia e imunoterapia e estou aqui graças a Deus!”.
Fez a reconstrução mamária com recurso a um músculo do porco, uma matéria biológica, para ajudar nesse processo, e que ainda não é muito utilizado nos hospitais no nosso país. “Quando tiram a mama, têm de retirar também o peitoral, o músculo. Na maioria dos casos, retiraram parte do dorsal para a acrescentar à frente, enquanto na fundação é através do músculo do porco”.
Gisela Silva lembra que tinha muitos quistos na mama “redondos pequeninos”, mas quando é cancro “parece que sentimos algo diferente, parece quase o bico de uma amêndoa, algo irregular”. Não descansou enquanto não soube do que se tratava. O médico achava que Gisela estava “com macaquinhos”, mas mesmo assim pediu-lhe para fazer uma ressonância e deu como resultado um cancro dos mais agressivos e já com sete centímetros. “Fiz a quimioterapia, a radioterapia e estou aqui!”, resume. O mais difícil foi a queda de cabelo, mas nunca deixou de sair à rua. Escolheu uma peruca bonita e enfrentou a vida. “Saía todos os dias de casa, arranjava-me, e até diziam que estava com o cabelo muito bonito, e lá tinha de dizer que não era meu”, diz divertida. A própria associação disponibiliza cabeleiras gratuitamente. Quando o cabelo voltou a crescer “foi uma alegria enorme, é como se renascêssemos”
Uma das realidades que salta à vista é que a maioria das mulheres que chega à associação com diagnóstico de cancro da mama possui entre 40 a 50 anos e quando os rastreios obrigatórios apenas se efetuam, a partir dos 50. O paradigma da doença pode estar a alterar-se em que o cancro da mama ameaça ser uma verdadeira epidemia no futuro. “Os médicos acreditam que o cancro antes dos 50 tem uma forte carga hereditária, genética, mas o que se assiste é que vão aparecendo cada vez mais casos antes dessa idade, em mulheres muito jovens sem familiares com essa doença, com vidas aparentemente saudáveis, que não fumam nem bebem”, como é o caso de Gisela Silva. Contudo acredita que há três fatores da vida moderna que estão a deixar a saúde da mulher cada vez mais fragilizada – “Não temos tempo para nada, vivemos a correr entre o trabalho, os filhos, e a casa, e já está provado que o stress, a ansiedade e a depressão pioram a condição do sistema imunitário”, daí até ao cancro é uma roleta russa que pode calhar a qualquer uma. Por isso e para limitar a possibilidade de surgir a doença, “o meu médico oncologista dá a receita- alimentação saudável, exercício físico e diminuir o stress, que é a parte mais difícil”.
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3 Comments
Li com muita atenção. Parabéns a todas as mulheres que estão a passar por esta situação, que estão a lutar para vencer sendo o meu caso recente. Mas confio nos médicos obrigada a todos.
Tenha fé… Tudo irá correr bem..
Estou a passar por isso neste momento 😔 é viver um dia de cada vez.. força
3 guerreiras 3 pessoas maravilhosas que tenho o prazer de conhecer pessoalmente e de acompanhar mais ao menos de perto estas etapas menos boas das vossas vidas. Torci e rezei por elas. Foram sempre umas mulheres de garra e força que conseguiram vencer. Eu sempre acreditei que elas iam sair vencedoras e aí está. CURADAS. A melhor palavra que se pode ouvir ao fim de 5 anos destas etapas menos boas das vossas vidas. Parabéns pelo vossos testemunhos de 3 exemplos para outras mulheres como vós. Bem hajam Marta, Gisela, e Natércia, também aos médicos, familiares, amigos e Parabéns pelo vosso projecto… A associação. O que não nos mata torna- nos mais fortes. São a palavra certa para vós. Mulheres fortes e vencedoras.