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Dadores de Sangue: Os Heróis Silenciosos que salvam vidas

Pouco passava das dez da manhã, e o corrupio de gente não parava na sede dos dadores de sangue da Póvoa de Santa Iria. O grupo é um dos mais ativos da região de Lisboa, recebe dadores do concelho de Vila Franca, mas também de outros locais do país. Chegam a vir de Oeiras e de Cascais, porque se sentem mais à vontade com a equipa de voluntários, que há mais de 20 anos, na sua maioria, dá apoio à causa da dádiva de sangue na região.

Durante cerca de uma hora, em que a nossa reportagem esteve no local, o fluxo de pessoas não diminuiu, mas pelo contrário, pareceu-nos que à medida que se aproximava a hora de almoço, altura em que a associação fecharia a recolha, mais dadores iam aparecendo. No dia 16 de julho, 57 pessoas doaram sangue nesta recolha promovida pela associação, 51 unidades de sangue foram recolhidas, e sete pessoas doaram sangue pela primeira vez.

À chegada, os voluntários eram encaminhados para uma breve consulta médica, com clínicos do Instituto Português do Sangue, mas antes, já tinham preenchido um questionário, sobre os seus hábitos e o estado geral da sua saúde. Lá dentro, e depois da consulta, os dadores, seriam ou não autorizados a dar sangue. Doenças recentes, constipações ou internamentos, afastam em geral, os voluntários deste ato altruísta e que vai escasseando nos últimos tempos.

Entre todos, a média de idades rondaria os quarenta e poucos anos, uma média considerada aceitável. A idade máxima para doar sangue é os 65 anos de idade. Muitos alegam ser limitativa pois nem sempre corresponde a um estado de saúde mais frágil.
No entanto, nesta manhã, a recolha terá sido significativa. Todos os que puderam aparecer contribuíram, e muitos há mais de 20 anos, como Susana Sampaio (foto acima), que já tem esta “rotina” enraizada na sua agenda. Para Susana “não custa nada dar sangue”. “O meu pai já era dador e, portanto, vem daí”. A voluntária salienta a importância do ato, e reafirma que sempre que pode contribui “nas duas dádivas anuais”. “Nem sempre consigo, mas tento” e sempre no Grupo de Dadores da Póvoa de Santa Iria “porque já são uma família”.

Mas dar sangue não é para todos. Muitos têm receio de agulhas e outros não estão com disposição para tal. É por isso que a dadora diz estar a “tentar convencer” o filho, “porque já é maior de idade e é importante”.

Há também o contrário. Quem tenha como objetivo o altruísmo e a necessidade intrínseca de ajudar. Aos 19 anos, feitos há poucos meses, Carolina Franco, tipo A+, é um desses raros exemplos e para quem os outros estão em primeiro lugar. A fazer voluntariado junto dos veteranos de guerra, a jovem não estranha este tipo de ações. “Já queria dar sangue há muito tempo, mas não tinha idade e não tinha peso. Ganhei peso de propósito para poder vir, foi uma experiência muito positiva e por isso não me arrependo”, refere a jovem, que assim que conseguiu, não deixou fugir a oportunidade. Carolina Franco sublinha que as notícias sobre a falta de sangue nos hospitais tiveram um forte impacto em si e contribuíram para que se tornasse dadora.

Mesmo ao lado e aparentando um nervosismo visível estava Tomás Duarte. O jovem de 18 nos, com o tipo de sangue O negativo, dador universal, veio acompanhado da mãe, que já é dadora há alguns anos, e disse não se sentir confortável com agulhas. Ainda assim, impulsionado pela mãe e pela vontade de ajudar, acedeu, e nesta manhã de domingo, encheu-se de coragem, fitou as agulhas e partiu para a sua primeira dádiva, que será, provavelmente, a primeira de muitas. Visivelmente nervoso, confidenciou ao Valor Local ter a noção da necessidade de sangue. O jovem salientou que este é um ato importante “até porque vai estar calor, é preciso mais sangue, e é necessário ajudar”.

A olhar de longe, estava a mãe – Célia Duarte, também ela dadora de sangue há vários anos, que quis incutir ao filho esta missão. Desta vez só ficou a ver, e tentou passar uma mensagem de confiança ao filho, que “tem de ultrapassar a questão das agulhas”.
No entanto, enquanto dadora, Célia sublinha a necessidade de sangue nos hospitais portugueses. A voluntária lamenta “o egoísmo” de parte da sociedade e diz ser importante dar bons exemplos. Célia é dadora assídua, assim como, Ricardo Sarmento, A Positivo, que parou de dar sangue, mas que agora retomou a dádiva. O voluntário vinca a necessidade urgente de sangue e por isso considera positiva a experiência, até porque como refere: “Não sei se algum dia não vou precisar. Não me custa nada e pode fazer toda a diferença na vida de outra pessoa”.

