O Hospital de Vila Franca de Xira (HVFX) tem a funcionar no sétimo piso a Unidade de Mama, uma ala recentemente criada dedicada aos doentes com cancro de mama que inclui dois consultórios, e seis camas em salas de internamento após cirurgia. Este era um desejo antigo da equipa de Senologia que agora passa a tratar dos casos que chegam a este hospital com outras condições. Em média são diagnosticadas 200 mulheres com cancro de mama por ano em Vila Franca. Este ano o hospital já atingiu as três mil consultas. Chegam pessoas (homens e mulheres) não só da zona de influência do hospital como de outras regiões do país para ali serem tratados ao cancro de mama.
Luís Ramos, médico cirurgião e coordenador da área de Senologia no HVFX, não é da opinião de que o cancro da mama surja em idades cada vez mais jovens, mas antes “é detetado em fases cada vez mais iniciais”, devido aos avanços da Imagiologia. “A maioria deles são benignos”, refere. Luís Ramos aconselha as mulheres com mais de 40 anos, sem sintomas, a fazerem uma ecografia e se necessário, mamografia de forma a despistar desde cedo a presença de um eventual quadro mais crítico.
Hoje é possível salvar a mama o mais possível com novas terapêuticas e novos fármacos da Oncologia que estão em permanente atualização. O cancro da mama é a neoplasia mais investigada a nível global “e os avanços permitem-nos fazer uma terapêutica mais direcionada, como se fossemos para uma guerra, mas ao invés de irmos munidos com um canhão, somos snipers e conseguimos direcionar as armas mais diretamente para o alvo”, compara. “O paradigma já não passa por remover a mama toda, e fazer quimioterapia, mas é agora mais desafiante porque para cada paciente e para cada tipo de tumor selecionamos a forma de tratamento mais adequada”.
Luís Ramos dá a conhecer que ainda chegam ao consultório casos extremos da doença, apesar de todas as campanhas de prevenção, de mulheres com “tumores do tamanho de uma laranja”, “com a mama quase em ferida”. São muitas vezes “idosas e viúvas que não querem chatear os filhos”, mas são também “mulheres casadas, mais novas, que conseguiram ocultar essa realidade”. São casos em que o cancro já se difundiu para outras partes do corpo, em que já será muito difícil salvar a vida da mulher. Contudo as boas notícias é que Portugal tem das taxas mais altas de cura de cancro da mama no mundo. Os rastreios móveis e gratuitos vieram dar esse contributo com a deteção cada vez mais precoce da doença, mas também graças ao próprio Serviço Nacional de Saúde “que gasta milhares de euros em tratamentos oncológicos”, o que faz com que “muitas mulheres que começaram a fazer tratamentos no privado recorram depois ao público, porque chegaram ao limite do cartão do seguro de saúde”. “Estamos a falar de tratamentos em imunoterapia e anticorpos monoclonais que são muito caros”.
Falta de médicos de família na região está a dar azo ao aparecimento de casos de cancro em fase mais avançada
Luís Ramos explica ainda que muitas pacientes por não terem médico de família chegam ao hospital com casos de cancro em fase mais avançada, porque não têm o suporte de uma medicina mais próxima porque os centros de saúde dos cinco concelhos apresentam graves carências ao nível do número de clínicos. “Temos casos de pessoas que sentem qualquer coisa na sua mama, vão fazer exames e pagam do seu bolso, mas depois não têm a quem mostrar os resultados. O que acontece é que a opinião médica é dada por um colega no centro de radiologia que diz à mulher que é grave e tem de ir para o hospital. A pessoa chega aqui pela porta da urgência, o que não devia ser normal. As mulheres chegam completamente desesperadas.”
