Reflexão sobre a escolha do papel político dos vereadores sem pelouro nas autarquias.
O sistema autárquico português distingue entre vereadores com pelouro — ou seja, com funções executivas atribuídas pelo presidente da câmara — e vereadores sem pelouro, que, por norma, pertencem à oposição.
Os primeiros, com funções executivas atribuídas pelo presidente da câmara, recebem ordenado. Os segundos, sem funções executivas não têm ordenado, só recebem senhas de presença nas reuniões para que são convocados.
No caso de Azambuja (que tem 17 880 eleitores) a Remuneração base de um vereador com funções executivas atribuídas a tempo inteiro, é 80% da remuneração do Presidente da Câmara e a deste corresponde a 45% da do Presidente da República.
Em termos práticos estamos a falar de uma remuneração bruta global anual de 53 285,35 € para um vereador, para 14 meses de remuneração, 12 meses de despesas de representação, 20% do salário, e 236 dias de subsídio de alimentação a 16,39 € dia.
Já um vereador sem funções executivas em Azambuja poderá receber 2 109,28 €, em média corresponde a 28 reuniões por ano, a 75,33 € cada senha de presença.
Se em média cada reunião demorar 4 horas e forem precisas as mesmas 4 horas para a preparar, recebe 9,42 € por hora de trabalho. Ninguém que exerça estas funções o fará por este extraordinário valor. Aliás o que acontece normalmente é que abdica do seu próprio salário pelo serviço público da função.
O que é um vereador sem pelouro?
Num executivo camarário português, os vereadores eleitos podem ou não receber pelouros, ou seja, áreas de governação específicas (como urbanismo, cultura, etc.). Os vereadores sem pelouro não têm responsabilidade executiva direta sobre nenhuma dessas áreas, o que lhes retira poder de decisão formal, mas não exclui a sua relevância política.
Geralmente, estes vereadores pertencem aos partidos ou listas que não ganharam as eleições, assumindo o papel de oposição no executivo.
Por vezes, estes, são escolhidos pelos Presidentes para exercer funções executivas, normalmente para no âmbito de acordos políticos assegurar ao Presidente ter do seu lado uma maioria de votos na câmara. É o caso de Azambuja em que existe um acordo entre o PS e a CDU.
O papel do vereador sem pelouro é, tradicionalmente, o de fiscalizador da ação da maioria. Cabe-lhe analisar, questionar, propor alternativas e ser a voz dos cidadãos que não se reveem na governação em vigor. A sua presença assegura pluralismo e transparência, podendo ser determinante na denúncia de irregularidades, na apresentação de propostas inovadoras ou na promoção de debates públicos relevantes.
O conceito de “idiota útil” na política local
A expressão “idiota útil” tem origem no contexto político, sendo usada para descrever alguém que, consciente ou inconscientemente, serve interesses alheios ao seu próprio grupo político ou interesse público. Aplicada ao contexto autárquico, pode surgir quando um vereador sem pelouro, por inexperiência, ingenuidade ou busca de protagonismo, acaba por legitimar decisões da maioria ou contribuir para que esta alcance os seus objetivos de forma acrítica, ou critica mas inócua na verdade (quando vota sistematicamente a favor da maioria, sem apresentar objeções fundamentadas).
Apesar das limitações, um vereador sem pelouro pode ser uma peça fundamental na democracia local. O seu impacto depende da preparação, capacidade de diálogo, mobilização da sociedade civil e articulação política. O verdadeiro desafio é evitar cair na armadilha de ser instrumentalizado pela maioria e, ao invés disso, afirmar-se como defensor do interesse público, contribuindo para o escrutínio, o debate e a melhoria das políticas locais.
Mas apesar de tudo isto, mesmo que o papel de vereador sem pelouro seja levado a muito a sério, perante quem gere um município “sentado” uma maioria arrogante, fica sempre algum sentimento de “idiota útil”, pois a discussão séria promovida esbarra no silêncio, um silêncio surdo de quem tendo os votos não se dispõe ao escrutínio.
Uma reunião de câmara não se pode limitar ao exercício formal a que a Lei obriga, se o for esqueceu a comunidade, não a serve, é um mero exercício de uso abusivo do poder!
Significa isto que na democracia saudável, que privilegia o serviço público à comunidade, para que não existam “idiotas úteis”, o papel de quem preside e de quem com ele governa é tão importante como a postura de quem está na dita oposição.
Mas em suma, independente do comportamento da maioria, o vereador sem pelouro é aquilo que escolhe ser: um fiscalizador atento, uma voz ativa e alternativa ou, inadvertidamente, uma peça útil à maioria.
No início de um novo mandato, presidente e vereadores têm uma escolha a fazer!
Vereador do PSD na Câmara de Azambuja nos dois últimos mandatos








