A recolha seletiva de biorresíduos está a consolidar-se no concelho de Vila Franca de Xira e a atrair cada vez mais parceiros. O sistema, que já cobre cerca de 40 % dos alojamentos – sobretudo em Alverca e Póvoa de Santa Iria – conta hoje com grandes produtores, como o Hospital de Vila Franca de Xira, a cadeia Auchan e a própria Câmara Municipal. O Valor Local acompanhou uma das rotas de recolha, observando dois trabalhadores municipais a levantar baldes e um funcionário do hospital a proceder à lavagem dos contentores, num processo que procura aliar rigor sanitário e compromisso ambiental.
No Hospital de Vila Franca de Xira, a recolha arrancou a 17 de março e faz-se três vezes por semana. “É um projeto que desejávamos há muito tempo, para diminuir os resíduos de grupo 1 e 2, mais caros e complexos de tratar”, explica Inês Lucas, da equipa de gestão de resíduos.
A separação é feita exclusivamente na cozinha e no refeitório. “Nos serviços de internamento não é possível, por questões de isolamento e segurança. A matéria orgânica vem apenas da preparação e confeção das refeições e dos tabuleiros devolvidos”, descreve. De dois em dois dias, o hospital enche sete contentores de 120 litros cada. “Na segunda-feira pode haver um pouco mais, mas varia conforme as refeições do fim de semana”, acrescenta.

Ainda sem balança para pesar a fração orgânica, o hospital espera que um ano completo de recolhas permita avaliar o impacto. “Só então conseguiremos comparar 2024 com 2025 e medir a redução de resíduos hospitalares”, nota Inês Lucas. Para já, a impressão é clara: “Percebemos que há muita comida que seria desperdiçada e que agora é valorizada.”
A formação dos colaboradores é assegurada pelo Departamento de Higiene Pública da autarquia. “Sempre que a cozinha o solicita, a Câmara vem reforçar as boas práticas. O ideal seria uma formação anual”, sublinha. Os contentores são higienizados com produto específico, garantindo que não haja contaminação.
Auchan transforma restos alimentares em recurso
Também a Auchan de Alverca aderiu de forma voluntária, em setembro de 2022, muito antes de qualquer obrigação legal. “Temos como prioridade a prevenção do desperdício, encaminhando alimentos para economia circular ou doações. Ainda assim, cerca de 20 % dos nossos resíduos são biorresíduos, que separamos cuidadosamente”, refere a empresa.
Segundo a marca, a triagem abrange carne, peixe, frutas, verduras, produtos de padaria e refeições prontas. “Cada mercado transporta os biorresíduos para o contentor disponibilizado pela Câmara, sabendo que serão transformados em composto. Isso devolve nutrientes ao solo e contribui para a neutralidade carbónica”, sublinha a Auchan, que garante formação obrigatória a todos os colaboradores.
A empresa vê na parceria com a autarquia um efeito multiplicador: “O facto de os nossos trabalhadores praticarem a separação no local de trabalho incentiva-os a fazê-lo em casa, promovendo hábitos sustentáveis no quotidiano.”
Município investe e prepara alargamento
A Câmara Municipal de Vila Franca de Xira investiu cerca de dois milhões de euros para criar esta fileira, verba aplicada em viaturas específicas, contentores e campanhas de sensibilização. O financiamento contou com apoio do POSEUR e do Fundo Ambiental.
Em 2024 foram recolhidas 2 942 toneladas de resíduos urbanos biodegradáveis, das quais 842 toneladas de biorresíduos domésticos. O objetivo é alargar gradualmente a recolha a todo o território, em linha com as metas nacionais e europeias.
O presidente da Câmara, Fernando Paulo Ferreira, salienta que “Vila Franca de Xira está na linha da frente, porque ainda há muitos municípios que não conseguiram arrancar para esse processo dos biorresíduos. Nós já estamos nas duas maiores cidades em termos de habitantes do concelho e agora avançaremos paulatinamente para o restante território”.
Para o autarca, “cada vez são mais as pessoas que fazem essa separação dos seus resíduos para que os biorresíduos possam ser aproveitados para outras funções”. E deixa “uma palavra de apreço ao chamado canal Horeca, ou seja, aos restaurantes, que também são parceiros essenciais na construção desta nova solução, que é, no fundo, os resíduos de alimentos, aqueles biodegradáveis, poderem vir a ser recolhidos para se tornarem fertilizantes em atividades agrícolas ou outras”.
Sobre eventuais benefícios diretos na fatura da água, Fernando Paulo Ferreira considera que “tal como está montado, do ponto de vista legal, esse processo ainda não é possível. Mas o caminho tem de ser esse, é, no fundo, os bairros que reciclam mais poderem ter também os benefícios decorrentes disso, não na fatura da água enquanto água, mas na componente da fatura que diz respeito aos resíduos”.
A educação ambiental é outro eixo estratégico: “As nossas campanhas abrangem muito esta área da reciclagem e da reutilização, nomeadamente desde as escolas, porque estas alterações societárias fazem-se a partir da mais tenra idade. Temos projetos na reciclagem do papel, dos plásticos e hortas escolares onde se faz compostagem. O mesmo se diga relativamente à rede de hortas urbanas do concelho, são já 365, em que também colocamos elementos de compostagem.”
Um processo exigente mas com ganhos ambientais
O acompanhamento feito pelo Valor Local mostra a dimensão técnica da operação. Apesar da complexidade, “estamos a valorizar resíduos que antes seguiam para tratamento hospitalar oneroso e a reduzir a pegada ecológica”, resume Inês Lucas.
Para a Auchan, “trata-se de um compromisso sério com a valorização dos resíduos orgânicos, que apoia empregos verdes e incentiva práticas como a compostagem doméstica e a agricultura familiar”.
“Com parceiros estratégicos, investimento consistente e envolvimento comunitário crescente, Vila Franca de Xira consolida assim uma nova fileira verde”, diz a Câmara. O município reconhece que “o sucesso dependerá de manter o ritmo e de envolver cada vez mais cidadãos e empresas”.
Valorsul transforma biorresíduos em energia e fertilizante, mas desafia população a aderir
A recolha seletiva de biorresíduos alimentares e verdes ganha terreno no concelho de Vila Franca e noutros da área de abrangência da Valorsul com recolha a cargo dos municípios – porta-a-porta ou em contentores castanhos – e tratamento na Estação de Tratamento e Valorização Orgânica (ETVO). Aqui, resíduos tornam-se composto agrícola e biogás, convertido em eletricidade e vendido à rede nacional, ajudando a baixar a tarifa de resíduos.
Os produtos gerados distinguem-se pela qualidade: composto de verdes certificado para agricultura biológica, composto de restos alimentares que reforça pomares, olivais e vinhas, e biogás que reduz a pegada carbónica. A empresa sublinha que esta prática corta emissões de metano, melhora a retenção de água nos solos e transforma-os em reservatórios de carbono.
Com 52 mil toneladas processadas em 2024 e meta de 200 mil até 2030, a Valorsul investe em sensores e inteligência artificial, mas alerta: só com maior participação de cidadãos, empresas e restauração será possível cumprir as metas nacionais de valorização orgânica.