É segunda-feira, dia de videoconsulta ao domicílio da Unidade Local de Saúde do Estuário do Tejo no concelho de Benavente. Justino Cabanas, um octogenário a caminho dos 90 anos, recebe-nos com simpatia. A equipa é composta por uma equipa externa contratada pela ULS formada pela enfermeira Bruna Peredo, pela assistente operacional Daniela Coelho, e neste dia pelo enfermeiro responsável, Rafael Pereira. A consulta está quase a começar, mas antes é tempo de fazer a medição da pressão arterial, está nos 14-9, um pouco alta, mas nada de especial tendo em conta a idade. A médica de serviço à teleconsulta é Filipa Macedo que atende a partir de sua casa. Justino com a sua boa disposição assim que vê a cara da médica faz logo as apresentações de forma muito gentil – “Olá doutora aqui é o doente!”. Para primeira vez na videoconsulta não estranha esta inovação em que fala com a médica através do ecrã.
Numa cestinha de verga tem os medicamentos todos ordenados que anda a tomar, nela está a medicação para as vertigens, para o estômago, para as dores musculares. O clássico para uma pessoa naquela faixa etária. Lá vai dando conta das maleitas da vida à profissional de saúde. É viúvo há 15 anos, e todos os dias vai ao cemitério visitar a campa da esposa. Diz que lhe faz bem. Sente-se melhor por dispensar 20 minutos do seu dia neste ritual. Depois acaba por passar no café do lado. O objetivo é combater a solidão. Mais do que as dores, a incapacidade, ou os anos que pesam é esta a maior sombra na sua vida atualmente, pelo que a meia hora que passou com a equipa nesta videoconsulta acabou por ser uma espécie de bálsamo que deu um pouco mais de alegria ao seu dia.

Na consulta com a médica revela que anda mais esquecido. A memória já não é o que era. “Tenho medo de ter Alzheimer, esqueço-me muitas vezes de apagar a luz”, revela. Mas após um rápido teste feito por Filipa Macedo, até se constata que a memória não está assim tão má. “Tem 87 anos e toda a gente se esquece de apagar a luz”, brinca a médica. Afinal Justino ainda sabe a data de nascimento, o país onde vive, a sua morada e sabe fazer contas de subtrair básicas. Tudo dentro da normalidade. Surpreende tudo e todos quando afirma que ainda se orienta bem na rua e que chega a conduzir até Alcácer do Sal onde tem família. A médica passa-lhe exames, análises e receitas. Por não estar familiarizado com as novas tecnologias são-lhe passadas em papel. A equipa traz consigo uma impressora e rapidamente as folhas de papel são impressas, e dadas ao doente. Tudo como se estivesse no centro de saúde, “mas melhor”, afirma no fim à nossa reportagem. Ao Valor Local confessou estar encantado com esta possibilidade de ter consulta. Adorou a equipa e até quis oferecer umas fatias de melão.
Acompanhou-nos à porta e foi-lhe recomendado que tentasse ocupar mais o seu tempo para não ficar a sós com a solidão, como ir à piscina municipal e fazer hidroginástica. Achou a ideia boa e ficou de pensar nisso. “Estava muito triste antes de chegarem e agora estou mais alegre”.
ULS Estuário do Tejo testa o futuro da medicina: Videoconsulta ao domicílio chega a mais de 500 utentes”.
As videoconsultas ao domicílio são uma inovação recente e a UlLS Estuário do Tejo é pioneira. Para já estão disponíveis em Abrigada, Carregado, Olhalvo, Castanheira do Ribatejo, Barrosa, Benavente e Santo Estevão.
Rafael Pereira é o enfermeiro coordenador do todo o projeto de videoconsulta nos centros de saúde e domicílios. São atendidas nesta modalidade pessoas com mais de 70 anos com comorbilidades associadas, que se tenham deslocado a uma unidade hospitalar há menos de 12 meses. “Fazemos não só primeiras consultas como subsequentes. Nestas consultas, e no caso deste utente em causa, teve acesso a exames complementares de diagnóstico, e sensivelmente daqui a um mês a equipa regressa para uma nova consulta à distância, para que o médico veja os exames, e possa realizar os ajustes terapêuticos e no fundo dar seguimento a este utente”.
Nesta altura, o circuito abrange 257 utentes ao mesmo tempo. Mas mais de 500 utentes já foram atendidos desde março, altura em que arrancou o projeto. No final, o doente responde sempre a um inquérito de satisfação. Na lista estão cerca de 1000 pessoas que podem vir a receber a visita da videoconsulta . A Precise, empresa especializada contratada para este serviço, é pioneira com a ULS Estuário do Tejo nesta modalidade. “Não existe mais nenhuma a fazer este serviço a nível nacional”.
Solidão é drama entre os idosos acompanhados na vídeoconsulta
Neste projeto com a ULS trabalham de segunda a sexta, cerca de 10 enfermeiros em sistema de rotatividade e consoante a disponibilidade dos profissionais em causa. Rafael Pereira percebeu que ao longo destes meses que os idosos da nossa região sofrem de muita solidão – “Temos muitos casos de pessoas com humor deprimido, com depressão extrema. Estivemos na casa de um casal onde chovia no seu interior, e tivemos de chamar a Proteção Civil. Acabamos por ter de dar também alguma resposta psicológica”
Quanto a esta nova modalidade inaugurada pela ULS Estuário do Tejo concorda que o futuro da medicina também passa por aqui, dada a escassez de médicos de família – “Isto será uma vantagem com certeza. Porque o clínico pode estar no Porto, por exemplo, nos Açores, na Madeira, e fazer a videoconsulta connosco no país. A única coisa de que necessita é ter disponibilidade, e capacidade de comunicação, não importa a distância”. Rafael Pereira ressalva ainda que no caso de alguma dúvida do doente após a consulta, pode sempre contactar o centro de saúde da sua área porque todos os processos estão devidamente informatizados, ou enviar um email.