Delzoita Vieira dos Santos é uma cidadã imigrante brasileira que pela primeira vez frequentou a vídeoconsulta. Residente no Carregado há vários anos, há quatro que era doente ostomizada em virtude de uma diverticulite. Delzoita conta à nossa reportagem, no final da consulta, que nunca perdeu a esperança de voltar a ser completamente autónoma sem necessidade de um saco para as fezes. A intervenção cirúrgica derradeira, depois de muitas que levou a cabo em Portugal, conseguiu no seu país de origem. Em redor do seu caso reuniu-se uma equipa de vários cirurgiões que a acompanhou ao longo de nove meses. Recuperou totalmente. Para trás, em todo este processo no âmbito desta doença, houve três dias em que ficou em coma e chegou a perder parte do intestino. Felicíssima, até porque conseguiu voltar a ter uma vida normal, queria mostrar o resultado a um dos clínicos que ainda dá consulta presencialmente neste centro de saúde, face à carência de médicos de família, e que chegou a atendê-la antes da operação. Acabou por o fazer na teleconsulta. Agradou-lhe bastante o contacto com o doutor Pedro Silvares, que atende a partir do Porto. Nesta altura apenas exerce a sua profissão em modo de teleconsulta.
Utente do centro de saúde há 19 anos refere que sempre teve médicos “maravilhosos”, mas que o tratamento a que se submeteu apenas o conseguiu no Brasil. “Era ostomizada e glória a Deus consegui tirar a bolsa”. Foram oito cirurgias antes de ir ao Brasil. Nunca perdeu a esperança. Delzoita tem 65 anos e ainda muito para viver. “Fiz mais duas cirurgias no Brasil, e na semana passada regressei a Portugal e queria muito vir aqui dar notícias. Nunca tinha experimentado uma consulta por videoconferência, mas o médico foi maravilhoso e considero ter sido um sucesso. Fui atendida lindamente”. A utente considera que esta é uma boa opção para quem não tem médico de família e não se importa de continuar a ser seguida por vídeoconsulta. “Penso que tem tudo para dar certo!”, não tem dúvidas em referir à nossa reportagem que se desenrola num dos corredores da unidade de saúde em causa.
A dada altura chega o médico que Delzoita queria ver pessoalmente. Foi quem a seguiu nos últimos tempos. Muito animada e satisfeita conta do sucesso da operação. Ficou 9 meses no Brasil para conseguir ser operada. O médico Alfonso Graffe também feliz pelo sucesso da paciente, combina que um destes dias a receberá no consultório para verificar da cicatrização. À nossa reportagem, o clínico diz que veio dar consultas em 2019 para o centro de saúde do Carregado numa altura em que já não havia médicos de família, e que é o único a dar consultas a tempo inteiro. Com uma população de 12 mil pessoas segundo os Censos, os clínicos das teleconsultas vieram dar “uma boa ajuda”.
O clínico que estava a dar teleconsulta no dia da nossa reportagem, Pedro Silvares, faz também um balanço positivo desta modalidade que começou há escassas semanas. O Carregado é uma das localidades mais povoadas no âmbito da Unidade Local de Saúde do Estuário (ULS) do Tejo e a escassez de médicos de família tem sido um flagelo. O programa Bata Branca em que os médicos dão consulta fora do expediente normal de trabalho e as teleconsultas são um balão de oxigénio nesta localidade cujo número de população está a rebentar pelas costuras. Principalmente, destaca que “as vídeoconsultas vieram ajudar naquilo que é o controle das doenças crónicas”, apesar de a “telemedicina ter as suas limitações no que respeita a um exame físico completo”, sendo que “a colaboração do enfermeiro é fundamental”. Contudo se as queixas do utente assim o indicarem “pode ser canalizado para uma consulta física ou numa situação aguda para o hospital”. A dar consultas também noutras unidades afetas à ULS Tejo, o clínico determina que “em cerca de 5000 consultas que já tiveram lugar, é bastante baixo o número de doentes que seguiram para atendimento presencial”. No mesmo dia, Pedro Silvares pode estar em vídeoconsulta em contacto com utentes “do Forte da Casa, Benavente ou Carregado”, só para dar um exemplo. “O futuro pode passar por aqui, não será a solução ideal, no entanto começa a ser algo idílico pensar-se que se pode assegurar médico de família para toda a gente”, constata.
Outra das utentes ouvida pela nossa reportagem foi Rosa Maria que veio acompanhada da filha, Sílvia Viçoso. Passaram-se muitos anos até ao dia em que finalmente entrou neste centro de saúde para ter consulta. Foi uma vídeoconsulta, “mas é melhor do que não ter nada”, diz de forma extrovertida, embora não deixe de referir que “nada substitui uma consulta presencial”. Desde a pandemia que não tinha médico de família. Antes desta consulta a qual já vinha a aguardar há algum tempo, teve de “gastar muito dinheiro” no privado, porque pura e simplesmente não conseguia ser atendida no público. “A minha mãe agora vai passar a ser seguida novamente no centro de saúde, mesmo que em teleconsulta, já não se justifica continuar a pagar no privado”.
