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Carlos Alves: “Coligações – o albergue espanhol da democracia representativa”

As eleições autárquicas portuguesas de 2025 revelam, mais do que nunca, a natureza multifacetada da política local – um espaço onde alianças e interesses próprios se encontram como num albergue espanhol. Um espaço onde cada hóspede tem a sua bagagem e as regras são difusas. Na política, tornou-se uma metáfora perfeita para as coligações partidárias: acordos passageiros onde ideologias dão lugar à conveniência eleitoral particular.

As recentes eleições autárquicas, marcadas por 181 coligações e mais de 12.800 listas, evidenciam um sistema em que os partidos procuram somar forças para potenciar resultados e expandir influência. A lógica é pragmática: maximizar votos, dividir custos e garantir representação. O PSD é o maior apostador  neste modelo, surgindo em mais de metade dos concelhos coligado, sobretudo com o CDS. O PS, embora mais modesto, também lidera várias coligações e apoia movimentos independentes.

Apesar de tudo, o cenário político mostra sinais positivos: a abstenção caiu de 59,26% para 53,65%, com mais 500 mil eleitores a participar. É um dado animador, sinal de que a democracia local continua viva. O crescimento de novas forças políticas e grupos de cidadãos também amplia a diversidade, embora muitas candidaturas independentes, com ziguezagues partidários à mistura, surjam mais como instrumentos de fragmentação de votos do que como projetos políticos consistentes. A sua existência é, por isso, muitas vezes efémera – mesmo quando conquistam o poder.

Os resultados de 2025 mostram uma ligeira redução das maiorias absolutas (de 258 em 2021 para 233) e um aumento marginal de câmaras conquistadas por grupos de cidadãos (de 19 para 20). Estes números reforçam a ideia de que o poder local está mais fragmentado e competitivo, mas também mais dependente de arranjos temporários.

As coligações, por sua vez, desempenham um papel ambivalente. Por um lado, permitem que partidos menores tenham visibilidade e influência, reforçam a governabilidade quando há entendimento e evitam a dispersão de votos. Por outro, tornam-se um risco quando são formadas apenas para vencer as eleições e se desfazem logo após o escrutínio – o que fragiliza a confiança pública e a estabilidade das câmaras municipais.

A volatilidade das alianças é um traço recorrente. Divergências internas, disputas de cargos despoletado por um quid pro quo, pré-estabelecido, incumprido e ausência de acordos programáticos claros levam frequentemente à rutura entre parceiros, comprometendo a coerência da governação. Casos como o do Funchal, onde entendimentos pós-eleitorais se transformaram em conflito aberto, ilustram bem os perigos de coligações táticas, sem base política sólida. Entre as causas recorrentes de rutura surgem as divergências sobre a liderança e distribuição de cargos pós eleições, incompatibilidades ideológicas, quando partidos nacionais com linhas divergentes tentam replicar alianças meramente estratégicas no plano local e tensões de personalidade entre líderes. Como feitos imediatos sobressaem substituições, menor previsibilidade e responsabilização perante os eleitores, enfraquecimento do projeto comum, dificuldades de estabilidade no executivo municipal e o agravamento da perceção de desconexão entre voto e governação.

Os riscos são claros: perda de coerência eleitoral, diluição de responsabilidades, instabilidade executiva e erosão da credibilidade dos partidos. Quando o eleitor vota numa coligação que se desagrega após o ato eleitoral, perde-se o vínculo essencial entre voto e governação – o coração da democracia representativa. A fragilidade pós-eleição deixa a nu que a coligação serve para concorrer, mas não necessariamente para governar em conjunto com coesão o que pode minar a perceção de representação.

Ainda assim, as coligações continuam a ser um instrumento legítimo e natural num sistema multipartidário como o português. O seu potencial positivo depende de transparência e compromisso. A adoção de acordos escritos e públicos, a clarificação de responsabilidades e a comunicação transparente das eventuais ruturas seriam passos essenciais para reforçar a confiança dos cidadãos e dar consistência a estas alianças.

Num contexto em que as campanhas autárquicas são cada vez mais personalizadas – e as ideologias, muitas vezes, ficam fora dos critérios de escolha -, a democracia local portuguesa enfrenta o desafio de combinar diversidade com responsabilidade.

Se bem geridas, as coligações podem ser espaços de cooperação e de pluralismo. Mal estruturadas, tornam-se apenas o albergue espanhol da política: um edifício precário de conveniência, de convivência a prazo, onde qualquer um entra, mas poucos ficam até ao fim caso o que antes uniu deixe de existir ante o cenário da derrota.

Presidente da Câmara Municipal de Arruda dos Vinhos

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