Em 2011, Pedro Nogueira ficou cego devido a problemas de má formação congénita. O prognóstico já estava mais ou menos traçado porque há muitos anos que via mal. A ideia de criar a associação de apoio a cegos e pessoas com baixa visão, a Cabra-Cega, com sede em Sobral de Monte Agraço, surgiu na sequência da falta de respostas. Num mundo onde a tecnologia lidera, os cegos e amblíopes não querem ficar de fora das novas tendências. Por isso, esta associação ensina os seus associados a preencher formulários online em questões burocráticas do dia-a-dia, mas também proporciona atividades de formação; de e-learning e claro apoia psicológica e socialmente os associados e as suas famílias. A associação está a funcionar desde 2016 e conta com cerca de 50 associados.
Apesar de sedeada no Sobral, a associação apoia pessoas “de todo o mundo” se assim tiver de ser, conforme dá conta Pedro Nogueira, presidente da Cabra-Cega. No concelho existirão cerca de 10 cegos, mas esta IPSS recebe contactos de cegos de outros concelhos vizinhos, e não só. Sobretudo este grupo procurou o seu próprio caminho até de forma independente da principal associação do país, a ACAPO, pois quis especializar-se sobretudo “na formação à distância adaptada para a deficiência visual”. “Não quisemos ser concorrentes da ACAPO, apenas fornecer respostas diferentes”.
No seu percurso, e depois de cegar em 2011, Pedro Nogueira, perdeu o emprego na área da Engenharia Eletrónica. A principal dificuldade para quem fica totalmente cego é a mobilidade, pelas dificuldades impostas pelas barreiras arquitetónicas ou pela escassez de transportes públicos, como é o caso do Sobral. Fez uma especialização tecnológica e hoje trabalha ao computador na Câmara do Sobral. “Ser cego implica aprender tudo de novo, desde comer, vestir-se, tomar banho”, junta-se à conversa Madalena Teixeira, vice-presidente da associação.
A Cabra-Cega também já ajudou a intermediar situações laborais: Por exemplo “houve uma pessoa que ficou cega de um momento para o outro, desempenhava funções numa empresa num trabalho com forte componente visual, mas que pôde ser transferida da linha de produção para funções administrativas”.
A associação tem a funcionar grupos de interajuda em que os associados partilham as suas dificuldades e tentam apoiar-se uns aos outros. É um projeto que foi apoiado pelo BPI e pela Fundação La Caixa pela sua vertente solidária designado “Conversas na Quinta”. O município também apoia a associação através da cedência de instalações na antiga escola primária do Sobral.
Cabra-Cega quer ajudar os associados nas suas casas
Madalena Teixeira, 34 anos, com baixa visão, ainda consegue percecionar visualmente a presença humana, as sombras e as luzes, mas prefere não alimentar esperanças no que à sua condição diz respeito. “Há que saber viver com aquilo que temos e olhar para o copo meio cheio”, considera. Professora de profissão vive no Sobral há alguns anos, sendo oriunda de Ermesinde. “Achei interessante a causa e comecei a batalhar juntamente com o Pedro e a nossa equipa para realmente conseguirmos fazer algo para as pessoas que têm deficiência visual aqui no concelho e não só, também na zona oeste e a nível nacional”.
A associação tem muitos projetos e espera conseguir verbas para colocar de pé, por exemplo, a ideia de ajudar diretamente os associados nas suas casas. “Por exemplo termos técnicos que o ensinem a lidar com o fogão, com as facas e outros instrumentos que possam significar perigo para os cegos.” Atualmente, a Cabra-Cega conta com uma assistente social, uma administrativa e um psicólogo, mas necessitaria de contratar mais profissionais para esse esforço acrescido.
Combater o isolamento dos cegos é um dos principais objetivos da associação. Madalena Teixeira explica que isso deve ser concretizado com a presença de técnicos nos locais onde vivem, “que exista alguém que os oriente a nível da mobilidade, para que consigam ganhar traquejo, e vontade de sair da sua zona de conforto e da sua casa naquilo que são as suas rotinas”. À partida a associação já sinalizou 40 pessoas nesta condição. Submeteu uma nova candidatura no sentido de ser apoiada esta iniciativa.
Associação conta com dois técnicos
Leonor Bernardo é assistente social na associação. Está a fazer um estágio profissional na Cabra-Cega e tem estado a trabalhar sobretudo nas candidaturas com vista à atribuição de apoios. “Esta área da deficiência visual necessita de mais investimento no sentido de mostrar às pessoas que são indivíduos que têm direitos. Basta que possamos dar-lhes as ferramentas para que consigam realmente ser autónomos e perceber que podem fazer a sua vida ainda que de forma adaptada”.
Miguel Esteves, psicólogo na associação, considera que o seu trabalho na associação está a revelar-se uma “grande aprendizagem”. Acaba por mediar os grupos de interajuda que se reúnem sobretudo através das plataformas de conferência online. “É desafiador, mas felizmente muita gente já está adaptada ao seu caso e vejo que esta população é muito resiliente, adapta-se bem às dificuldades e demonstra uma energia que às vezes não tenho. São eles que por vezes me dão essa força, de maneira que os possa continuar a ajudar”.
Ser cego não é um passaporte para a infelicidade e tanto Madalena como o Pedro dizem ser felizes, sobretudo pelas conquistas a nível da sua associação que tem vindo a apoiar cada vez mais pessoas com deficiência visual.