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Memória – Alcoentre: Cadeias ainda mexem com a economia local

Em 2013, na sua primeira edição, o jornal Valor Local fez um grande destaque sobre a Vila de Alcoentre e as suas duas prisões. Á época, as preocupações não divergiam muito dos dias de hoje. A população sentia-se segura, apesar do posto da GNR estar a quilómetros de distancia de Alcoentre, nomeadamente em Aveiras de Cima.

Hoje, a atualidade mantém-se. Com a fuga dos cinco reclusos, todas as preocupações e atenções, viram-se para os dois establecimentos prisionais.

Longe dos tempos áureos de outrora, o comércio, os serviços e os níveis de emprego de Alcoentre ainda beneficiam dos bons ventos proporcionados pela existência de dois estabelecimentos prisionais na freguesia.

A entrada em vigor de um despacho do Ministério da Justiça de 1997 que passou a dar liberdade aos guardas prisionais para poderem passar a residir a uma distância de 50 quilómetros das respectivas cadeias, levou a uma espécie de debandada daqueles profissionais das antigas casas de função. Na freguesia de Alcoentre, muitas das antigas residências permanecem ao deus dará, com bairros que já podiam ter sido aproveitados para habitação social, mas que continuam a ser percorridos pelas marcas do tempo.

No mesmo sentido, o comércio da vila já conheceu melhores dias, quando os funcionários das prisões, antes da entrada em vigor do despacho, tinham de residir, obrigatoriamente, nas zonas, imediatamente, limítrofes às cadeias, e faziam, por isso, as suas compras nas lojas de Alcoentre.

Alguns anos passados, Alcoentre ressente-se da circunstância em causa, agravada também pela crise económica do país, mas mesmo assim há quem destaque que a vila ainda possui algum comércio, nomeadamente, 52 lojas, de acordo com Jorge Fazendas, antigo trabalhador da prisão de Vale de Judeus, onde esteve durante 37 anos, que comenta: “Se não fossem os estabelecimentos prisionais, a vida das pessoas da freguesia seria pior, porque não existe agricultura em Alcoentre”, isto tendo em conta que “os guardas prisionais são bem remunerados”, não obstante “ a vida de perigo que levam”.

No estabelecimento de Vale Judeus, num total de 200 trabalhadores, metade é oriunda da região, com forte incidência na freguesia e no concelho de Azambuja, por isso Ana Marques, proprietária de um café na vila, salienta que a existência das duas prisões contribui para que “haja menos desemprego” – “Trabalha muita gente na cozinha, nos escritórios e também na própria segurança das prisões que são daqui”. Quanto ao seu estabelecimento comercial, diz não sentir “grande movimento” pois encontra-se ainda relativamente distante da prisão de Alcoentre, o mesmo raciocínio é partilhado por Otília Colaço, proprietária de uma peixaria próxima: “Quando os guardas prisionais residiam nos bairros, notava-se que a loja ‘mexia mais’.”

O presidente da junta, Francisco Morgado, também antigo guarda prisional, na prisão de Alcoentre, durante 34 anos, refere que até à altura do despacho do Ministério da Justiça, “haveria cerca de 50 casas para o estabelecimento de Alcoentre e umas 70 para o de Vale de Judeus”, mas após 1997, “as pessoas passaram a usar o subsídio para se fixar em casas próprias no Cartaxo, Rio Maior ou nas Caldas da Rainha”. Em conclusão, “o número de população residente baixou drasticamente”, e com o passar dos anos, as habitações, outrora, dos guardas prisionais entraram em velocidade cruzeiro rumo à degradação

Na parte de cima da vila, junto a uma encosta que vai dar a uma pequena ermida, encontra-se o Bairro da Aldeia, pertencente ao estabelecimento de Alcoentre, que já motivou o interesse da Câmara Municipal de Azambuja para a sua conversão em moradias de habitação social, mas Luís de Sousa, vice-presidente do município, diz que, hoje, já não sabe se valerá a pena – “A Câmara tem tentado ao longo dos anos negociar estas casas junto do Ministério da Justiça, mas hoje a maioria delas está em tão mau estado, que duvido que possa ser bom negócio para a Câmara, a sua recuperação. Possivelmente, o bairro de Vale de Judeus, está, neste momento, com outras condições para ali conseguirmos recuperar alguns blocos para o fim da habitação social”.

A escola degradada em 2013. Cenário que ainda se mantém.

Embora o cenário, neste bairro, seja desolador, com a escola primária onde estudavam os filhos dos guardas a apresentar um aspecto visual como se tivesse sido abandonada de repente, conservando, antes, evidentes traços de degradação com a chuva a cair pelas paredes e telhados encharcando o que há anos atrás foram salas de aula. Antes havia até um bar a funcionar no bairro de Vale de Judeus, mas hoje a maioria dos blocos está desabitada. Poucas famílias resistiram neste bairro.

Na vila, um dos moradores que preferiu não se identificar, lamenta pois a opção que o despacho veio permitir, dado que “as casas estão todas devolutas e a melhor mansão de Alcoentre destinada ao director está desocupada e também degradada”. Em Alcoentre, o facto de os dois directores terem optado por não ficar a residir nas moradias destinadas aos portadores daquele cargo, não passa despercebida à população, principalmente, no caso de Orlando Carvalho, director do Estabelecimento Prisional (EP) de Vale de Judeus, que vem todos os dias de Coimbra para Alcoentre com direito a motorista. Sobre esta situação, o mesmo, perante a questão colocada pelo Valor Local, preferiu não comentar. 

