Nasci num concelho do distrito de Lisboa e tenho as minhas raízes num concelho do interior do país (Vouzela). Local onde me lembro de passar parte das férias escolares na companhia dos meus avós e onde atualmente passo religiosamente entre 8 e 15 dias de férias na casa da aldeia. Uma aldeia enquadrada na paisagem da serra do Caramulo, engolida pelos cabeços e atravessada pelo rio que ganhava vida com os cantares tradicionais e com a vida do campo. Zona do interior, fustigada de tempos em tempos pelos incêndios e há uns anos pela morte de alguns bombeiros, que nunca esqueceremos de agradecer, pela sua coragem em enfrentar o que teve à beira de nos destruir.
A importância da floresta é inegável e é um dos setores com maior potencial, apesar de ser o mais maltratado em Portugal. Não é possível que continuemos ano após ano nesta angústia, que não se protejam as pessoas e que não aprendamos com quem vive no interior. A floresta é o principal uso que damos ao solo em Portugal, correspondendo a 36% de todo o território ou 3,2 milhões de hectares, onde predominam o pinheiro, o eucalipto e o sobreiro. Não somos um país de grandes proprietários nem é verdade que o “Estado” seja o maior possuidor de terrenos do país. As estatísticas demonstram que 84% da floresta é detida por pequenos proprietários e empresas industriais, enquanto 2% são de domínio público. Falamos em cerca de 500 mil proprietários de terrenos em Portugal. Setor que em termos económicos, representou em 2022 mais de 4 mil milhões de euros para a economia portuguesa e mais de 90 mil empregos.
Mas precisamos de meter os dedos nas diversas feridas e este ano gostemos ou não, vemos aquilo que alguns já achariam impensável de vermos. Não, não foi cumprida a limpeza dos terrenos. Não, não foi feito nada para reordenar a floresta. Não, as Câmaras municipais e as Juntas de freguesia não cumpriram o seu papel.
Bastaram os dois primeiros dias de férias, na saída da A25 em direção à freguesia de Alcofra em Vouzela, para vermos hectares de terrenos, serras inteiras sem limpeza. Não há solução mágica para esta situação. Algumas das soluções que nos apresentam os especialistas (como as queimadas de inverno) ou os prazos definidos para a limpeza dos terrenos, são pensadas por quem não conhece o país e o interior. Não é possível que a 31 de maio (mesmo que seja estendido o prazo para junho) e com as queimadas de inverno, que os terrenos estejam limpos a tempo do período de incêndios. Gostem ou não.
E falando por experiência de causa, os 500 euros que se gastam (sim, gastam-se pelo menos 500 euros por ano) para limpar 3000 metros quadrados de terreno nos meses de março/abril (que por causa da Páscoa, existe maior facilidade de realizarmos a limpeza de terrenos com a respetiva queimada dos resíduos), eu garanto-vos que em julho já há mato no mesmo terreno suficiente para alimentar um incêndio de grandes dimensões. Se é assim limpando em abril, imaginem se o terreno fosse limpo durante o inverno, mesmo que seja através de queimadas controladas. Não haveria alternativa do que chegar-se a abril e termos de o limpar novamente. É importante também relembrar que a maioria das aldeias do interior é composta por moradias de emigrantes, que só conseguem fazer a gestão dos seus terrenos durante o mês de agosto.
Ao mesmo tempo, temos de deixar da hipocrisia de culpar o Estado pela falta de limpeza dos seus terrenos. Como nos dizem os números, o Estado é proprietário de cerca de 2% da floresta nacional, a minoria não pode ser culpada pela falta de responsabilidade da maioria, mas também não pode deixar de fazer o que lhe compete. O seu trabalho através das Câmaras municipais e Juntas de freguesia é, entre outras, cuidar da higiene urbana, limpeza dos espaços verdes e a manutenção das vias municipais. A manutenção das vias municipais implica a limpeza do mato nas bermas das estradas. Este ano, em particular, foi “uma vergonha” o estado a que chegámos.
As bermas das estradas chegaram a ter mato com 2 metros de altura. Não é concebível que as autarquias, sentadas em orçamentos superiores a 15 milhões de euros em 2025 onde residem menos de 10 mil habitantes, o que faz com que existam mais árvores que pessoas no seu território, não cumpram a sua responsabilidade de manter as bermas das estradas limpas, sendo que não têm mais preocupações de limpeza urbana como as que existem nos concelhos urbanos.
(Continua na edição seguinte)