A família de Soraia, a jovem que deu à luz na rua, no Carregado, na manhã de 11 de agosto, pondera avançar com uma ação judicial contra o Estado. A revelação foi feita ao jornal Valor Local pela mãe da jovem, Isabel Moreira, que lamenta profundamente a forma como tudo aconteceu e, mais ainda, o que veio depois: “Nem um telefonema. Nem um pedido de desculpas de qualquer entidade.”
Segundo Isabel, a filha ficou “à mercê” de um sistema que falhou em vários momentos críticos, deixando-a num estado de fragilidade física e emocional. Para a família, o silêncio institucional e a ausência de qualquer contacto por parte dos organismos de saúde “são tão graves quanto o próprio erro no socorro”, e alimentam a revolta por uma situação que poderia ter tido consequências muito mais trágicas. Revela que a jovem mãe e a sua filha estão bem, mas segundo Isabel Moreira, Soraia está afetada psicologicamente com toda a situação.
O que aconteceu naquela manhã
Soraia encontrava-se com os pais numa pastelaria local quando começou a sentir contrações. Após contactar o SNS24, a família recebeu a indicação para ir de carro até ao hospital. Dada a evolução rápida do parto, foi feita uma chamada ao 112, mas o socorro tardou e, para espanto dos presentes, a chamada de emergência foi atendida em inglês. O parto acabou por acontecer ali mesmo, em plena via pública, com a ajuda de uma enfermeira que por ali passava, um médico residente nas imediações e os próprios pais.
O caso gerou uma onda de indignação nacional. A ministra da Saúde, Ana Paula Martins, ordenou de imediato a abertura de um inquérito à Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), para averiguar responsabilidades na falha de atendimento. Em paralelo, os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) reconheceram que um erro humano no algoritmo do SNS24 impediu a passagem da chamada ao INEM — erro que está agora sob avaliação interna.
A Ordem dos Médicos classificou o episódio como “inadmissível” e pediu esclarecimentos urgentes ao Ministério da Saúde, SNS e INEM, referindo-se ao caso como um sintoma de um sistema “que não está a cumprir com a sua missão primordial: proteger a vida.”
O parto em condições precárias, num passeio público, deixou marcas profundas não só em Soraia e na sua família, mas também na confiança da população no Serviço Nacional de Saúde. O caso trouxe à tona falhas em cadeia, desde a triagem da Linha SNS24, passando pela comunicação deficiente do CODU, até à resposta dos serviços locais de saúde.
Apesar das promessas de reforço e correções sistémicas, a família diz sentir-se “invisível” após o incidente. Segundo Isabel Moreira, “o mínimo seria um pedido de desculpas. Nem isso tivemos.”
Face à ausência de responsabilização imediata, a família avança agora com a possibilidade de agir judicialmente contra o Estado, numa tentativa de obter justiça — não só pelo que aconteceu a Soraia, mas para que nenhuma outra grávida tenha de passar por algo semelhante.