A cada virar de esquina encontramos na região mais um gabinete de estética. A oferta de serviços é normalmente longa e entre os tratamentos mais comuns como drenagens, depilações, ou terapias diversas começaram a surgir outras novidades de forma a responder ao mercado da beleza, cada vez mais exigente. São os casos de tratamentos relacionados com as injeções de botox ou ácido hialurónico realizadas por esteticistas ou enfermeiros, quando a lei refere que apenas os médicos as podem concretizar. Marco Rocha, médico e presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Estética e Cosmética, refere ao nosso jornal, que neste momento estamos a viver “um verdadeiro problema de saúde pública” com tratamentos que correram mal porque foram feitos por pessoas não habilitadas para a função, ou que recorreram ao mercado negro para a compra das substâncias.
O Valor Local tentou perceber como funcionam estes serviços em alguns centros de estética na região. No centro do Cartaxo, um desses estabelecimentos anuncia injeções de ácido hialurónico para melhorar o aspeto dos lábios, um dos serviços mais pedidos neste tipo de estabelecimentos. Aquando do nosso telefonema, uma funcionária apressa-se a referir que o tratamento não é feito com agulhas, mas com caneta pressurizada, que “é cem por cento seguro” e feito por uma profissional, a proprietária do estabelecimento. Não é médica. “O ambiente é totalmente esterilizado e com materiais descartáveis”, assegura-nos. A disponibilidade para nos receber é total e a avaliação completamente gratuita.
No concelho de Alenquer, uma enfermeira com contacto na internet a anunciar os serviços, conta-nos que se desloca a um centro de estética e a uma clínica médica muito conhecida no centro da vila onde faz injeções de ácido hialurónico a 99 euros, “um valor promocional” – “Trata-se de uma clínica de análises clínicas e de consultas médicas, vou lá consoante marcação e disponibilidade minha e do cliente”, informa-nos.
A enfermeira mostra desenvoltura ao dar a conhecer os seus serviços, querendo evidenciar conhecimento de causa – “Normalmente preparo uma seringa com 1,2 ml de ácido hialurónico que é injetado em vários sítios onde temos rugas ou grandes depressões a nível da face, em pontos onde a pessoa precisa de atenuar ou disfarçar o máximo possível as rugas ou até criar pontos que deem maior contorno ao rosto”.
A “profissional” explica ainda que por ser a primeira vez não veremos o rosto mudar radicalmente. “Não é como se ainda tivesse 20 anos, não é?”. “Temos de explicar sempre que o ácido hialurónico vai ser em grande parte reabsorvido pelo organismo, mas depois também tem a ver com os cuidados que a pessoa demonstra a nível da hidratação para conseguir os melhores resultados. Recomendo sempre que as clientes ingiram bastante água e mantenham hábitos saudáveis”. A enfermeira em causa refere que costuma cobrar 99 euros por uma sessão de ácido hialurónico, “mas é normal que as pessoas necessitem de mais retoques”. Para uma hipotética cliente de 60 anos não aconselha o botox – “Se a pessoa já tiver muitas rugas acentuadas não vamos ver grandes resultados”. O melhor seria mesmo atalhar pelo ácido hialurónico – “que é um método pouco invasivo com pouco produto químico”. Para além do botox, e do ácido hialurónico, recorre ainda aos denominados fios PDO, que consiste “em fazer uma picada no rosto, introduzindo esses fios que têm na sua constituição, colagénio”.
“Sei de pessoas que compram essas substâncias no mercado negro, que não passam no Infarmed. Conheço quem tenha tido más experiências nesses gabinetes de estética”
Por fim o nosso jornal contactou um outro gabinete de estética na Póvoa de Santa Iria. A proprietária referiu que já disponibilizou aquele tipo de tratamentos, mas que já não o faz porque não existe legislação nesse sentido e como tal prefere recomendar os serviços de uma médica da área da medicina estética avalizada para o efeito. “Tem mesmo de ser com um médico”, diz referindo-se aos tratamentos com botox e ácido hialurónico. “Tenho colegas que continuam a fazer e a arriscar, mas já houve espaços que foram fechados”. Em junho deste ano, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) apreendeu frascos de toxina botulínica vulgo botox numa clínica em Lisboa no valor de 34 mil euros. “Sei de pessoas que compram essas substâncias no mercado negro, que não passam no Infarmed. Conheço quem tenha tido más experiências nesses gabinetes de estética”.
