A última sessão da Assembleia Municipal de Alenquer, realizada em finais de abril, veio alterar a ordem natural das coisas, se assim se pode dizer. Depois da Câmara liderada pelo PS ter conseguido alcançar um acordo, visto pelo município como vantajoso, de aumento de 6 por cento na fatura da água, e depois de 8 longos anos de negociações com a concessionária Águas de Alenquer, eis que o mesmo Partido Socialista, na Assembleia Municipal, pediu para que o ponto que visava a votação da renegociação do contrato (anteriormente aprovado no órgão executivo) e os aumentos na tarifa não seja votado. O tema volta à casa de partida e Pedro Folgado, presidente da Câmara, ao Valor Local, não acredita que o privado possa ainda reconsiderar ceder. Já João Nicolau, deputado do PS, no órgão deliberativo, é da opinião que ainda é possível conseguir algo mais da Águas de Alenquer. Basta para isso que a empresa consiga gerir melhor a sua casa nesse sentido, de modo a conseguir desonerar um pouco mais os munícipes. O presente e o futuro da concessão neste destaque em que ouvimos ainda a população sobre um dos temas mais caros na vida de quem mora no município.
Fernanda Viçoso conta-nos que, neste momento, não vive permanentemente no concelho de Alenquer, mas entre consumos que não incluem todos os dias do mês, e taxas a pagar, a fatura “é caríssima”. “Tenho uma fatura em que vou ter de pagar 13 euros e não gastei água nenhuma”, mas evidencia que não é propriamente a parcela do consumo de água que a assusta mais, mas a do saneamento e dos resíduos sólidos urbanos. “Tenho uma casa em Albufeira e não pago muito menos desses extras em comparação com o que pago aqui”. Fernanda Viçoso bebe água da torneira em sua casa, embora muitos no concelho refiram que o sabor já não é o mesmo de outrora.
Já Conceição Paulo, outra residente no concelho, dá conta que vivendo sozinha já chegou a pagar cerca de 20 a 30 euros. “Um valor muito caro, e por isso sempre fiz questão de poupar no uso da água. Toda a gente se queixa desta conta da água aqui no concelho e quando temos reformas muito pequeninas, mais complicado fica”. A cliente da Águas de Alenquer torce ainda bastante o nariz quando questionamos se bebe água da torneira.
O munícipe António José Sousa não destoa – “A fatura da água é caríssima”. Vive com a esposa e a despesa de ambos oscila entre os 30 e os 50 euros todos os meses”. O habitante do concelho de Alenquer lembra-se que quando o serviço de abastecimento de água estava entregue à Câmara a fatura era mais barata – “Uma terça parte do preço”, adianta. António José reside em Olhalvo e queixa-se ainda da presença de calcário na água e as necessárias implicações na canalização, acusando ainda a empresa de comunicar mal e de não avisar com antecedência da existência de cortes de água, quando programados. “Toda a gente se queixa desta postura da empresa”. Beber água da torneira está fora de questão, “porque sabe a lixívia”, adianta a esposa, Maria de Fátima Sousa “Antigamente há 20 e tal anos o sabor da água era muito melhor”. A empresa tem conseguido vários selos de qualidade de água exemplar para consumo humano através da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), contudo apenas os parâmetros físico-químicos entram nesta equação. Beber água da torneira em Alenquer é algo que não granjeia muitos adeptos.
No extremo oposto encontramos, Lurdes Henriques que vive em Parrotes, e que considera que a fatura da água se encontra “no limite”. Paga à volta de 20 euros por mês, um valor que considera “justo”. Ao olhar para a fatura percebe “que as outras coisas estão mais caras do que propriamente a água”, o saneamento e os resíduos, neste caso. Em Parrotes não costuma faltar a água na torneira e por norma consegue bebê-la.
Isabel Costa que vive na vila de Alenquer não tem dúvidas de que a fatura é pesada. “Neste momento não posso dizer que estou a pagar muito, mas ronda os 30 euros”. Confessa que não olha muito para a conta que lhe chega à caixa de correio todos os meses no intuito de perceber o que pesa mais na carteira, se o abastecimento de água, se o saneamento ou a componente dos resíduos – “Olhe pago e pronto!”, atira. A habitante do concelho também nota que quando veio morar para Alenquer o que mais lhe chamou à atenção foi a presença de muito calcário na água. Também opta por não beber água da torneira.
Por último entrevistámos Mário, habitante do concelho que preferiu não dar o apelido, e para não destoar da maioria das pessoas ouvidas nesta reportagem o primeiro adjetivo que emprega é a palavra “caríssima” para se referir à fatura, mas como outros moradores especifica que “não é a água que está cara”, mas os resíduos. O seu agregado é composto por quatro pessoas e paga em média 80 a 100 euros por mês. “Noto desde já há bastante tempo que se paga muito no que diz respeito aos resíduos”. Mas o serviço de abastecimento de água também deixa a desejar – desde “muito calcária” e com “cheiro a lixívia”, numa alusão às injeções de cloro na rede.
