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Trabalhador acusa a Sonae de Azambuja de racismo e discriminação

Albertino Oliveira, trabalhador da Sonae, viu o Tribunal da Relação de Lisboa dar-lhe razão num contencioso que o opunha à empresa, relativo ao sistema de revistas aos funcionários, no final de cada turno, e ao seu despedimento pela empresa em 2023. A sentença proferida em fevereiro último, foi no sentido de que o empregador tem direito a salvaguardar os seus bens, mas não pode ser sacrificado o direito à privacidade dos funcionários. Trabalhador da Sonae MC em Azambuja desde 2005, tinha sido despedido há dois anos, mas o tribunal decidiu pela sua reintegração no posto de trabalho. Vai voltar nos primeiros dias de abril. Numa entrevista em exclusivo ao Valor Local, dá a conhecer o seu ponto de vista sobre o que se passa para lá dos portões de entrada de um dos maiores empregadores do concelho de Azambuja e de outros concelhos vizinhos.

A trabalhar no complexo da Sonae em Azambuja e a viver na fronteira do concelho de Mafra com o de Sobral de Monte Agraço, Albertino Oliveira, 42 anos, dá conta que desde cedo sentiu na pele dentro da empresa atitudes, que considera à nossa reportagem “demonstrativas de racismo” – “Sempre fui um trabalhador com brio e dos melhores operadores, mas vi muita gente ao longo dos anos passar à minha frente e subir de posto, muitas delas sem que se reconhecesse particular empenho no que faziam, pelo que só posso deduzir que se tratava de uma questão de tom de pele”, alude. Albertino Oliveira conta que foi muitas vezes prejudicado a nível do prémio de produtividade mensal, referindo que solicitou um documento com os critérios, mas que nunca lhe foi entregue. Refere que em 2017 fez queixa de discriminação dentro da empresa. Em documentação a que tivemos acesso, Albertino Oliveira, por seu lado, é acusado de ser “agressivo, conflituoso, problemático, e de se ter envolvido em agressões física e de ter um mau relacionamento com os colegas”, por um dos advogados da Sonae e por um conjunto de colegas da empresa. Argumentos que o próprio contesta.

Transferência para a secção de frio foi contestada pelo trabalhador. Esta ala foi inaugurada em 2021. Foto Valor Local (Arquivo)

O trabalhador diz-se vítima de represálias e de assédio tendo-lhe sido movidos três processos disciplinares ao longo dos anos. Albertino Oliveira acusa ainda a Sonae de no seu entreposto de Azambuja não se pautar pelas boas práticas e dá exemplos – “A dada altura fui enviado para a secção de frio e estavam disponíveis vários casacos para os trabalhadores, mas que raramente eram higienizados”. O primeiro processo disciplinar que lhe moveram foi em 2017 por se recusar a trabalhar no frio, depois de se queixar internamente de assédio. “Era o único que ousava defender-me lá dentro”, conta.

No tempo da pandemia, diz o trabalhador, que a situação era bastante crítica dentro da empresa e que só melhorou com a intervenção da Direção Geral de Saúde, “porque até aí não cumpriam com as regras do distanciamento obrigatório entre trabalhadores, o álcool gel não era acautelado, e mesmo depois da entrada da DGS nos armazéns, nem sempre estava disponível”. Disto mesmo deu queixa junto da Autoridade para as Condições de Trabalho à época, mas sem resultado. Durante a pandemia foram, entretanto, proibidas as revistas aleatórias aos trabalhadores no final dos turnos. (Recorde-se que em 2020, já o sindicato afeto aos trabalhadores da Sonae se queixava aos jornalistas que a empresa atirava as culpas para os trabalhadores pelo deflagrar de casos de Covid-19 no início da pandemia).

O segundo processo disciplinar é lhe movido pela empresa, nas suas palavras, por se recusar a usar a viseira durante a Covid-19. Albertino Oliveira queixou-se que a viseira atrapalhava o seu trabalho, causava-lhe cefaleias e enjoos. Algo que diz ter sido corroborado por outros trabalhadores. A gestão da Covid-19 na Sonae de Azambuja foi “completamente desastrosa”, considera, porque “a empresa optou por implementar equipamentos de proteção individual sem fazer uma concreta avaliação dos riscos”. Recorda que a viseira foi implantada primeiro do que a máscara. “Correu mal porque eram muito mais limitadoras do que a máscara”. O episódio da viseira serviu para lhe colocarem um segundo processo disciplinar por violação das normas de segurança. Foi em 2020. Depois de muitas idas e vindas do processo nos corredores da Sonae tendo ainda chegado à comissão de ética da empresa, acabou por ser sancionado com apenas um dia de férias, mas que nunca passou do papel. Disto retira que houve um enorme desgaste para si, mas que no fim e face à sanção quase irrelevante, foi uma forma de lhe darem razão.

