Alverca chegou a estar durante muito pouco tempo em cima da mesa no trabalho da CTI, que a descartou logo numa fase inicial. Foi apresentada em 2019 por um conjunto de especialistas, mas nunca teve o acolhimento desejado. António Carmona Rodrigues, também antigo ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação do Governo PSD de Durão Barroso, em entrevista ao Valor Local, também coloca o dedo na ferida quanto ao trabalho da CTI. Na segunda metade do ano passado, o também ex-presidente da Câmara de Lisboa, engenheiro e especialista em aeroportos, e um conjunto de outros especialistas que defendiam a opção Alverca em carta aberta dirigida à CTI deram conta do seu descontentamento. A ideia passava pela conversão do Mouchão da Póvoa para uso do futuro aeroporto que serviria de complemento à Portela num investimento de 1500 mil milhões de euros, um tráfego de 75 milhões de passageiros, 500 mil movimentos anuais.
Contudo o contributo deste grupo de estudo foi também inscrito, na passada sexta-feira, na Consulta Pública que esteve online em Aeroparticipa.pt onde “foram refutadas as quatro razões da CTI para ter colocado de lado o nosso projeto”, em que foram evocados fatores ambientais, de ruído, da localização no mouchão e que “são factualmente errados na nossa opinião”. O trabalho e muitos dos aspetos focados pela CTI “não passam de uma falácia”.
Carmona Rodrigues considera que o relatório da comissão “tem grandes fragilidades e inconsistências” em vários domínios, o que resultou “num processo pouco coerente”. Apesar de se esperar uma solução célere quanto à localização do aeroporto, o especialista considera que antes do verão não deverá existir anúncios, até porque ainda existem pedras na engrenagem, nomeadamente, dado que a Vinci/ANA não é apologista do Campo de Tiro de Alcochete, e in extremis pode interferir com o contrato de concessão se o braço de ferro estiver para durar.
Para quem, de uma forma ou de outra, possa estranhar a execução de uma proposta de aeroporto no muito saturado Mouchão da Póvoa que se debate com graves problemas ambientais, e que ao longo dos anos tem sofrido um grave rombo na sua estrutura, Carmona Rodrigues acaba por desdramatizar. Apesar de esta ser uma das ilhotas ao largo do concelho de Vila Franca que se encontra presa por arames por assim dizer, “teria capacidade suficiente para receber a carga de um aeroporto através de um enchimento de terra ou de areia para subir a cota com os materiais resultantes das escavações previstas no porto de Lisboa, no leito do fundo do Tejo, tendo em vista aquele projeto que pretende levar as barcaças até à plataforma da Castanheira do Ribatejo”. Mas esta é uma oportunidade que se perdeu com a decisão da CTI. A ideia passava pela construção de uma pista e que não entraria em colisão com a Portela, que passaria a receber menos voos. O ruído também “seria diminuto para Alverca” porque “se faz no alinhamento da pista e não para os lados”, contestando assim a conclusão da CTI que falava nessa componente e o facto de poder afetar mais de 6 mil pessoas.
O especialista acaba por concordar em parte com João Cravinho que o Campo de Tiro de Alcochete convém “a determinados interesses económicos”. Mas esta apresentação de um estudo por parte da equipa de Carmona Rodrigues não aqueceu nem arrefeceu os ânimos dos autarcas do concelho de Vila Franca de Xira. O próprio presidente da Câmara, Fernando Paulo Ferreira, afastou essa ideia bem como o presidente da junta de Alverca/Sobralinho, Cláudio Lotra. Carmona Rodrigues lembra que a antiga presidente da Câmara, Maria da Luz Rosinha, defendeu esta solução no passado. “As coisas evoluem ao sabor das conveniências. Seria de esperar um interesse dos autarcas atuais, mas se calhar há razões políticas que estão por trás desse alinhamento”, limita-se a dizer.
A solução Alverca não perdia da linha de vista a necessidade de se tornar um hub intercontinental, ou seja, servir de escala entre voos com outro destino final que não Portugal, “mas isso não se faz por decreto, é preciso que haja realmente interesse das companhias”. Por outro lado, esta CTI “estima um total de movimentos aéreos muito superior ao de outros aeroportos europeus que têm mais população que o nosso país e com maior capacidade económica”, ou seja, “há aqui uma perspetiva errada de evolução”. “Não há hotéis no país para acomodar 30 milhões de passageiros por ano”.
Carmona Rodrigues vaticina – “Possivelmente com o aumento da capacidade da Portela em 10 por cento até que consigam ter o novo aeroporto a funcionar, vamos ficar com a Portela mais 50 anos, porque a própria Vinci se calhar nem quer sair de lá”. Quando abordamos as hipóteses Montijo e Santarém que também chegaram a ser bastante faladas, sendo que mais recentemente um dos interlocutores do projeto em Santarém já disse que ia tentar mudar a orientação das pistas, conforme sugerido por Rosário Partidário, para entrar de novo na corrida, Carmona Rodrigues mostra-se cético. No seu entender Montijo teria conflitos de navegação aérea com a Portela, ao contrário de Alverca. Já Santarém “tem ali ao pé a base de Monte Real que também pode ser algo complicado e depois é muito longe. Dizem que podem colocar um shuttle que diminuirá para 30 minutos a distância para Lisboa, mas isso é mentira”. Sem querer fazer mais prognósticos, Carmona Rodrigues evidencia a sua preocupação pois nos contactos que teve com os mais diversos intérpretes políticos atuais ou outros que possam vir a surgir “existe um enorme desconhecimento do que está em cima da mesa”.
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