Nos 50 anos do 25 de Abril, o Valor Local mergulha nos jornais que existiam à época nos concelhos de Alenquer, Azambuja e Vila Franca de Xira. O antes e depois da Revolução na forma como escreviam e retratavam os acontecimentos.
O jornal Verdade, depois Nova Verdade, e Ecos de Alenquer eram os jornais à época no concelho de Alenquer. Numa visita guiada pelas páginas dos dois jornais nos dias que antecederam a Revolução e à posteriori, é um Portugal inteiro que muda, e o jornalismo rapidamente se adapta ao pós censura. Filipe Rogeiro, historiador do município, dá conta que o dia da Revolução não terá sido especialmente vivido no concelho, ou pelo menos disso não há documentos físicos, mas sim o Primeiro de Maio- Dia do Trabalhador, alvo de notícia na imprensa local da época.
Os dias que se seguiram à Revolução foram frenéticos em Alenquer, com a realização de comícios e a implementação de uma nova organização administrativa no concelho, com o saneamento da Câmara e dos seus elementos do Estado Novo, e a substituição pelos novos representantes do povo. Teófilo Carvalho dos Santos, advogado e combatente do Estado Novo, que viria a ser presidente da Assembleia Municipal de Alenquer, foi um dos nomes que esteve na linha da frente ao aconselhar os elementos da Câmara a desistirem dos seus lugares face à nova realidade. “Tudo o que se seguiu com estas transformações no território foi de forma muito espontânea, em plenários, em regime de braço no ar”, acrescenta Filipe Rogeiro. Rapidamente há quem opte por tomar posição política seja no Partido Comunista, no Partido Socialista ou no Movimento Democrático Português. Francisco Vasques Ferreira foi presidente da primeira comissão administrativa. Álvaro Pedro vence as primeiras eleições autárquicas livres de 1976.
Filipe Rogeiro dá a conhecer os primeiros artigos pós-revolução com a notícia dos acontecimentos de 9 de maio com o saneamento do executivo do Estado Novo, e do seu presidente, João Mário de Oliveira. Foram notícia ainda a reunião plenária nas instalações do Sport Lisboa e Benfica de 19 de maio com fotografias do acontecimento. Ainda no mês de maio de 74, a comissão administrativa dá uma primeira entrevista ao Nova Verdade. “Basicamente é dito que estão na Câmara não para governar o concelho, mas para assegurar uma transição”. Com a saída da censura, o jornalismo adapta-se “e o formalismo e o conservadorismo do Estado Novo tendem a esbater-se” nas páginas dos jornais do concelho de Alenquer. “Havia uma forma de tratamento diferenciada das pessoas entre as que tinham mais fortuna e as que não tinham” e isso era visível na imprensa. “Quem ler os jornais de março de 74 e os de maio de 74 nota logo a queda desse tipo de discurso”.
Antes do 25 de abril, o Verdade, nome que vigorou até ao 25 de abril, numa das últimas edições antes daquela data, continha textos como “a mulher ideal” que aludia a um concurso levado a cabo pela revista “Donas de Casa”. As concorrentes tinham de saber “cozinhar, cuidar da casa, coser à máquina e tricotar à mão, ter cultura geral e agradável aspeto físico”. Noutro espaço da mesma edição apresentava-se a notícia “boatos e boatejos”, “que podia estar já relacionada com o “Golpe das Caldas”, segundo Filipe Rogeiro.
Ao mesmo tempo e menos conservador tínhamos o Ecos de Alenquer que tentava arriscar mais quando o lápis azul ainda imperava. “Não procurando temas completamente provocatórios não estava na linha do género mais conservador da Verdade, que era mais elogioso e de comprometimento total com o Estado Novo”. Isso nota-se também na crítica ao trabalho do município. Lê-se na antecâmara da Revolução notícias que dão conta que “há estradas por arranjar” e “que urge fazer algo pelo Museu Hipólito Cabaço”. Foram escritas por Salcedas Rogeiro, pai do historiador. “São coisas que constrangiam a Câmara. A Verdade não fazia perguntas à autarquia. São notícias que estavam no limite do tolerável à época. Isto custou-lhe por exemplo cortar relações com o presidente da Câmara, João Mário, que durou ainda muitos anos”.
Nos alvores do 25 de abril há notícias de movimentos de trabalhadores nas empresas, da presença de Mário Soares num jantar em Alenquer. As mentalidades foram mudando também, mas “em muitas famílias havia quem pensasse de forma diferente, o que era normal, porque os mais velhos nunca tinham conhecido outra realidade”. Essa clivagem talvez menos estudada teve o seu impacto nas gerações à época. Cláudia Luís, vereadora da Cultura na Câmara de Alenquer, refere que o município “está a preparar um programa muito completo na comemoração dos 50 anos do 25 de abril e que abrange várias faixas etárias, sobretudo os mais jovens que vêm esta data como um mero feriado”.
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