Salvatore Minieri foi um dos jornalistas italianos que esteve na base da descoberta do denominado maior aterro de resíduos em Itália, ligado à atividade criminosa da máfia italiana que, durante anos, nas províncias de Caserta e de Nápoles fez o despejo ilegal de todo o tipo de resíduos em pedreiras, rios, e em zonas agrícolas, e alerta, em entrevista ao nosso jornal, para a perigosidade daquilo que é enviado de Itália para os aterros do nosso país. Através deste seu trabalho recebeu os mais diversos prémios no seu país. Como é do conhecimento geral, os aterros de Azambuja e de Ota estão na rota dos resíduos italianos.
Em 2016, Portugal foi um dos países que começou a importar esses resíduos provenientes de anos de criminalidade ambiental, os denominados ecofardos, grandes cubos de lixo, tendo em conta a crónica falta de capacidade da Itália no tratamento dos seus resíduos.
Vinte mil toneladas foram contratualizadas com o Centro Integrado de Tratamento de Resíduos Industriais (Citri) em Setúbal nesse ano.
O objetivo seria que Itália se livrasse de cinco milhões de toneladas de resíduos com Portugal a ser um dos países à cabeça a receber esses lixos, aparentemente, decompostos, e que já não ofereceriam perigo uma vez depositados em aterro. Nos últimos anos, os aterros da Ota e de Azambuja também têm estado na rota desses lixos italianos ligados à atividade da máfia. O Valor Local deu conta no início do ano do encaminhamento de 79 mil toneladas de resíduos italianos e malteses em 2020 para os dois aterros.
Ao Valor Local, o jornalista italiano sublinha que o seu país está a exportar resíduos “muito perigosos” provenientes do denominado estado de emergência do lixo decretado em 2008 na Campânia. Resíduos esses que por serem resultado da atividade da indústria química, “continuam a apresentar um elevado grau de perigosidade”, mesmo que nalguns casos estejamos a falar de lixo com cerca de 20 anos, ao contrário dos resíduos urbanos banais ou os provenientes do setor da alimentação.
Salvatore Minieri identifica Portugal como um dos principais países que recebe este lixo italiano, mas também alguns países africanos. No caso de África essa exportação está ligada sobretudo à máfia italiana e os movimentos são ilegais, já as operações relacionadas com o nosso país são feitas dentro da legalidade. “Se falarmos dos países africanos significam muitos milhões de euros para a camorra napolitana”, refere.
O jornalista adianta que não é feito qualquer pré-tratamento aos resíduos italianos recebidos no nosso país. O estado português refere que por via das dúvidas os resíduos quando chegam a Portugal são analisados e colocados em quarentena. Mas quando questionámos a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) acerca de quantas toneladas já foram devolvidas à procedência desde 2016 não obtivemos resposta.
O Valor Local procurou saber ainda que diferentes tipos de resíduos provenientes de Itália, e respetivos códigos Ler, é que foram encaminhados para os dois aterros da região, mas não obtivemos resposta. Sendo certo que no último relatório de movimentos transfronteiriços produzido pela APA, referente ao ano de 2018, constam diversos códigos relacionados com aquele tipo de indústrias referidas por Salvatore Minieri. Também não obtivemos resposta: Se esses resíduos respeitavam aos ecofardos ligados ao escândalo do lixo ou se estaríamos perante resíduos mais recentes da indústria. Na região, o Centro Integrado de Recuperação, Valorização e Eliminação da Chamusca é um dos destinos naturais desses lixos.
Procurámos ainda o contacto com a empresa Vibeco Srl, operador na área dos resíduos, que ficou com alguns lotes de ecofardos da Campânia, com destino a Portugal, nomeadamente, o aterro de Ota, sobre o conteúdo e o tratamento que é efetuado a esses resíduos, mas sempre que começávamos a falar do motivo do nosso contacto desligaram-nos o telefone na cara. De recordar que em 2006, uma reportagem da RTP dava conta de valores de carbono orgânico dissolvido em desacordo com os parâmetros impostos por lei quanto aos primeiros ecofardos vindos de Itália.
Durante anos, os lixos encaminhados para terrenos agrícolas italianos, onde à superfície se plantavam “vegetais e frutas” deram origem a “imensos casos conhecidos de cancro” nos habitantes da área de Calvi Risorta, Caserta, descreve Salvatore Minieri. O jornalista conta que não há vontade do Governo italiano nem tão pouco dos ambientalistas em investir a sério em tratamento de resíduos, e por isso Portugal é visto como o paraíso da exportação de lixos. O próprio jornalista questiona-nos sobre este interesse do nosso país em ficar com os lixos italianos muito à frente de outros países europeus. Dizemos-lhe que a explicação oficial se baseia na denominada solidariedade europeia, mas o próprio não acredita.
Numa pesquisa pela internet constatamos em muitas notícias da época em que tiveram lugar as primeiras importações de resíduos da Campânia, em 2016, quando o país transalpino assinou contrato com o Citri, o alívio e a euforia dos decisores políticos da Câmpania, porque finalmente tinha começado o processo que levaria à limpeza dos milhões de ecofardos locais. Portugal estava na rota e os aterros da região por inerência.
Naquele ano lia-se na imprensa italiana – “Todos os dias seguirão por via marítima 150 fardos para Portugal”. Contudo os melhores augúrios italianos ficaram entretanto desfeitos – a exportação dos ecofardos acabou por ser inferior às expetativas, e em 2018 ainda faltava exportar cerca de 40 por cento do contratualizado com o nosso país. O governo italiano apoiou com 450 milhões de euros a operação que visava livrar a Câmpania dos ecofardos, mas e segundo os últimos dados, de 2018, apenas 104 mil toneladas tinham saído da região no total dos cinco milhões.
Também o amianto italiano tem sido exportado para os aterros portugueses. O Partido da oposição italiana “5 Estrelas” dava conta de materiais de construção dentro dos ecofardos com muito amianto à mistura, e exigia transparência ao Governo quanto aos negócios e aos contratos assinados com o nosso país. “Muitos políticos aqui em Itália são amigos de mafiosos, e ambos controlam o negócio do lixo. Não há vontade política do meu país em tratar o seu próprio lixo, apenas temos a central de valorização de Acerra em Nápoles, pelo que a exportação continua a ser o caminho”, diz o jornalista Salvatore Minieri.