Um dos grandes saltos em frente da Unidade de Mama deste hospital prende-se com a abertura, em 2024, da Consulta Aberta. A equipa de Senologia vai receber mais um cirurgião mamário, e segundo Luís Ramos “a ideia é permitir que as mulheres possam trazer os seus exames, e se a informação indiciar a necessidade de uma biópsia, em que não estamos a falar de coisas benignas, o nosso secretariado fica com uma cópia, e posteriormente chamamos para uma consulta”. Este é um objetivo da equipa que quer tornar a unidade de mama do HVFX num centro de referência no país. Nisto “não é necessário procurar um médico de família, basta dirigir-se ao hospital”. O esforço será grande pois implica um esforço conjunto de toda a equipa, desde médicos, enfermeiros, secretariado. A decisão sobre cada doente que chega a esta unidade não depende apenas dos médicos cirurgiões, mas também de outras especialidades, desde logo a Oncologia, mas também a Imagiologia, a Cirurgia Plástica, a Anatomia Patológica e a Radioncologia. Neste hospital também trabalham, já há quatro anos, na reconstrução mamária com tecidos do porco ou do boi com base no método Acellular Dermal Matrix (Matriz Dérmica Acelular).
Esta é uma alternativa usada quando já não existe tecido mamário suficiente para a reconstrução. No caso de mulheres com mamas mais volumosas acaba por haver mais margem de manobra sem recorrer a tecidos protésicos. No ano que vem o hospital vai iniciar uma vertente de microcirurgia com recurso a gordura abdominal do paciente que exige cerca de seis a sete horas de bloco e apenas algumas pacientes poderão ser selecionadas. Outro objetivo passa por camuflar ao máximo as cicatrizes na mama. “Passados anos chego a ter dificuldades em perceber qual das mamas foi operada”.
Uma das grandes inovações que já está presente neste hospital passa pela realização de testes genéticos tumorais que são enviados para os Estados Unidos e no espaço de semanas temos o resultado que ajuda na melhor terapêutica, por exemplo, “perceber se a quimioterapia é a melhor solução para aquele paciente”.
Batas Amarelas
“Não deixamos de ser a mesma mulher, a mesma amiga ou mãe porque ficámos sem uma parte do nosso corpo”
A unidade hospitalar em causa presta também um apoio à mulher mastectomizada através do grupo Batas Amarelas, Liga dos Amigos do Hospital de Vila Franca de Xira. As voluntárias, nestes casos, fornecem desde lenços, cabeleiras postiças, próteses mamárias a quem não faz reconstrução, e soutiens adequados para além de outros adereços às mulheres. Tudo com base na venda de produtos, como é o caso agora nesta altura do Natal, em que esperam angariar cerca de mil euros através do seu tradicional cabaz de produtos. Este apoio às mulheres da consulta do cancro da mama é efetuado “sempre sob orientação do doutor Luís Ramos” como gosta de enfatizar Maria de Lurdes Assunção daquele grupo. Também ela mastectomizada desde há 39 anos, costuma dar o seu testemunho a outras mulheres, mas está ali “sobretudo para ouvir”.
Mas o grupo tem mais alguns mimos “como uns saquinhos feitos com tecidos bonitos que se penduram ao pescoço e que servem para meterem lá os frascos dos drenos cirúrgicos”, ou “uma almofada em forma de coração “para colocarem debaixo do braço” após o esvaziamento dos gânglios linfáticos da axila. Nos próximos tempos, Maria de Lurdes Assunção integrará um grupo na Unidade de Mama do hospital onde contará também a sua experiência porque no fundo “continuamos a ser a mesma mulher, a mesma mãe, a mesma amiga apesar de termos tirado um bocado do nosso corpo que não estava bem”.
Com um espírito positivo muito grande, lamenta profundamente a falta de apoio de alguns maridos. “Muitas mulheres sentem medo de serem rejeitadas”, mas felizmente “nem todos são assim”. “Por vezes dá para brincar com eles e comentar que as suas senhoras ficaram com umas maminhas muito boas depois da cirurgia”, brinca. Com 32 anos de Liga dos Amigos do Hospital de Vila Franca, lamenta que hoje sejam apenas 16 voluntárias. Muitas acabaram por ir embora durante a Covid-19.