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Rui Pedro Pires: “A Influência da Tecnologia na Sociedade Contemporânea: Riscos, Desafios e Perspectivas para as Gerações Futuras”

A sociedade contemporânea encontra-se imersa num ritmo vertiginoso e hiperacelerado, impulsionado pela constante evolução tecnológica, pela sobrecarga informacional e pelas exigências crescentes do quotidiano. Esta aceleração, que perpassa múltiplas dimensões da vida humana, estende-se inevitavelmente aos espaços mais fundamentais da nossa existência — o lar, o ambiente laboral e, de forma especialmente preocupante, as instituições educativas. Este fenómeno, frequentemente associado ao conceito de “sociedade da aceleração”, conforme proposto por Hartmut Rosa, tem implicações profundas no modo como concebemos a nossa relação com o tempo, com os outros e connosco próprios.

Num cenário marcado pela efemeridade das interações e pela obsolescência programada do conhecimento, observa-se uma tendência crescente para a relativização dos valores estruturantes da convivência humana. A sociedade parece caminhar para um processo de dessubstancialização normativa, em que os referenciais éticos e civilizacionais são constantemente redefinidos ou postos em causa. Vivemos, assim, num verdadeiro laboratório social, onde se experimentam incessantemente novos paradigmas tecnológicos e culturais, muitos dos quais com repercussões colossais e imprevisíveis para o futuro da humanidade.

Neste contexto, emerge uma inquietante metamorfose antropológica: o desejo latente do ser humano em transcender a sua condição biológica e aproximar-se da máquina — uma aspiração pós-humanista que se manifesta na crescente simbiose entre corpo e tecnologia. Paradoxalmente, apesar do avanço exponencial das ciências e da engenharia, persistem fragilidades no campo biomédico, como evidencia a ausência de cura para patologias complexas, nomeadamente o cancro, cuja incidência tem vindo a aumentar anualmente em cerca de 20% e que constitui, segundo dados da Organização Mundial da Saúde, uma das principais causas de mortalidade global, com cerca de 10 milhões de óbitos por ano.

A tecnologia, enquanto instrumento de mediação da realidade, deve ser utilizada com critério e discernimento. Apesar da elevada proficiência tecnológica demonstrada por crianças e jovens — nativos digitais por excelência — é notória a existência de lacunas significativas ao nível das competências cognitivas fundamentais, como a capacidade de redigir, argumentar, sintetizar ou apresentar ideias de forma estruturada. A hiperconetividade e o consumo acrítico de conteúdos digitais têm contribuído para uma progressiva substituição da cognição reflexiva pela cognição imediatista e fragmentária.

Este fenómeno suscita sérias preocupações quanto ao futuro do pensamento crítico e da autonomia intelectual. A inteligência humana — que ao longo da história se afirmou como o principal diferencial evolutivo da espécie — encontra-se hoje ameaçada por uma crescente delegação de funções cognitivas em sistemas automatizados e algoritmos inteligentes. Há uma preocupante tendência para a passividade e para a dependência, o que poderá comprometer a resiliência e adaptabilidade das novas gerações.

Estudos recentes, conduzidos por universidades em países como a Noruega, Portugal e os Estados Unidos, revelam que a utilização excessiva de dispositivos digitais está correlacionada com o comprometimento do desenvolvimento cognitivo em crianças e adolescentes. A exposição prolongada a ecrãs, sobretudo em idades precoces, tem sido associada à diminuição das capacidades linguísticas, da atenção sustentada e da memória de trabalho. Por outro lado, experiências de restrição no uso de telemóveis demonstraram uma redução significativa dos sintomas de ansiedade e depressão, bem como melhorias na qualidade do sono e nas competências socioemocionais. Importa sublinhar que o tempo dedicado à brincadeira — uma atividade fundamental para o desenvolvimento global da criança — tem vindo a ser sistematicamente substituído pelo tempo de ecrã.

Adicionalmente, estudos longitudinais realizados na Dinamarca e no Reino Unido indicam uma preocupante tendência de decréscimo do Quociente de Inteligência (QI) nas gerações mais jovens, com uma perda média de 2 a 4 pontos por década. Este fenómeno, que contradiz a tendência ascendente verificada no século XX (conhecida como efeito Flynn), pode refletir alterações profundas nos estilos de vida e nos estímulos ambientais a que os jovens estão expostos.

Neste cenário, a escola deve reafirmar-se como espaço privilegiado de construção do conhecimento, de desenvolvimento do raciocínio crítico e de formação integral do indivíduo. A pressão do mundo exterior não pode condicionar o tempo escolar, nem subverter a sua missão pedagógica. É imperativo estabelecer políticas educativas claras que promovam a regulação do uso de dispositivos digitais em contexto escolar, assegurando uma supervisão adequada e a definição de limites que salvaguardem o bem-estar e o desenvolvimento cognitivo dos alunos. Só assim será possível garantir um ambiente propício à aprendizagem significativa, à criatividade e à socialização.

No âmbito familiar, a intrusão da tecnologia nos espaços privados tem provocado alterações significativas na dinâmica relacional e no equilíbrio emocional. A presença constante de ecrãs nos momentos de descanso tem sido associada à disrupção dos ritmos circadianos, com consequências negativas na produção de melatonina e, consequentemente, na qualidade do sono. A privação de sono, por sua vez, compromete a consolidação da memória e a regeneração neuronal, fatores essenciais para o desempenho cognitivo e para a saúde mental. A normalização do uso de dispositivos móveis antes de dormir, inclusive por crianças, representa um risco grave e amplamente documentado na literatura científica.

Importa, pois, abrir um debate público profundo e informado sobre as implicações do uso indiscriminado da tecnologia. Está em causa não apenas a saúde das novas gerações, mas a própria continuidade do projeto humano enquanto entidade biológica, cognitiva e social. A promoção de estilos de vida ativos, que valorizem o exercício físico, o contacto com a natureza e as atividades recreativas, deve ser uma prioridade transversal às políticas de saúde, educação e desenvolvimento social, considerando os impactos positivos comprovados na função cerebral, na memória e na aprendizagem.

Em síntese, urge uma tomada de consciência coletiva quanto aos perigos da dependência tecnológica e à necessidade de estabelecer barreiras claras ao seu uso nos espaços mais sensíveis da vida quotidiana, nomeadamente no seio da família e da escola. Felizmente, começam a emergir sinais positivos de mudança, com alguns municípios e estabelecimentos de ensino em Portugal a implementarem medidas concretas de regulação e proteção digital. Cabe-nos a todos — pais, educadores, decisores políticos e cidadãos — assumir um papel ativo na construção de um futuro mais equilibrado, onde a tecnologia esteja ao serviço da humanidade e não o contrário.

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