Especial na Rádio Valor Local
Navega-se por estes dias em águas turvas na política local
Anda tenso por estes dias o clima entre os socialistas de Alenquer, depois da falta de entendimento entre Câmara e Assembleia Municipal depois do pedido para que fosse retirado da ordem de trabalhos, da última sessão do órgão deliberativo, o pedido de reequilíbrio financeiro da Águas de Alenquer no valor de 6 por cento de aumentos já para 2024. Pedro Folgado, de pés e mãos atados, não teve outra solução a não ser acatar a recomendação da assembleia e do seu partido. Depois de oito anos de negociações com o privado, o autarca, em declarações ao Valor Local, duvida de que se consiga melhorar o acordo que inclui estes aumentos, que podiam ser de oito por cento, como chegou a estar em cima da mesa. Para isso terá contribuído o facto de os munícipes terem andado a pagar mais do que deviam em 2017 e 2018, segundo dados achados pelo consultor do município, Poças Martins, em que a fórmula de cálculo não foi seguida pela Águas de Alenquer. Os dois milhões de euros a devolver aos munícipes desses anos foram agora incorporados no novo aditamento. A Câmara compromete-se ainda a pagar 500 mil euros à empresa por atrasos na entrega de uma ETAR. Para trás ficam os aumentos de 53 por cento que a empresa chegou a pedir, mais o ressarcimento dos danos por culpa do calcário na rede estimados em 3,6 milhões de euros.
Pedro Folgado é perentório – “O município conseguiu um bom acordo, e como é normal numa negociação não podia ganhar tudo”, numa alusão à Taxa de Rentabilidade Interna e à transferência da banda de risco na totalidade para a concessão como sugerido pelo Tribunal de Contas, mas estas eram também equações que não estavam em negociação. O município conseguiu ainda que a concessionária não tivesse de ser indemnizada pelo facto de os caudais de água vendidos se situarem abaixo dos 20 por cento, em relação aos valores previstos na revisão do caso base em 2011. O autarca recorda que a tarifa não era atualizada há vários anos por força do impasse nas negociações.
No entender de João Nicolau, deputado do PS e líder de bancada na Assembleia Municipal, também em entrevista ao nosso jornal, ainda há margem para negociar com a Águas de Alenquer, e não aumentar os tarifários, ao contrário da proposta que a Câmara aprovou, de seis por cento para 2024. Para o deputado, a empresa pode fazer uma gestão mais eficiente dos seus custos para evitar aumentos. Segundo os últimos dados num estudo levado a cabo pela ERSAR para o ano de 2023, a cobertura de gastos ou se quisermos a eficiência da Águas de Alenquer encontra-se atualmente num patamar mediano, assim como as perdas de água.
Pedro Folgado dá conta que antes da assembleia “falou-se” no volte-face em perspetiva dos deputados socialistas em causa, “mas não era lícito que isso pudesse acontecer”. Esta posição de força da assembleia no seu entender pode relacionar-se com as eleições autárquicas de 2025, mas adverte que há que cair na realidade, pois “a empresa pode recorrer para o tribunal arbitral” e arriscar o município a uma indemnização de 50 milhões de euros, segundo o que foi apurado pelo consultor Poças Martins.
Depois de 8 anos em que município e Águas de Alenquer esgrimiram argumentos, e de a Câmara ter contratado uma assessoria específica para este tema, o deputado considera que faz falta contratar um estudo desta feita sobre o equilíbrio de gastos e proveitos da concessionária, sem referir quem o viria a pagar. Quando confrontado com a possibilidade de a empresa poder processar a Câmara via tribunal arbitral, tendo em conta o regresso à estaca zero, é da opinião que a Águas de Alenquer não tem assim tantos trunfos na mão quanto a essa possibilidade.
João Nicolau escusa-se a comentar ainda que esta posição, em que tenta travar os aumentos da água, possa ter algo a ver com uma possível candidatura à Câmara, em 2025, e hipotéticos dividendos políticos. O deputado elogia o município, recusa que exista um conflito, e diz que a empresa tem colaborado, mas as ondas de choque da assembleia e as suas repercussões são para já indisfarçáveis.
Ernesto Ferreira sobre a polémica
“Não podemos andar a brincar com a água no concelho de Alenquer”
O vereador da CDU no município, Ernesto Ferreira, relembra que o seu partido foi o único que esteve desde o início contra a entrega a privados da gestão da água e do saneamento, mas especifica que nesta fase não será de tentar a reversão do contrato, porquanto e segundo um estudo do assessor do município para estas matérias, essa poderia custar cerca de 50 milhões de euros aos cofres da autarquia. Referindo-se à assembleia municipal diz que “foi um triste acontecimento”.
