Joaquim Correia Pedro nasceu em 1935 e viveu toda a vida em Abrigada. Foi preso pela PIDE quando tinha pouco mais de 20 anos e esteve na cadeia de Caxias durante 28 anos. Foi torturado e passou vários dias na enfermaria.
Não era militante do Partido Comunista, mas a PIDE acreditava que sim. Diz mesmo que foi a polícia do Estado Novo que o fez ser comunista. Era apenas simpatizante da candidatura de Humberto Delgado. Andou a colar cartazes da sua campanha em Abrigada. E um dia foi surpreendido pela Polícia Internacional de Defesa do Estado no local de trabalho, numa cerâmica que existia à época na aldeia. Queriam à força toda que confessasse que era comunista.
“O agente da PIDE que interrogou o meu colega deu-lhe uma teria de meia-noite que ele apareceu todo desfigurado, mas ainda me conseguiu dizer que porrada era com fartura!”.
Recuando aos tempos de criança, confessa que nunca gostou da escola e com pouca idade foi trabalhar no campo com o pai- “Gostava daquela galdeirice de andar a pastar as vacas no campo”. Mais tarde e já em adulto foi para a fábrica. Ganhava 20 escudos por dia. As condições de trabalho eram péssimas, e muitos homens acabaram por falecer devido à falta de proteções face às poeiras, com o aparecimento das denominadas “salicoses”. Cumpriu o serviço militar e regressou à fábrica.
“O trabalho era mal pago e violento e muita gente era contra a ditadura. Era uma autêntica escravidão”. Joaquim Correia Pedro e os colegas viam em Humberto Delgado a esperança na mudança porque uma vez presidente da República “podia demitir o Salazar”. “Vivíamos numa autêntica ditadura. Se estivessem a conversar, num passeio, três ou quatro pessoas, as autoridades interviam logo para dispersar. Não podia haver ajuntamentos”. No dia em que se colocaram os cartazes “muitas pessoas davam vivas ao Delgado”.
“Esteve 28 dias preso, quatro deles na enfermaria”.
Foi o suficiente para aparecer a PIDE na fábrica. Foi levado para Caxias com um colega. Este foi submetido a uma dura tareia, pior do que a que estava reservado a Joaquim Correia Pedro que foi sovado logo a seguir. O colega supostamente levava papéis na camisa que podiam indiciar uma ligação às forças contra o regime. Estávamos a 4 de junho de 1958. As eleições seriam dali a dias. Naqueles dias “Caxias era um mundo de gente, porque o objetivo era prender ao máximo antes das eleições”.
“O agente da PIDE que interrogou o meu colega deu-lhe uma teria de meia-noite que ele apareceu todo desfigurado, mas ainda me conseguiu dizer que porrada era com fartura!”. Quando chegou a sua vez, e como não encontraram nada na roupa, foram até sua casa para passar revista ao colchão e ao que mais houvesse. Queriam saber se tinha armas e das possíveis ligações ao PCP.
“Uma pessoa fica de tal forma carimbada com as injustiças e com a situação que se vivia”
E que papéis levava o colega que podiam indicar alguma ligação política contrária ao regime? Era nem mais nem menos que uma rifa da quermesse de umas festas que houve dias antes em Cabanas de Torres. “Os pides teimavam que aquilo eram fundos para o Partido Comunista.”
No seu caso não escapou também à fúria da PIDE. Esteve 28 dias preso, quatro deles na enfermaria. Na mesma altura a prisão de Caxias recebia ainda o ilustre preso Teófilo Carvalho, residente em Alenquer, advogado, que viria a ser presidente da assembleia municipal depois do 25 de abril e presidente da Assembleia da República.
“Estivemos na mesma cela com mais de uma dezena e meia de homens. Ele quis saber o nome de todos e a causa de cada um deles. Deu um ânimo enorme às pessoas. Era um grande comunicador e uma pessoa excelente”. Teófilo Carvalho dos Santos era o representante da campanha de Humberto Delgado para Alenquer e Sobral e esteve preso durante um dia. Viria a ser também um dos fundadores do Partido Socialista.
Depois dos 28 dias em que esteve preso, desengane-se quem pensou que ficaria por ali no seu combate político. Ainda lutou com mais força embora com todos os cuidados para não ser apanhado. Conta que chegou a ir de Abrigada a Sintra, a Lisboa ou a Almada e muitas outras cidades para participar nas ações clandestinas do Partido Comunista.
Também em Alenquer havia reuniões clandestinas “numa lateral à Romeira por exemplo”, recorda. “Uma pessoa fica de tal forma carimbada com as injustiças e com a situação que se vivia, em que por exemplo, era proibido falar da guerra colonial, que não desistia de lutar. Não se ganha medo, só cautela para não nos apanharem de novo”.
O golpe militar do 25 de abril foi na sua opinião “algo altamente planeado e estruturado” do qual “o regime já desconfiava”. Na altura da Revolução trabalhava como camionista. Ia fazer uma descarga de mercadoria a Algés. Eram 7h00 naquela manhã do dia 25 de abril de 74 mas já não foi a Algés. Andou antes “todo aquele dia e toda a noite seguinte em Lisboa” a celebrar. “Jesus foi um dia inesquecível!”. Um dia antes alguém do PCP lhe tinha dito que no dia a seguir existiria uma surpresa. Na casa de Marcelo Caetano estavam quatro pessoas à porta, duas fardadas e duas à civil como que a adivinhar o que podia acontecer no dia a seguir. Joaquim Correia Pedro teve ocasião de ver, porque estava lá por perto.
Hoje 50 anos depois, Joaquim Correia Pedro que depois do 25 de abril se filiou no PCP e que foi mais tarde vereador na Câmara de Alenquer e já neste século presidente de junta de Abrigada, considera que o país evoluiu para melhor porque a liberdade foi conquistada, mas afirma-se preocupado com o momento atual – “Vejo que as pessoas não sabem o que querem escolher. Faz-me pensar. As mentalidades estão a mudar e temo que venha por aí uma coisa má. O vice-presidente da Assembleia da República (Diogo Pacheco de Amorim, do Chega) é um bombista, só não foi condenado porque a justiça encobriu tudo”.