O voluntário, que esteve acompanhado da esposa, também ela dadora de sangue, frisou ainda estar preocupado com as notícias que dão conta da falta de sangue “porque das duas uma: ou há falta porque há pouca gente a doar, ou então é porque muita gente necessita”.

Ao lado a esposa, Carina Sarmento, com o tipo de Sangue A Negativo, é também dadora há vários anos. Profissional de saúde, sabe melhor que ninguém a necessidade de dar sangue na altura certa e conta que no passado passou por uma experiência familiar em que o avô necessitou de sangue quando contraiu uma doença. “Essa foi uma experiência que me marcou”, recorda.

Mas há também quem queira doar e por limite de idade não possa. É o caso de Helena Revez, de 73 anos, e que também é voluntária nos dadores de Sangue da Póvoa de Santa Iria e pertence à associação. Helena, com o grupo sanguíneo de O+, lamenta que não poder doar sangue, mas aproveita para ajudar na logística do grupo e está presente em todas as iniciativas. Com uma energia invejável, a voluntária refere que a experiência como dadora e voluntária “é muito boa”. “Toda a gente devia dar sangue, porque faz falta a todos”. A voluntária enaltece o espírito dos dadores da Póvoa, e sublinha que o mesmo tem contribuído para o sucesso e a dinâmica do grupo.

Helena Revez deu sangue durante vários anos. Começou no hospital de Santa Maria, depois em Vila Franca e mais recentemente na Póvoa, onde permanece e continua a ajudar. Alias o espírito está tão enraizado na voluntária que num destes dias caiu e lamentou “o sangue desperdiçado na queda”. Helena Revez diz que os dadores da Povoa são assíduos, já os vê há uma série de anos a passar pelas ações do grupo, mas refere que nunca são demais os novos dadores para a causa.

Nuno Caroça reforça a importância de se ser dador sem se procurar outros benefícios

Associação de Dadores da Póvoa já recolheu este ano 572 litros de sangue

Só este ano, e à altura da nossa reportagem no passado mês de julho, e com colheitas regulares cerca de duas vezes por mês, já foram realizadas 21 sessões de recolha na Associação de Dadores Benévolo de Sangue da Póvoa de Santa Iria em 2023, que contou até à data com o contributo de 712 dadores que corresponderam a 572 unidades de sangue recolhidas. Oitenta e seis pessoas doaram, ainda, sangue pela primeira vez, “o que para nós é um motivo de orgulho”, destaca Nuno Caroça, presidente da associação. O responsável refere que os jovens têm vindo a ser sensibilizados para a importância de doar sangue, e destaca ainda que “a comunidade brasileira também tem aparecido muito nas recolhas porque já vinham com esse hábito do Brasil”. À sede da associação de dadores de sangue da Póvoa, onde regra geral decorrem as colheitas, chegam com frequência dadores de outros concelhos, “que fazem questão de vir aqui”.

Mesmo durante a Covid-19 as dádivas de sangue não pararam na Associação de Dadores Benévolos de Sangue da Póvoa de Santa Iria. Nuno Caroça conta à nossa reportagem que foram muitas vezes os dadores mais jovens a efetuarem essa dádiva, resguardando-se assim as pessoas mais velhas que por norma dão sangue. “A comunidade foi extraordinária nessa altura, tendo em conta que as pessoas não podiam sair de casa, houve quem o fizesse só para vir doar sangue, até com filas à porta”, recorda.
Nuno Caroça explica que quem quiser doar sangue, pela primeira vez, pode dirigir-se à associação num dos dias programados. É necessário levar cartão de cidadão, ou sendo estrangeiro, o passaporte. Faz a inscrição, preenche um questionário médico tendo em conta “eventuais doenças que tenha tido, comportamentos sexuais, se já realizou alguma transfusão de sangue, ou se já esteve nalgum país tropical”. É consultado por um médico que está nesse dia da colheita a prestar serviço. Só pode doar sangue quem for avaliado positivamente a nível de saúde pelo clínico.

Nuno Caroça destaca que o país necessita de sangue de todos os grupos sanguíneos, embora numa situação de catástrofe a acontecer no país, “recorrer-se-ia em princípio aos dadores universais, O negativo, pois não haveria tempo de estar a escolher dadores de outros tipos de sangue”.

