Vivemos uma nova realidade, novos tempos, tempos diferentes. Vivemos num período onde a realidade e a imaginação se confundem com a verdade e a mentira. Passámos a residir num mundo onde a realidade estatística, que nos fornece informação sobre a sociedade e esta serve para a tomada de decisões, não bate certo com a realidade onde as pessoas vivem.
Um dos maiores entraves ao desenvolvimento do país reside na nossa incapacidade de organização e, por consequência, de simplificação. A quantidade de estruturas existentes, cada uma com a responsabilidade de garantir uma ou mais fases de um processo burocrático, cria atrofia numa máquina que por si, já é pesada. Quando a burocracia aliada à teia legislativa e regulamentar se sobrepõe ao que deveria ser o objetivo do processo (avaliação e responsabilização das pessoas nas decisões que tomam), a anarquia e a corrupção instalam-se. Esta incapacidade de nos organizarmos tem impacto naquilo que de mais básico existe em sociedade, como é o conhecimento da realidade.
Nos últimos meses temos sido confrontados com um grande exemplo de que a realidade diverge com a perceção da mesma. Não é normal que um país desenvolvido não saiba quantos imigrantes tem no seu território, havendo diferenças entre os números de imigrantes apresentados pelo Instituto Nacional de Estatística e a AIMA (entidade que gere os processos de atribuição de vistos). É tal o impacto desta diferença estatística que a própria Faculdade de Economia da Universidade do Porto estima que o nosso nível de vida é menor do que se pensava face à União Europeia. Não é possível criarem-se respostas sociais que dignifiquem a vida de quem nos procura para ter uma vida melhor, se não soubermos o básico (quantos são, de onde vêm, onde estão e o que fazem).
Outra das perceções que temos é o confronto entre o nosso nível salarial com o nosso nível de vida. Todos nós já tivemos aquela conversa com a família e com os amigos, onde não percebemos como é que o nosso salário não permite ter uma vida digna com a emancipação que todos nós ambicionamos, quando comparado com outras realidades. Os valores das casas batem recordes, carros de gama alta são vistos em cada vez maior número nas ruas, apesar de sermos considerado um “país pobre”. Num olhar simples para as estatísticas, a Autoridade Tributária diz-nos que em 2022 foram entregues quase 4,8 milhões de declarações com rendimentos da categoria A (trabalho dependente) onde a remuneração média totaliza os 1.141 euros por mês, ao contrário do INE que nos indica que em 2022 o ganho médio mensal foi 1.368 euros. Uma diferença de 20% entre as estatísticas e o que oficialmente é declarado ao Fisco. Apesar da simplicidade da análise e como diz o povo “das três uma”: ou temos um erro estatístico, ou existe fuga aos impostos ou existe muita pobreza escondida (numa panela prestes a rebentar).
A importância de sabermos a verdade não é só pelo facto de em determinadas alturas olharmos para a televisão e percebermos que a diferença entre o que vivemos e o que ouvimos nos faz entrar numa área isotérica. Saber a verdade e a capacidade de nos organizarmos são o garante que se tomam as melhores decisões num determinado momento, de forma a resolver os problemas das pessoas e não nos surpreendermos pelos extremismos.
