A realização de novas eleições que garantem uma mudança governativa, introduz a expectativa de um período de renovação. Com um novo Parlamento e por consequência um novo Governo, esperaríamos uma renovação de ideias e a definição de novos desígnios para nos mobilizarmos enquanto povo.
Ao lermos o programa de Governo e assistirmos à discussão do mesmo, verificamos a falta de ambição que nos caracteriza enquanto povo e que se torna evidente nos nossos governantes. A incapacidade de olharmos para os problemas de uma forma séria e fria, de encontrarmos soluções “fora da caixa”, mas e acima de tudo, a incapacidade de agirmos e decidirmos sobre os assuntos.
Nada existe de mais urgente no nosso país que a resolução do problema relativo aos rendimentos das pessoas. Nenhum outro problema tem um caráter tão prioritário, sem que de uma vez por todas tenhamos pessoas que ganhem o suficiente pela responsabilidade do seu trabalho e que garanta a vida digna que merecem.
Na economia não existem dúvidas sobre duas coisas: quem cria riqueza é o setor privado e quem cria as condições para se criar riqueza é o setor público. Um não vive sem o outro, nem um pode substituir o outro. É altura de deixarmos as desculpas da produtividade, dos problemas estruturais da economia e das supostas “discussões” eternas sobre assuntos vitais ao desenvolvimento do nosso país. Ideias essas que continuam a sustentar que os salários não podem aumentar e que a culpa da nossa suposta estagnação é dos trabalhadores.
Uma empresa que não consegue pagar um salário digno a um trabalhador, é uma empresa que não se consegue vender de uma forma eficaz e gerar valor para a economia. Uma empresa que não consegue gerar valor, será sempre uma empresa precária (a prazo).
Necessitamos de ter a ambição de chegar a médio prazo (3 a 4 anos) aos 2.000 euros de salário médio bruto. Através de mecanismos fiscais sob a forma de uma redução do IRS significativa, os 1,3 mil milhões de euros concretizados para 2024 (pelo governo anterior) são um bom princípio, apesar de ter a opinião que este valor pode ser triplicado num curto espaço de tempo. Atuando em simultâneo, como meio de combate à evasão fiscal. Se o Estado reduzir a carga fiscal, nós enquanto cidadãos temos a obrigação de contribuir para esse mesmo Estado (ao invés de continuarmos com a competição nacional da Fuga ao Fisco). Juntando ao IRS, uma verdadeira reforma do imposto sobre as empresas (IRC) que resulte na sua simplificação, passando pela extinção de todos os benefícios fiscais deste imposto e a utilização do ganho fiscal, que daí resulta, para reduzir a sua taxa efetiva.
Precisamos de uma verdadeira política de rendimentos para o País. As pensões têm de subir acima da inflação durante, pelo menos, uma década para que os mais velhos possam ter a última etapa da vida tranquila e digna. As empresas têm de sacrificar a distribuição de resultados para fixação de talentos, só com salários maiores é que podem garantir lucros futuros superiores. Mas o Estado também tem de fazer o seu papel enquanto empregador e pode fazer muito. Pode acabar com os suplementos remuneratórios incorporando-os no valor da remuneração base, pode reduzir o número de níveis das carreiras para que as progressões sejam efetivas e sentidas no bolso dos trabalhadores, pode acabar com o desconto para a ADSE no subsídio de férias e de Natal, para além de aumentos salariais efetivos e acima da inflação.
Sem mais ambição nos rendimentos, nunca poderemos ter meios financeiros e humanos com as forças anímicas suficientes para resolver os problemas nos serviços públicos, na educação, na saúde e na habitação.