O presidente desta associação sublinha que antes de se começar a dar sangue, deve sobrepor-se o sentimento de altruísmo, e não algum tipo de benefício, como chegou a ser norma há uns anos quando muitos dadores só o eram porque podiam faltar ao trabalho e não deixavam de ganhar o dia. Tal acabou com a Troika. “O importante é fazer o bem sem olhar a quem”

Não há falta de sangue nos hospitais da região mas é preciso muito método e ginástica na sua gestão

João Moura, médico imunohemoterapeuta, no Hospital Distrital de Santarém, acredita que as reservas de sangue em Portugal são em número suficiente, ao contrário do que diz, por exemplo, o presidente da Federação Portuguesa de Dadores Benévolos de Sangue, que há poucos meses falava, de um grande défice de sangue nos hospitais. O clínico com quem falámos é da opinião de que com maior controle dos stocks, atualmente, e até certo ponto, é possível ter sangue à disposição para os mais variados fins decorrentes quer de situações de trauma (urgências) ou cirurgias programadas. Contudo nem todos os hospitais dispõem de um médico com esta especialidade. Não serão mais de 200 no país. Nem todas as direções clínicas e hospitalares, na sua opinião, estão sensibilizadas para esta evidência. “Se isso acontecesse, tenho a certeza que a falta de sangue nos hospitais não seria assim tão evidente nem tão premente”.

Atualmente este hospital não efetua recolhas de sangue, recorrendo ao Instituto Português do Sangue e Centro Hospitalar do Médio Tejo. No decorrer de uma ação inspetiva que teve lugar em 2010, verificou-se que o hospital tinha insuficiências de diversa ordem para aquele fim quer a nível do espaço, quer do próprio laboratório. A ideia é recuperar esta vertente no hospital num futuro próximo. “Se tivéssemos recolhas conseguiríamos ser autossuficientes, até porque a tendência é diminuir o número de transfusões enquanto prática clínica, restringindo-as apenas aos casos mais graves”, constata.

Já no Hospital de Vila Franca de Xira, a médica imunohemoterapeuta Dina Pereira, dá conta que três vezes por semana quem quiser pode doar sangue, submetendo-se antes a um questionário que é feito por um médico, e que compreende as perguntas estipuladas pelo Instituto Português do Sangue. Quanto à gestão das unidades de sangue, dá conta que é diária. “Não somos autossuficientes. Apesar de termos colheitas, face às necessidades transfusionais dos nossos doentes, temos de adquirir sangue ao Instituto Português do Sangue. Já tivemos mais autossuficiência, mas nesta altura andamos por volta dos 65 por cento”. Por outro lado, o número de colheitas e de dadores em determinado dia não é regular, “porque há dias em que chegam ao serviço cinco ou seis pessoas para dar sangue e noutros 18 ou 20”. Entre dadores regulares o hospital tem cerca de 1500 pessoas por ano que o fazem. “Precisamos de mais é um facto, mas não temos capacidade para receber mais com qualidade, porque a equipa é reduzida. Significa mais tempos de espera numa deslocação e as pessoas não têm paciência”.

 

João Moura dá a conhecer o serviço de imunohemoterapia do Hospital de Santarém onde é o único médico
Dina Pereira salienta que este é um serviço onde todos fazem falta porque a equipa é pequena

Atualmente e pese embora o Hospital de Santarém não possuir este serviço de recolhas, as reservas existentes, no caso, por exemplo, das urgências “não estão em causa porque existe aqui um médico imunohemoterapeuta que neste caso sou eu, isto sem querer estar a vangloriar-me. Faz muita diferença ter um especialista ou não”. “A nossa especialidade tem de prever aquilo que de hoje para amanhã pode acontecer e temos de preparar atempadamente as reservas de sangue face a qualquer eventualidade. Temos sempre stocks mínimos para atender ao que é previsível e tendo em linha de conta qualquer sobrecarga episódica”, dá conta o clínico, que acrescenta que estes cálculos “regra geral não falham”, à exceção do que aconteceu durantes as vagas da Covid-19. “Cheguei a ir para casa com seis unidades no frigorífico, e com o hospital lotado de doentes. Só tinha vontade de chorar. Agora já fora da pandemia, o normal é termos entre 30 a 40 unidades”. Atualmente e no Hospital de Vila Franca que tem uma autossuficiência de 35 por cento, as reservas dão para três dias. “Se houvesse um cenário de catástrofe não chegava, mas estamos a falar de algo hipotético”, esclarece a médica imunohemoterapeuta.