No decorrer deste processo, conta que teve muitos problemas de sono, ao ponto de chegar a casa, estacionar o carro e começar a dormir logo a seguir, antes de sair do veículo – “Quis mudar para o turno da manhã, mas obstaculizavam essa possibilidade”. Nesta relação completamente estragada entre entidade patronal e funcionário, refere que um dos pontos positivos da Sonae é que cumpre a tempo e horas com os pagamentos – “Dizem que a empresa é um mar de oportunidades, penso que podia ter chegado longe lá dentro, tirei um curso de Informática ao mesmo tempo que estava a trabalhar, mas nunca quiseram aproveitar as minhas capacidades. Sempre me mantiveram no fundo da escala da massa trabalhadora”.

Em 2021 as revistas aleatórias voltaram à Sonae e é aqui que o trabalhador leva para fora da empresa o seu contencioso. Albertino Oliveira conta que só em finais de 2021 teve acesso ao regulamento sobre estas revistas que consistem na escolha aleatória de determinado trabalhador a fim de se verificar se transporta consigo produtos do armazém. “Existiria um regulamento de 2008, mas que ninguém conhecia, para além de que passaram a efetuar as denominadas revistas de investigação, usando formas de fazer quase como se de uma polícia se tratasse”, ilustra.

Em dezembro de 2021 envia uma comunicação à empresa a dizer que se opõe às revistas aleatórias. Acabou por ser despedido em 2023, recorreu aos tribunais que agora lhe deram razão. Arrolou uma série de testemunhas entre colegas de trabalho, segundo documentação facultada por Albertino Oliveira ao Valor Local.  Assegura que poucos colegas e até chefias tinham conhecimento do regulamento. “A Sonae agiu pelas costas porque apresentaram o regulamento sob a forma de uma proposta contratual em que tenho 20 dias para me opor, mas como poderia fazê-lo se não tinha conhecimento do mesmo”, descreve, elucidando que os demais trabalhadores também não sabiam do regulamento. “A entidade patronal não tem do direito de autotutelar o seu património da forma como o faz, com mais amplitude do que os próprios órgãos de polícia”. Albertino Oliveira conta que na base da sua oposição estava também o receio de ser incriminado – “Tive medo porque as coisas não estavam bem e podiam incriminar-me colocando produtos do armazém na minha mochila” que se encontrava no cacifo.

No processo disciplinar que lhe foi movido pela empresa que culminou no seu despedimento, refere que alegaram que o trabalhador se recusara a efetuar as revistas em dias concretos e dispersos ao longo do tempo, o que podia ser um indicador de furto.

Médico de Medicina do Trabalho ameaçou que o internava

Albertino Oliveira conta um episódio completamente “impensável” com o médico da Medicina no Trabalho, Andrei Miloslavschi, externo à empresa, também exposto na documentação enviada aos tribunais à qual tivemos acesso – “A dada altura tornei-me um alvo a abater, enviaram-me para uma consulta médica em que teria de  fazer ainda um exame periódico, na sequência de um acidente de trabalho.  Foi o próprio médico que me disse que se eu não parasse com a minha luta acerca dos procedimentos da Sonae nas revistas aleatórias, emitiria um relatório a alegar problemas de saúde mental”. Albertino Oliveira diz mesmo que o médico ameaçou que o internaria compulsivamente. “Fiquei completamente atónito naquela consulta e disse isto à empresa”- “São capazes de tudo, até forjaram um atestado médico a alegar que eu estava apto para trabalhar depois de um acidente na mão, em que estava limitado na movimentação do pulso”.

Queixa enviada aos tribunais à qual tivemos acesso

“Fiz participação criminal do médico pelos falsos atestados, pelas ameaças que me fez na consulta de março de 2022. O próprio médico escreveu na ficha clínica que foi convocado para uma situação de conflitualidade entre a empresa e o trabalhador. Então o próprio está a expor-se, porque que eu saiba os médicos não servem para dirimir conflitos”.

Em 2022, Albertino Oliveira entra com um processo no Ministério Público onde denuncia a Sonae pelas práticas de calúnia, difamação, injúria, perseguição no trabalho, prática de atestado falso, e exercício de coação e ameaça exercidas pelo médico em causa. O trabalhador arrolou testemunhas, mas segundo, enfatiza, o processo está parado. No mesmo também se referia à improcedência das revistas aleatórias por “não cumprirem com o artigo 19º da Lei 46/2019 de 8 de julho”.

O regresso ao trabalho acontece na primeira semana de abril

Com uma relação com a entidade patronal já com 20 anos, a contar com os dois anos de suspensão, questionámos Albertino Oliveira sobre o porquê de nunca ter abandonado o emprego, face às críticas e à denúncia de tudo o que expôs nesta reportagem. O trabalhador diz-se um homem acossado por atos de racismo desde cedo, e que no fundo o receio de mudar de emprego acarretava também essa dificuldade em lidar com a problemática social em causa. Antes da Sonae só trabalhou noutro local, e também aí diz ter sofrido de racismo.

