Com a inauguração do parque fotovoltaico da Torre Bela a cargo da Neoen, no passado dia 5 de junho, está praticamente cumprido todo o investimento neste tipo em centrais solares na nossa região. Dentro dos grandes projetos, falta ainda o projeto da Iberdrola no concelho de Alenquer. Neste trabalho e depois de termos acompanhado a o inauguração do empreendimentos acompanhamo-lo de uma cronologia que esteve me destaque na última edição impressa do nosso jornal.

2020
Foi em setembro de 2020 que chegou pela primeira vez à Câmara de Azambuja, numa reunião pública, o projeto que visava a construção de uma mega central fotovoltaica na freguesia de Manique do Intendente, mais propriamente na Quinta da Torrebela. A proposta era das empresas CSRTB e da Aura Power Rio Maior prevista para uma área de 775 hectares, num investimento de 170 milhões de euros com a criação de 1000 postos de trabalho na fase de construção e 10 postos permanentes após esta fase. O leilão solar de 2019 tinha atribuído este lote. A central estava prevista para a quinta na parte em que fica de frente para a Companhia Logística de Combustíveis prolongando-se até à entrada de Alcoentre para um total de 638 mil 400 painéis solares. Desde logo mereceu a crítica da oposição liderada por Rui Corça, PSD, por estarem sujeita a área de Reserva Agrícola Nacional e espaço florestal. Ouvida pelo Valor Local, a associação Zero também torcia o nariz a este investimento. Azambuja conhece ainda o projeto da Iberdrola em Vila Nova da Rainha, que, entretanto, fica pelo caminho, mas um logo um outro vai surgir à frente. O concelho começa a ficar conhecido como o El Dorado dos painéis fotovoltaicos.
Nas vésperas do Natal de 2020, e com a discussão das centrais fotovoltaicas ao rubro no concelho de Azambuja, eis que o concelho acorda com a notícia de que cerca de 500 animais, entre gamos e javalis, tinham sido abatidos na Torre Bela. Apesar de o local não ser uma reserva natural, mas de caça, o número de exemplares abatidos choca tudo e todos. A relação deste acontecimento com a vinda do projeto fotovoltaico é indesmentível. No país só se ouve falar da caçada na Torre Bela. Uma caçada leva a cabo por caçadores espanhóis mostrou um espetáculo degradante de animais abatidos em fila. Ao lado um casal posava para uma foto com ar triunfalista. O Ministério Público iniciou um processo, mas de lá para cá pouco ou nada foi sendo conhecido. À época o ministério do Ambiente tentou colocar alguma ordem no universo da caça em Portugal.
Ouvido em exclusivo pelo Valor Local, Simon Coulson, da Aura Power demarcou-se do acontecimento e lamentou o abate de animais. Certo é que este projeto vai ficar para sempre na sua história como estando ligado a uma montaria repudiada desde o primeiro dia. Poucos dias depois, o ministério do Ambiente informa da suspensão imediata do procedimento de avaliação de impacte ambiental, incluindo a consulta pública, referente àquela central fotovoltaica, do lote 18 do leilão solar de julho 2019.

2021
A meio deste ano, volta a ser aberta a avaliação de impacte ambiental do projeto da central fotovoltaica de Rio Maior e da Torre Bela que estava suspensa desde 23 de dezembro na sequência da montaria que terminou no abate de 540 animais. O processo ainda estava sob investigação. O assunto volta à baila em força entre os partidos políticos na antecâmara das Autárquicas 2021. PS, PSD e CDS, e Chega dizem de suas razões. A central da Cerca ainda conseguiu ser travada no concelho, que apenas ficou com as linhas de muito alta tensão do projeto. A ideia dos protagonistas políticos era reprovar o interesse público do projeto da Torre Bela em assembleia municipal, mas João Galamba, então secretário de Estado da Energia, deixou explícito numa reunião com autarcas socialistas que os projetos iriam em frente a bem ou a mal. Meses depois perceber-se-ia como.
Ainda neste ano a Sociedade Portuguesa de Aves alertava para a possibilidade de desaparecerem centenas de exemplares de espécies protegidas com o advento das centrais solares na região, nomeadamente, a Torre Bela em Azambuja e a da Cerca no concelho de Alenquer. Em causa, o flamingo, águia de Bonelli, íbis preta, cegonha branca, entre outros.
As peripécias a rodear este projeto passaram ainda pela indignação da população de Casais das Boiças, ao descobrir que as linhas de muito alta tensão passariam por cima de uma aldeia há muito fustigada exatamente por torres de alta tensão colocadas no terreno nos anos 50. É o Valor Local que pela primeira vez vai à aldeia e houve as queixas da população sobre casos de cancro possivelmente ligados a torres de alta tensão. Um grupo de moradores tenta demover a Neoen, entretanto parceira da Aura Power, a mudar o sentido das linhas. Depois de muita negociação, e de uma Agência Portuguesa do Ambiente a ser irredutível, a população consegue os seus intentos apenas quando o então ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, coloca as mãos neste dossier e viabiliza a passagem das linhas não por cima de Casais das Boiças mas por cima da Torre Bela.

2022
O prometido é cumprido- O Governo recém-eleito de António Costa nas eleições legislativas de janeiro de 2022, publica ainda antes do ato eleitoral, uma lei que contorna a participação dos municípios nestes projetos. Acossado por uma série de movimentos contra a instalação de parques fotovoltaicos, o decreto lei 15-2022 confere interesse público nacional ao projeto da Torre Bela e o município de Azambuja perde a oportunidade histórica de dizer de sua justiça. João Galamba tinha avisado.
Em outubro de 2022, o ministro do Ambiente revela em primeira mão ao Valor Local que os municípios para onde estão projetados campos de energia solar seriam contemplados com verbas do fundo ambiental. Azambuja recebe 2 milhões e 700 mil euros. Uma espécie de forma de compensação. Significativos atrasos com muita celeuma política à mistura levaram a que Azambuja com apenas um parque de grande dimensão tivesse mais sorte do que Alenquer, concelho vizinho, onde as aprovações dos projetos foram tranquilas e ordeiras, o concelho alenquerense ficou a ver navios e não recebeu verbas do Fundo Ambiental. Apenas seriam contemplados os projetos decorrentes dos quais tivessem sido emitidos os títulos de controlo prévio ou isentado dos mesmos – para as operações urbanísticas após outubro de 2022.

2024
O tema esteve mais ou menos adormecido durante um ano. Em janeiro de 2024, a Neoen concedia-nos uma entrevista com o ponto de situação do projeto. Previa-se que a inauguração acontecesse ainda no ano passado. A empresa falava dos benefícios que concedera quer ao município, quer às IPSS em termos de oferta de equipamentos. No que toca às questões ambientais, destacava a preservação e criação de cerca de 200 hectares de áreas de montado e proteção de biodiversidade e a interligação das áreas verdes através de corredores de biodiversidade envolvendo as parcelas de área média de 20 hectares, onde serão instalados os painéis solares.
Soaram as campainhas novamente quanto ao desaparecimento de algumas espécies de animais, deixadas à fome pelos proprietários da Torre Bela. Ao Valor Local, o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas dava conta de recentes visitas ao local em que a população animal continuava a usufruir de alimento.
Em junho de 2025, a Central Fotovoltaica da Torre Bela é finalmente inaugurada.