No que ao futuro diz respeito, começar a trabalhar no retorno da gestão da água e saneamento à Câmara é urgente no seu entender, até porque se estima que a autarquia tenha de efetuar obras no valor de 80 milhões de euros na renovação de condutas e o melhor é começar o quanto antes. Lembra ainda que o município não pode cantar vitória na questão do calcário que pode sempre voltar a ser abordada pela concessionária. O autarca não querendo comentar se estaremos perante a possibilidade de um cavalgar da situação politicamente por parte da assembleia, recorda que o PS na Câmara não tem respirado muita saúde e relembra as saídas dos vereadores Rui Costa e Dora Pereira, mais o pedido de escusa de técnicos superiores. Se a Câmara se demite ou não, “ainda não sabemos, mas que há um grande mal-estar entre eleitos da autarquia, só para não falar em algo pior, isso é verdade”.
O vereador acrescenta que gostava de saber ainda onde é que a empresa gastou os 22 milhões de euros. A concessionária alega que já fez o investimento total previsto no caderno de encargos, e que de acordo com a cláusula 44 apenas lhe cabe a si nesta fase a reparação de condutas, e não a sua renovação. Entendimento diferente tem a CDU. “Faço minhas as palavras de António Oliveira (especialista do setor presente na nossa emissão especial na Rádio Valor Local) se houver uma rotura enorme quem a vai pagar?”.
Nuno Miguel Henriques
“PS está numa luta de vão de escada”
O vereador do PSD no município assinala que se está perante “uma luta de vão de escada” entre os socialistas, enfatizando que até a adjunta de Pedro Folgado, também eleita na assembleia, ficou, “grosso modo” contra o presidente. Evidencia que durante o seu percurso autárquico em vários municípios do país, nunca assistiu a um estado de coisas político desta envergadura entre eleitos do mesmo partido. “Contudo, não se pode querer atirar areia política das pessoas com este debate das águas, quando noutras matérias todos os autarcas do PS nos dois órgãos aprovaram aumentos de impostos de outra ordem aos munícipes”.
Nuno Henriques é da opinião que os socialistas na assembleia estão a mover-se por interesses eleitoralistas a roçar “o desespero”, mas adverte que a Câmara também não andou bem em todo o processo ao não ter envolvido os eleitos municipais na sessão de Câmara onde se votou o aditamento ao contrato.
Demissão coletiva do executivo já se fala à boca pequena
O vereador Nuno Henriques considera que estamos perante “atitudes infantis e imaturas” e relembra que o mal-estar entre Folgado e Nicolau já não é de hoje, nomeadamente, quando o deputado foi apoiante da candidatura de Brian Silva contra a de Pedro Folgado. Já se fala nos bastidores na hipótese de o executivo demitir-se, algo que não conseguimos confirmar e a hipótese de eleições antecipadas. “As pessoas não são de ferro e têm de tomar decisões a favor do bem comum e não dos seus interesses pessoais”, deixa no ar.
António Oliveira exorta município a entendimento com os deputados
O nosso comentador e especialista do setor das águas com uma experiência de quase 20 anos nestas matérias, António Oliveira, durante a nossa emissão especial na Rádio Valor Local, é da opinião que o município deve levar consigo uma comitiva de deputados do PS na Assembleia Municipal para a reunião com a concessionária de forma que todos possam chegar a um entendimento, porque “estamos a falar não só de muito dinheiro, como de um bem público e das pessoas”. “Existe um contrato desde o início que deve ser para cumprir e que foi votado pelos partidos quando tudo começou”, sob pena de repercussões negativas para a Câmara. Lembra ainda que os intérpretes políticos do concelho estão a esquecer-se do Tribunal de Contas que vai no final vai dar o seu parecer.
O especialista considera que se se abriu um clima de hermetismo nesta matéria entre Câmara e Assembleia ao longo deste processo, é grave, mas ainda há forma de dar a volta a esta questão. António Oliveira dá a conhecer que os aumentos ditados pela ERSAR para 2024 terão de se situar entre os 3,3 por cento e os 8,4 por cento, e como tal “pode ser que ainda haja margem para se conseguir algo menos do que os seis por cento”, embora não considere este valor como mau para os interesses do município. Ideal também é que a dívida dos 500 mil euros seja amortizada em prestações. O que de facto também está expresso no parecer da ERSAR, ao ritmo de 100 mil euros por ano.
E depois de 2033
Com o aproximar do fim do contrato e quando faltam 9 anos para a possível saída do grupo Aquapor, AGS, e Pragosa de Alenquer, os acionistas da Águas de Alenquer, “já começa a ser tarde para que se comece a fazer toda a arquitetura do regresso do serviço em causa para o município”, advoga o especialista. Isto se quem estiver nos destinos da autarquia daqui a menos de uma década entender que não faz sentido renovar a concessão. Para já existe uma recomendação da assembleia municipal nesse sentido.
“Estamos a falar de um tempo curtíssimo quando a Câmara tem de renovar as redes de água e saneamento (valor orçado em 80 milhões de euros); pensar se quer um Serviço Municipalizado de Águas e Saneamento, uma empresa municipal ou quem sabe uma PPP. Não é num estalar de dedos que se coloca em prática questões de ordem estrutural, humana, técnica, financeira”.