O aspeto delicado e ainda de menina escondem uma mulher que é das maiores no desporto de combate em Portugal. Matilde Rodrigues, tem 20 anos, é atleta da Sociedade Recreativa de Cheganças e chegou a vice-campeã mundial da modalidade na sua categoria. Mais do que uma promessa é uma certeza do Muay Thay no nosso país. Nas últimas semanas, Matilde Rodrigues fez história para Portugal e para o concelho de Alenquer ao sagrar-se campeã do Mundo de kickboxing, em Viena, na Áustria. A atleta alenquerense, de apenas 20 anos, somou mais uma notável conquista, na categoria K-1, ao rol de triunfos que já contempla na ainda curta carreira.
O Valor Local acompanhou os treinos da atleta naquela coletividade do concelho de Alenquer. Sempre muito impulsionada pelo treinador Sandro Tordo, também ele um ex-praticante de desportos de combate, Matilde mostra que nesta altura está em excelente forma física. Sempre muito combativa na forma como encara os treinos, a atleta conta que tudo começou aos 12 anos quando se inscreveu no Kickboxing. Ver filmes como o Karaté Kid ou Velocidade Furiosa inspiraram-na. Nunca se viu a praticar outro desporto embora tenha feito equitação e atletismo, mas apenas durante um mês.
Inicialmente, o grande sonho era ser campeã nacional de Muay Thay. Já o conseguiu em anos sucessivos. Matilde Rodrigues compete na categoria (menos 57 quilos) num desporto que tem granjeado muitos praticantes em Portugal. Também designado como a “Arte das 8 Armas”, pois pressupõe o uso combinado de punhos, cotovelos, joelhos, canelas e pés, é o desporto mais praticado na Tailândia, onde nasceu. Matilde já foi várias vezes campeã nacional, e atualmente acaba por participar sobretudo em campeonatos internacionais onde o nível de exigência é superior. Treinar este desporto não traz apenas responsabilidade. “Sentimo-nos mais confiantes e soltos”. A atleta dedica cerca de uma hora diária ao treino quando não é altura de competições, mas chega quase a três horas quando tem provas em vista. Neste como noutros desportos, treina-se mais lá fora. Os atletas conseguem patrocínios para se dedicarem quase em exclusivo ao Muay Thay. Matilde Rodrigues está a estudar e a tirar um curso superior de Nutrição e Dietética em simultâneo.
Treinador diz que atleta tem qualidades incríveis
Sandro Tordo, treinador da Matilde, lembra-se bem quando a Matilde apareceu na coletividade – “A pedir desculpa por tudo e por nada, mas com garra, com muita vontade de não desistir”. As qualidades físicas da atleta são notórias, mas acredita que sobressai em relação às rivais principalmente pelo “seu grande coração”, “pela sua força anímica”. “Ela está com 20 anos, e ainda tem muito para progredir. É um bocadinho energética demais, por vezes”.
Por isso ter conseguido chegar ao topo do desporto a nível internacional com o título de vice-campeã da Taça do Mundo e dos Jogos Europeus acaba por ser um feito para esta atleta em comparação com as demais. Outros atletas portugueses têm também conquistado pódios nesta modalidade, que ainda não é olímpica, mas tudo aponta nesse sentido para 2028 em Los Angeles, sendo que este ano esteve em demonstração em Paris durante mais umas Olimpíadas. “Conseguimos um campeão, o Gonçalo Mendes, que foi medalha de ouro num escalão de elite”, informa a atleta.
Quanto a si também está em busca do ouro – “Gostava de poder jogar contra várias das minhas adversárias porque no campeonato perdi muitas vezes na final, e ultimamente tenho tido muitas medalhas de prata, o que é bom, mas perco sempre, não é?”, acaba por lamentar-se.
O eco que ressoa no ringue aquando dos treinos chega a ser assustador tal a força da atleta, mas acredita que se fosse na rua facilmente podia ser neutralizada por um homem de maior tamanho. “Tenho apenas 60 quilos. É uma diferença de potência muito grande. Posso dar um golpe e fugir.”, ri-se.
O caso da atleta Imane Khelif
Durante os Jogos Olímpicos esteve em evidência o caso da lutadora de boxe argelina, Imane Khelif que foi autorizada a competir quando antes tinha sido banida da Federação Internacional de Boxe por ter níveis elevados de testosterona. Matilde Rodrigues desconhece casos destes no seu desporto, mas considera que a atleta deve fazer por controlar os níveis daquele hormônio geralmente associado ao sexo masculino, mas que também existe na mulher, de forma a não ficar em situação de superioridade. “Apesar dela não ter a culpa, é uma mais-valia”.
Na coletividade há cerca de 50 praticantes, mas Matilde acredita que não é fácil motivar os mais jovens para seguirem uma carreira neste desporto. “Muitas pessoas da minha idade não estão disponíveis para se sacrificarem, a deixar de ir aqui ou ali, ou a deixar de sair à noite. Temos ainda de perder peso em prol do desporto”.
“Este é um desporto que provoca muitas lesões, e bastante dor. Antigamente dizia-se que não era para meninas, mas nesta altura elas estão em ótima forma, tão bem como eles. É uma modalidade agressiva, não se pode dizer o contrário”, acrescenta o treinador. Sandro Tordo ainda se lembra dos primeiros tempos dos desportos de combate há 15, 20 anos, sem rei nem roque, sem qualquer tipo de regras, ou desportivismo. Hoje é bem diferente.
Lá fora este desporto já se situa noutro patamar – “São países que trabalham mesmo muito bem, que começam a preparar os campeonatos com estágios. Vão buscar treinadores à Tailândia”, acrescenta o treinador. Já em Alenquer como noutros locais do país neste desporto “faz-se omeletes sem ovos”. Quando chegam lá fora, treinador e atleta têm das melhores do mundo à espera, mas como em tudo na vida, o fator sorte é determinante – “Por vezes pode calhar no início a campeã do mundo e é logo uma final antecipada, mas a Matilde quando vai para competição muda o chip, porque sente-se muito mais motivada. Ela aqui treina bem, é muito forte, mas é mais feminina aqui. Quando o cenário muda, ela vai com tudo. Só pensa em combater”.