“Não basta chegar ali e aplicar o produto, muito menos com uma agulha, porque temos muitas artérias no nosso rosto e embora possa acontecer com um médico, é diferente se for com alguém que trabalhe num centro de estética. A médica de que lhe falo é cinco estrelas e tem trabalhos muito bem feitos”, valoriza o nosso contacto.
Sociedade Portuguesa de Medicina Estética e Cosmética quer mais regulamentação
Marco Rocha, médico e presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Estética e Cosmética, especifica que aquele tipo de procedimentos estéticos apenas pode ser praticado por um médico, pois nos casos em que ocorra “uma determinada complicação somente um clínico a poderá resolver e até prevenir”. Quando estas práticas são levadas a cabo por outros profissionais os riscos são “acrescidos”. “As pessoas entram com saúde e saem de lá sem ela. Isso pode acontecer em clínicas não inspecionadas nessa área, mas também em centros de estética por enfermeiros ou farmacêuticos”, quando esses atos devem ser exclusivamente praticados por médicos.
O especialista detalha que para se ter acesso à toxina botulínica é necessária uma prescrição médica, o que já de si é limitador, e como tal quando “existem inspeções das autoridades, fica consubstanciado o crime de usurpação de funções, quando não trabalha um médico no local e a substância em causa é encontrada”. O clínico revela que com facilidade se compra o produto em sites internacionais “de marcas não aprovadas pelo Infarmed”.
Quanto ao ácido hialurónico encontra-se recomendado para casos de harmonização facial e de preenchimento de primeiras rugas, mas comporta vários riscos associados. Pode levar, quando não aplicada devidamente, a casos de entupimento arterial, ou em última análise causar a necrose de um tecido. “Pode-se mutilar a pessoa para o resto da vida”, alerta. No caso do preenchimento labial com este produto podem ocorrer “edemas”; “compressões” e “destruição do lábio”.
O clínico considera ainda que o uso de fios PDO pode acarretar grandes riscos. Quando colocados na pele criam uma espécie de efeito lifting com o objetivo de estimular a produção de colagénio. Se manipulados de forma deficiente podem causar infeções na pele, equimoses, nódoas negras. Este é um quadro cada vez mais presente, ao ponto de todas as semanas “receber pelos menos um caso de pessoas que passaram por esses locais. Alguns conseguimos resolver com facilidade, mas noutros os danos acabam por ser irreversíveis”. Por outro lado, nem sempre esses atos lesivos acabam por ser denunciados porque “as pessoas fizeram esses tratamentos no seu cabeleireiro do costume no qual confiavam, e não se sentem confortáveis para isso, ou efetuaram os tratamentos, mas não foi passada uma fatura e não conseguem comprovar; mas também há quem tenha sofrido ameaças, porque alguns daqueles sítios já têm uma determinada escala económica e não temem qualquer afronta de ilegalidade”.
O reconhecimento da competência para este tipo de intervenções da Medicina Estética pela Ordem dos Médicos acabou, em finais do ano passado, por ser um “passo significativo” com vista à regulamentação desta área. O próximo objetivo passa pela regulamentação do ato médico em si e dos seus limites. O clínico especifica ainda que está atento ao facto de vários dentistas brasileiros em Portugal praticarem atos com vista à colocação de botox – “Não duvido que estão perfeitamente familiarizados com o manuseamento da toxina botulínica na questão do tratamento do bruxismo e conhecem a boca dos pacientes como ninguém, mas penso que seja necessário um consenso entre profissionais neste aspeto, até porque não faz sentido que a possam utilizar na parte superior do rosto”.
“É importante dizer que as pessoas têm todo o direito de quererem uma longevidade com as melhores condições de vida, mas devem confirmar se os espaços onde se dirigem são certificados pelas entidades da saúde, pesquisem sobre o nome da pessoa que vai fazer o procedimento, confirmando se é médico ou não. Não quero que as pessoas fiquem com medo deste tipo de tratamentos, mas devem procurar as condições devidas para não terem surpresas”.