Do ponto de vista sociológico, há quem refira que a vinda dos estabelecimentos prisionais para a terra, também influenciou positivamente a forma como as pessoas lidam com agentes da autoridade e com forasteiros. “As duas prisões foram uma mais-valia para esta ‘aldeiazinha’, senão hoje seríamos uma espécie de Casais de Brito ou algo do género”, compara José Luís Silva que trabalhou em Vale de Judeus de 1986 a 1990. Descreve como “gira” a sua passagem por aquele tipo de trabalho ligado, no seu caso, ao sistema agro-pecuário da prisão, e refere que chegou a tomar contacto com alguns presos conhecidos como o jogador Venâncio, do Sporting, preso, na altura, por tráfico de droga. “Estão lá 500 homens cada um com o seu feitio, e isso torna-se engraçado”. Questionado se a frequência de visitas aos estabelecimentos prisionais, nomeadamente, o de Alcoentre, por se encontrar no centro da vila, afecta positivamente o comércio ou os cafés, refere que, actualmente, isso traz poucos benefícios práticos – “Há pouco vagar e pouco dinheiro. As pessoas trazem o pequeno-almoço dentro do saquinho e comem dentro do carro”.

Directores reconhecem importância dos estabelecimentos para a comunidade

Há seis anos que Orlando Carvalho está à frente da direcção do Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus. Esta cadeia conta com uma população prisional de 500 reclusos, entre os mais conhecidos, está o famoso Rei Ghob ou Francisco Leitão a cumprir pena pelo triplo homicídio de Carqueja, no concelho da Lourinhã. Orlando Carvalho classifica como “muito exigente” a tarefa de lidar diariamente com reclusos condenados a penas de prisão longas, acusados de crimes que vão do tráfico de droga ao homicídio. “O nível etário dos presos também é um pouco superior à média nacional nos outros estabelecimentos do tipo, por isso torna-se ainda mais exigente a nível da habitabilidade e das condições de reclusão”, aproveita para acrescentar.

Na sua opinião, este estabelecimento continua a ser potencializador da economia local, não só pelos postos de trabalho que gere, pois metade dos funcionários é oriunda da região, especialmente, da freguesia de Alcoentre, mas também porque acaba por, de uma forma ou de outra, dinamizar o comércio local. “Nem todos os trabalhadores do EP tomam, por exemplo, as suas refeições nos restaurantes da zona, mas uma parte o efectua, e isso acaba por ser benéfico”, refere a este propósito.

Também António Leitão, director da cadeia de Alcoentre, partilha da mesma opinião, “embora a realidade actual seja diferente da de há 20 ou 30 anos atrás quando o estabelecimento prisional se apresentava como um dos principais empregadores da região, freguesia de Alcoentre e povoações próximas, continua a ser o principal pólo dinamizador do comércio local, assim como de outros serviços, tendo em conta o elevado número de pessoas que aqui trabalha, bem como aquelas que se deslocam a Alcoentre para visitar os reclusos”.  Nesta cadeia, 85 por cento dos trabalhadores, residem na região. Este EP emprega no total 240 pessoas.

Nos dois estabelecimentos, os reclusos podem optar ou não pelo trabalho ou estudo. Em Vale de Judeus, têm à sua disposição actividades de formação profissional com trabalho para uma empresa de montagem de acessórios para caixilharia e outra relacionada com artigos informáticos. Recebem uma remuneração, em que metade é canalizada para um fundo de apoio à inserção e outra fica retida na conta pessoal de cada recluso. Actividades culturais e desportivas estão ainda ao dispor daquela população prisional.

No estabelecimento de Alcoentre, a principal actividade económica relaciona-se com a produção e comercialização do vinho “Chão de Urze”, projecto Hortas Solidárias,  limpezas de área florestal, trabalhos de serralharia e de reparação automóvel nas oficinas, para além de protocolos de cedência de reclusos com as juntas de freguesia de Alcoentre, de Asseiceira, no concelho de Rio Maior, e Escola de Pontével.

Este EP alienou recentemente 290 hectares à ESTAMO, empresa do Estado que promove a compra e venda de terrenos a privados e vice-versa, e que segundo se fala na vila, serviu para o proprietário actual da Torre Bela acertar os limites daquela vasta propriedade.

Um dos últimos moradores

Natural de Santarém e reformado da prisão de Alcoentre, onde trabalhou durante 22 anos, Lucas dos Santos enfrenta um processo de despejo por parte do Ministério da Justiça. Tem poucos dias para abandonar uma das casas do Bairro da Aldeia, mas refere que não tem como pagar uma renda de casa das mais baratas. “Se pagar 250 euros fico sem comer. Ganho 800 euros de reforma para mim e para a minha mulher e quase 300 são para medicamentos, exames e viagens a médicos”, diz.

A habitação onde vive tem sofrido ao longo dos anos diversas intervenções e melhoramentos, caso contrário estaria praticamente a ruir como outras do mesmo bairro. Lucas dos Santos que quer continuar a residir ali, não se importa de pagar uma renda, desde que não ultrapasse “os 50 euros”. A Câmara de Azambuja também declarou que o idoso não possui condições para sair da residência em causa. Os filhos do idoso também não podem ajudar financeiramente. 

Sílvia Agostinho
Destaque Edição Abril 2013

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