No caso do processo que o opôs à empresa refere que estava no seu direito de não querer ser revistado. Não teria problemas desde que fosse à saída do armazém e não do entreposto, para não correr o risco de algo ser colocado no seu cacifo. “Estava disposto a abrir mão, mas não se chegou a um consenso.” Conta que tinha pesadelos com a possibilidade de poder ser apelidado de ladrão. “Não podia deixar que colocassem em causa a minha dignidade. Sempre pautei a minha vida pela lisura, pelo respeito pelos outros, e sou reconhecido por isso. A empresa diz o contrário, que não tenho empatia com ninguém”.

No regresso ao trabalho em inícios de abril terá direito ainda às remunerações intercalares pelos dois anos de suspensão. A empresa, conta, já lhe falou numa espécie de compensação de 26 mil euros para não ser reintegrado e para que desista da outra participação criminal.

Albertino Oliveira explica que não quer propriamente regressar a Azambuja e à Sonae para mostrar que venceu – “Não é o meu objetivo principal, mas também é. Quero mostrar que se fez justiça, que a justiça existe, retiraram a minha dignidade, mas tiveram de a devolver. Inicialmente até propuseram 19 mil euros para que aceitasse a não reintegração, o que é uma pechincha que não paga o que passei. Só na minha defesa gastei cerca de 2 mil e tal euros. A Sonae devia compensar-me também por todo o desgaste que me causou desde 2017, pela discriminação de que fui alvo, com o advogado da Sonae a chamar-me ladrão. Não estou interessado em fazer contrapropostas.”

No próximo dia 3 de abril diz que vai entrar de cabeça erguida na Sonae de Azambuja .

Sindicato dos Trabalhadores do Comércio Escritórios e Serviços de Portugal saúda coragem de Albertino Oliveira

Numa reação ao caso de Albertino Oliveira e à decisão a seu favor nos tribunais, Carlos Gralha do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio Escritórios e Serviços de Portugal (CESP), ouvido pelo Valor Local saúda o seu colega. O próprio sindicalista integra os quadros da Sonae MC há 30 anos. O sindicato também considerava que as revistas estavam a ser realizadas de uma forma “parcialmente ilegal”, “porque com tantos protocolos internos, estas empresas maiores acabam por fazer as suas próprias leis, que quando chegam à barra dos tribunais não valem nada”.

No caso de Albertino Oliveira “ele andou sempre com tudo para a frente na defesa do seu posto de trabalho com determinação”. Ainda no que toca às revistas, critica a Sonae por exagerar no procedimento, “onde chegam a mexer no interior da malas das senhoras o que não fica nada bem”. Carlos Gralha não esconde que os furtos são frequentes e que as revistas têm razão de ser, mas não da forma como a Sonae as leva a cabo -“Já vi muito ladrão chegar a chefe lá dentro”.

Não é fácil ser trabalhador neste tipo de armazéns de logística. Albertino Oliveira diz que o Pingo Doce ou outros na área de Azambuja não são melhores na forma de tratamento dos trabalhadores. Já Carlos Gralha fala numa “nuvem negra de medo muito grande entre os trabalhadores da Sonae, muitos deles pessoas oprimidas. Quem tem luz própria, então, como o Albertino que é extremamente inteligente ainda mais difícil é”. No seu entender quando Albertino regressar “vai sofrer na pele mais uma onda de massacres da Sonae, mas ele vai dar a volta de certeza”.

SONAE repudia declarações do trabalhador ao Valor Local

O Valor Local questionou a Sonae MC sobre as declarações de Albertino Oliveira ao nosso jornal e as acusações que são feitas à empresa tendo em conta o seu percurso de 20 anos. Na resposta, a Sonae MC diz repudiar “todas as insinuações contidas na informação anexa às questões” que fizemos chegar.

Diz a empresa que “tem uma política de direitos e deveres dos seus colaboradores clara e transparente, incluindo um Código de Ética e Conduta e uma Política para a Prevenção da Corrupção e Infrações Conexas, de conhecimento geral dos seus colaboradores.”

Na sequência da decisão jurídica em causa, “a MC irá agir em conformidade legal, assegurando uma abordagem de melhoria contínua das suas políticas internas.”

“Acrescentamos que a meritocracia é um valor muito relevante para a MC, como o comprova o perfil diversificado das suas lideranças. Conforme demonstrado pelo acórdão do processo, à MC não foi imputada qualquer ação discriminatória ou conduta de assédio relativas a este colaborador.”

“Face às insinuações aqui expostas, a MC reserva-se o direito de agir legalmente contra qualquer ato difamatório que atente contra a sua reputação.”

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