Por ano, o hospital de Santarém, que serve 200 mil habitantes, realiza cerca de cinco mil transfusões, cerca de três mil litros de sangue. Já no Hospital de Vila Franca, que serve 250 mil habitantes, foram realizadas 3200 transfusões em 2022.
A medicina caminha para a redução do número de transfusões sanguíneas. No hospital de Santarém diminuiu-se num ano cerca de 20 por cento esta prática clínica, “o que é algo bárbaro”, se assim se pode dizer, refere o clínico. “Foi à custa de muito trabalho, de chatear muito os colegas, aliás temos hoje uma campanha da Associação Portuguesa de Imunohemoterapia que vai no sentido aconselhar os profissionais a pouparem os doentes das transfusões de sangue”. O médico explica que a prevalência da anemia tem melhores resultados, em muitos casos, com medicação do que propriamente com transfusões de sangue. Contudo faz questão de salientar: “Acredito que nunca deixámos de fazer uma transfusão ao doente que efetivamente precisava da mesma”. A gestão dos stocks de plaquetas é ainda mais difícil, tendo em conta que a data de validade não vai além de escassos cinco dias. “Temos a noção de que o imunohemoterapeuta joga muito com a gestão das expetativas quer dos doentes, quer dos colegas de outras especialidades, tendo em conta esta ginástica que temos de ter na disponibilização do sangue”. Por vezes, o que acontece “é que há doentes que chegam aqui com a carta do médico de família para a transfusão de sangue, quando há outras soluções”.

O hospital de Santarém tem optado nos últimos anos na administração hospitalar do fármaco caroximaltose férrica face ao avolumar de casos de anemia ferropénica na população, “que hoje é uma espécie de epidemia silenciosa”. Esta é uma alternativa à transfusão, bem como outros medicamentos à base de ferro. Já Dina Pereira refere, por seu lado, que “quando não estamos perante hemorragias agudas, podemos ir por terapias alternativas à transfusão e nesse caso estamos a falar por exemplo de consultas de otimização da situação clínica do doente em situações de pré-operatório”. “Também diminuímos as transfusões no intraoperatório porque preparamos melhor o doente para cirurgia, que desta forma precisa de menos de sangue”. “Somos uma equipa muito pequena neste serviço que apenas se mantém devido à dedicação dos médicos, dos técnicos, e auxiliares”, esclarece.

Contudo há situações em que a transfusão é a única forma de salvar a vidas, acrescenta por seu turno João Moura, quando estamos na presença do trauma grave e que “aqui em Santarém tem alguma expressão”, porque “temos três autoestradas a que acrescem ainda muitos acidentes com alfaias agrícolas no campo”, passando “pelas hemorragias obstétricas, apesar de raras”, ou outras envolvendo “doentes oncológicos graves”. “Porque no resto, há várias formas alternativas de tratamento ou pelo menos de se salvaguardar as reservas de sangue necessárias, com tempo, de forma programada”. Por outro lado, uma transfusão de sangue “é sempre um transplante”, o que pode ocorrer é que o paciente tenha reações adversas ao sangue de outra pessoa, como ocorre de resto em muitas doações de órgãos.

Sangue liofilizado, o futuro pode passar pela diluição, estilo leite em pó

A liofilização do sangue é, entretanto, um dos novos caminhos da ciência neste campo. Cientistas norte americanos desenvolveram uma nova técnica para liofilizar o sangue, o que pode permitir que ele dure anos. Apenas é usado para fins militares em contextos de guerra, mas espera-se que a investigação possa permitir que seja uma realidade nos hospitais de todo o mundo. “Já temos belíssimos resultados, o que é fantástico. O sangue liofilizado não obriga a uma refrigeração ou conservação extraordinárias. Poderá ser a via principal no futuro, a par da criação de proteínas artificiais similares à hemoglobina, mas “é algo muito difícil de reproduzir esta molécula em laboratório”. Até ao momento “não vi nada na literatura que dê a entender que esse processo seja prometedor”.

O processo do sangue liofilizado passa, naturalmente, pela colheita e depois por algo semelhante ao que acontece com a colheita da medula óssea. Numa fase posterior procede-se à desidratação das células. “Aquilo fica um pozinho que se dilui como se de leite em pó se tratasse, e fazendo aqui a comparação não é igual ao da mãe, mas ajuda”. João Moura confessa que nunca assistiu in loco a este processo, mas que tem muita curiosidade. “O que vi foi apenas em revistas científicas” e do que conhece está a ter sucesso. O médico adverte que ainda estamos na ponta da lança de uma investigação, e que a chegar aos hospitais deve demorar cerca de 20 anos.  “É muito promissor, mas nesta altura estão a correr os testes clínicos, seguem-se as revisões, as críticas. Será aprovado primeiro para os Estados Unidos, e só mais tarde para a Europa. A não ser que tenhamos aqui um contexto pandémico como houve com as vacinas em que se jorrou dinheiro para cima da investigação, caso contrário serão ainda muitos anos”.

