Elisabetta Fiocchi é uma investigadora italiana que esteve recentemente em Azambuja num seminário que decorreu sobre o Tejo. Do seu trabalho consta um paralelo que efetuou no cruzamento de aspetos semelhantes na construção e gestão do curso de água conhecido como Vala de Azambuja através da denominada Companhia dos Canaes d’Azambuja e as zonas do norte de Itália como Piemonte e Lombardia com o seu modelo de gestão da água. À época, em 1845, houve um intercâmbio de conhecimentos entre Itália e Portugal no desenhar da Vala. 179 anos depois pode ser a altura de os dois países poderem voltar a estudar soluções semelhantes face ao fenómeno das alterações climáticas e o seu impacto na água e na agricultura “através da procura de técnicas mais sustentáveis”, refere a estudiosa entrevistada pelo Valor Local.
No século XIX um dos mais importantes conselheiros do Rei Carlos Alberto, de Itália, e advogado de profissão criou as bases no domínio do Direito das Águas. A região de Novara “é, por exemplo, historicamente famosa pela cultura do arroz e pela presença de numerosos cursos de água artificiais e naturais”, relata. A gestão dos recursos hídricos, as questões relativas à passagem da água em terrenos alheios, a sua utilização, a organização da rede de canais e a criação de consórcios entre os utilizadores da água de rega “eram e são questões fundamentais para as cidades e províncias onde tudo se centra na agricultura e na indústria”, descreve aludindo à semelhança entre Novara e Azambuja naqueles aspetos. Giovanetti conseguiu transpor a sua experiência profissional para o Direito e distinguiu-se pela sua contribuição fundamental para os artigos sobre a água do Código Civil da Saboia de 1837. A fama de Giovanetti ultrapassou as fronteiras do Piemonte. Chegou a Portugal, onde em 1945 teve o seu encontro com António José de Ávila nomeado especial dos Canaes d’Azambuja. O objetivo do português era encontrar juristas e engenheiros que pudessem ajudar a Companhia portuguesa nas obras de canalização em Azambuja. O português viu em Itália “a eficiência da rede hídrica existente, os canais de irrigação e navegáveis dos Navigli”. Foi naquele país que conheceu o engenheiro Giulio Sarti a quem confiou o projeto e a construção de um troço da Vala d’Azambuja”.
“A Vala, com o seu património histórico e natural, representa um caso de estudo muito interessante para os estudiosos portugueses, mas também, como eu, para os estudiosos italianos. De facto, o estudo do rio Tejo, da rede de canais e da Vala d’Azambuja são temas que podem ser investigados numa perspetiva interdisciplinar e transnacional e isso permite, como acontecia no século XIX, encurtar distâncias, colaborando na resolução de problemas de gestão da água e do território comuns a outros contextos”, expressa.
Hoje em dia, os cursos de água em Itália e Portugal enfrentam problemas semelhantes e o intercâmbio de especialistas pode voltar a fazer sentido. “Também em Itália, as alterações climáticas, a poluição da água e a presença crescente de espécies animais alóctones representam uma séria ameaça para o ecossistema natural, com repercussões significativas também para a saúde humana.”, descreve o quadro em todo parecido com o que se vive atualmente no Tejo.
“Em vez da abundância de água que caracterizava essas zonas, deparamo-nos hoje com uma seca e uma crise hídrica com consequências ambientais importantes. É necessário repensar a agricultura e, de um modo mais geral, a gestão do território, redescobrindo e aprendendo com o passado. Por exemplo, procurar uma maior rotação de culturas cerealíferas, em vez de uma cultura intensiva de arroz, a fim de garantir a sustentabilidade ambiental. É necessário visar a recuperação de áreas florestais ou de plantações de choupos que, nos últimos tempos, foram transformadas em terras utilizadas exclusivamente para cereais: isto contribuiria não só para a biodiversidade, mas também para a poupança de água. É necessário investir numa limpeza profunda e periódica dos cursos de água, canais e valas, com a concomitante plantação de árvores que possam evitar deslizamentos de terras, ajudar a manter a estabilidade das margens e contribuir também para o escoamento da água.”
Num mundo cada vez mais globalizado e interligado, “também a gestão do território deve ser enquadrada globalmente e, como já acontecia no século XIX com esta colaboração ítalo-portuguesa, devem ser favorecidos os intercâmbios científicos para encontrar soluções nos diferentes territórios.”