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Mário Frota: “Um torpe ‘chamariz’, não se benzem… mas partem o ‘nariz’!”

 CONSULTÓRIO DO CONSUMIDOR

De uma consumidora de  Santa Iria da Azóia:

“Comprei uma televisão recentemente numa loja aqui no bairro. Pedi que a entregassem, e que o fariam de forma gratuita. No entanto, foi cobrada a entrega na mesma factura onde consta a compra da TV. Na loja havia uma placa grande com os dizeres “entregas grátis”… O que é certo é que paguei a mais cerca de 40 euros. Já reclamei. E, em resposta, disseram-me simplesmente que é política da casa.”

Ante a factualidade, cumpre dizer o que se nos oferece:

  1. Das condições gerais consta, ao que se diz, a menção: “Entregas Grátis”; tal cláusula, transposta para os contratos singulares, ainda que meramente consensuais, como é o caso, vincula, obriga ambos os contraentes, empresa e consumidor [DL 446/85: 2.º].

2.Há patente contradição quando os responsáveis pela empresa se justificam, ante a reclamação que se presume haver sido deduzida verbalmente, dizendo: “é política da casa cobrar um dado montante pela entrega”, quando a anunciam expressamente como gratuita. Tratar-se-á, ao que parece, de um chamariz para, depois, se aplicar um encargo suplementar pelo transporte, agravando-se o preço.

3.Na circunstância, estar-se-á perante uma prática desleal, no viés agressivo, ao atrair-se o consumidor através da concessão de uma “vantagem” – o transporte gratuito – que, afinal, o não é, ainda que no caso haja também traços de prática enganosa (o preço anunciado é inferior ao efectivamente praticado), o que para o caso é irrelevante [DL 57/2008: alínea h) do art.º 12]

4.O ilícito que o facto consubstancia é passível de coima [contra-ordenação económica grave, cuja moldura depende da dimensão da empresa]: tratando-se de uma micro-empresa (menos de 10 trabalhadores), como parece ser o caso, a coima oscila entre os 1.700 € a 3.000 € [DL 57/2008: n.º 1 do art.º 21; DL 09/2021: art.º 1.º, iiii) do art.º 2.º, art.º 88 e Anexo: ii) da al. b) do art.º 18 e art.º 19].

5.Mas o facto configura também crime de especulação quando ao preço do produto se faz acrescer um montante (de cerca de 40 €), a título de transporte, que nem estava nas previsões nem nele se achava incluído (preço é preço total em que se incluem todos os impostos, taxas e outros encargos que nele se repercutam): donde, prisão de seis meses a três anos e multa não inferior a 100 dias [DL 138/90: n.º 5 do artigo 1.º; DL 28/84: art.º 35].

6.Deve consignar a sua denúncia no Livro de Reclamações, na própria empresa, ou em formato electrónico, se estiver ao seu alcance, e remeter, após se precaver com uma cópia, o exemplar que lhe for entregue à ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica – para os devidos efeitos [DL 156/2005: n.ºs 1, 2 e 4.º do art.º 4.º; n.º 1 do art.º 5.º – B].

EM CONCLUSÃO

Preço é o preço total, como amiúde se proclama, em que se incluem todos os impostos, taxas e os encargos que neles se repercutem [DL 138/90: n.º 5 do art.º 1.º]

Se a entrega for onerosa, tem de estar incluída no preço: e se se pretender diferenciar as modalidades (com ou sem entrega), então terá de se indicar, em termos globais, um preço e outro, em homenagem à transparência [Lei 24/96: n.º 1 do art.º 9.º].

Se se exibe um letreiro com a indicação “Entrega Grátis”, sem eventuais restrições, e se procede à cobrança de um dado montante pela remessa do bem para o domicilio do consumidor, tal acto configurará uma prática comercial desleal (agressiva) [ ponto 3].

À prática agressiva corresponde uma contra-ordenação económica grave: e, em se tratando de uma micro-empresa (menos de 10 trabalhadores), com uma sanção que oscila entre os € 1 700 e os € 3 000 [cfr. ponto 4].

Ademais, uma tal prática também constitui crime de especulação passível de prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias [cfr. ponto 5].

A reclamação deve ser lavrada no Livro respectivo, podendo enviar o duplicado, em seu poder, se usado for o do suporte físico, para a entidade reguladora [, ponto 6].

Este é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO – Portugal

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