Anita Silva é a enfermeira a quem cabe fazer uma consulta de enfermagem aos utentes. Aceitou o desafio e está desde maio a dar apoio à teleconsulta. A profissional mede a tensão, e pesa os utentes, que no geral estão a dar um feedback “muito bom” a esta medida da qual lançou mão a unidade local de saúde. Tem sido possível perceber que muitos dos utentes não conseguiam ir ao médico antes. Há quem necessite como de pão para a boca de fazer exames e outros têm exames para mostrar que estavam no fundo de uma gaveta lá em casa. Foram anos sem médico de família e sem consultas nesta extensão de saúde. “As pessoas ficam sempre apreensivas porque vão falar com uma pessoa que está numa televisão, mas sinceramente nunca presenciei nenhum comentário negativo, e olhe que há pessoas que chegam aqui com duas pedras na mão antes da vídeoconsulta, e depois pedem desculpa”. Outras “chegam aqui nervosíssimas porque há muito tempo que não tinham uma consulta”. Este centro de saúde tem estado a chamar utentes que há muito estavam em lista de espera, mas “quem regra geral liga hoje para novas consultas, o tempo de espera máximo é de dois dias”.
Enfermeira há 38 anos, Anita Silva passou 25 anos no serviço de urgência de vários hospitais, primeiro no Barreiro e mais tarde em Vila Franca de Xira. O trabalho que agora tem entre mãos é um desafio, mas a sua “praia” como diz é a reabilitação de doentes nos cuidados ao domicílio, mas por questões de saúde está a cumprir esta tarefa no Carregado. “Temos tido um feedback muitíssimo bom por parte das pessoas e sinceramente acho que consigo fazer a diferença na vida dos utentes naquilo que é o meu trabalho”. Com a pandemia e a grande carência de médicos de família na região, a maioria das pessoas “nem fazia ideia onde é que tinha ido parar a sua saúde”, ilustra. “Agora as pessoas têm uma resposta”, atesta.
Em Benavente as teleconsultas também são bem-vindas
Ainda não são 11 horas da manhã, mas a sala de espera do centro de saúde de Benavente já está composta. Os utentes agora já não vêm à sorte, na esperança de uma consulta através do Serviço de Atendimento Permanente (SAP), mas correndo o risco de o médico não passar exames, ou não poder atender. Com hora marcada e médico atribuído é com tranquilidade que aguardam pela vez. Muitas destas pessoas já estão à espera de consulta há meses. O centro de saúde local há anos que não consegue fixar médicos de família. Apenas de forma temporária tem conseguido clínicos, nem através do Bata Branca a sede de concelho tem visto grandes melhorias. As teleconsultas são por isso bem-vindas. Com 19 anos, Bianca Rocha mostrava-se antes da consulta, junto da nossa reportagem, como “bastante tranquila”. Sendo jovem está mais habituada a estas coisas das novas tecnologias. A consulta estava marcada há umas semanas. “Para já está tudo a fluir bem. Já fui atendida pela enfermeira que me fez algumas perguntas”. Outras utentes ouvidas pela nossa reportagem, Ana Barros e Cândida Francisco, testemunhavam a rapidez do processo. Quanto à consulta em si não denotavam apreensão.
A dar consulta a partir de Coimbra, Rita Aguiar Fonseca era a médica de serviço nas teleconsultas no dia da nossa reportagem. Para a profissional a escassez de médicos na região de Lisboa e Vale do Tejo, é uma realidade pelo que esta modalidade de consultas é um balão de oxigénio. No seu ponto de vista, o balanço “é muito positivo”, e a população de Benavente, neste caso, tem-se adaptado bem, quer “os mais jovens que estão mais habituados às novas tecnologias, quer os mais velhos que ficam muito gratos por os atendermos”. Quanto aos casos em que é necessário o exame físico, Rita Aguiar Fonseca explica que a unidade de saúde em causa está articulada e que pode a qualquer momento enviar doentes para a urgência, se for o caso.
Voltámos a encontrar Bianca Rocha no fim da consulta. Quanto ao balanço é positivo, apesar de a ligação online ter registado algumas dificuldades, mas que não foram especial obstáculo. “No geral penso que foi muito bom. É algo inovador e fui bem atendida”.
Para a enfermeira Célia Rodrigues que presta apoio às vídeoconsultas em Benavente, estas têm sido “corrido bem”. Cabe-lhe a si fazer a validação do motivo de consulta do utente, medir os parâmetros vitais, e ver o boletim de vacinas. “Penso que os utentes têm ficado muito satisfeitos quer com a consulta de enfermagem, quer com a teleconsulta”.