Quando questionado sobre a questão das Testemunhas de Jeová que não aceitam as transfusões de sangue entre pessoas de acordo com aquilo que a sua religião professa, o médico refere que essa é uma escolha do doente. “Se a pessoa estiver entre a vida e a morte e não quiser sofrer uma transfusão, mesmo que esteja na posse de toda a informação, tenho de respeitar. Razões de fé são o que são e tenho de as aceitar”, confessa.

Hospital de Vila Franca com recolhas três vezes por semana

No dia da nossa reportagem no Hospital de Vila Franca, aguardavam a vez para doar sangue, numa das últimas segundas-feiras, alguns habitantes da área de influência daquela unidade. Dadores regulares, fazem questão de marcar presença no hospital para efetuar uma doação. O processo regra geral é rápido e não demora mais do que uma hora. Tem lugar a consulta, a recolha propriamente dita, e segue-se um pequeno lanche.

Daniel Oliveira, residente em Povos, Vila Franca de Xira, conta que sempre teve o desejo de ser dador, algo que cumpre desde os 18 anos, no Hospital de Vila Franca. “Já sabia que tinha um bom sangue para ajudar as pessoas. Sou O positivo. Não posso dizer que isto seja um sonho, mas sinto-me muito bem a ajudar os outros”. Por norma vem de quatro em quatro meses.

Ana Munhoz, moradora em Vila Franca, é dadora há cinco anos e começou por insistência da filha que é dadora desde os 18 anos. Conta que trabalha na área da saúde, e que ainda demorou a tomar a decisão de se tornar dadora, mas não se arrepende. “Há quatro anos decidi experimentar com muito receio, porque as minhas veias não são muito boas para tirar sangue. Ficam em casa! É o que costumam dizer as técnicas. Mas isto é um bichinho que fica. Venho de quatro em quatro meses”, dá conta. Como tal deixa apenas este conselho para quem nunca fez uma doação de sangue: “Experimentem e não se vão arrepender”.

Eliel Costa, O positivo, é um imigrante brasileiro que vive em Vila Franca de Xira que já era dador há 10 anos no seu país. “Por indicação de alguns amigos, que passaram boas referências deste hospital comecei a vir aqui doar sangue”, conta, referindo que os procedimentos são quase idênticos aos brasileiros. Diz sentir-se “muito bem” em doar sangue. “É fazer o bem pelo próximo, salvar vidas. Faço isto com muito gosto. O organismo não se ressente. Não sou dador para ter um dia de folga na empresa, mas porque tenho esta necessidade e a cada três meses venho aqui”.

Jorge Félix é bombeiro e dador de sangue

Jorge Félix vai voltar a ser dador 25 anos depois de ter sido sujeito a uma transfusão

Jorge Félix é um verdadeiro herói que tem feito a diferença na vida de muitas pessoas ao doar sangue e plaquetas regularmente. Com 55 anos, morador na Póvoa de Santa Iria, casado e pai de duas filhas, Jorge é bombeiro e vigilante no Centro de Saúde de Alverca do Ribatejo, e a sua generosidade tem sido um exemplo de altruísmo.

Após ter sofrido um grave acidente e de ter precisado de uma transfusão de sangue, Jorge ainda tem vontade de continuar a doar sangue para ajudar outras pessoas. Devido à transfusão, só passados 25 anos, é que se pode voltar a doar sangue, prazo, que no seu caso, termina no próximo ano, e como nunca pensou em desistir de doar sangue vai voltar a ser dador. Foi com pena que esteve estes anos todos sem poder exercer este ato voluntário, que retomará em 2024.

A nossa entrevista começou com uma pergunta simples, mas que revelou a origem do compromisso emocional de Jorge com a doação de sangue: Como é que tudo começou? E no seu caso recorda o episódio relacionado com um problema de saúde de um bebé da sua família que necessitava urgentemente de transfusões sanguíneas. Era um bebé com meses de vida, diagnosticado com leucemia, cuja sobrevivência dependia do sangue doado por outras pessoas. Infelizmente, a criança não resistiu à doença, mas essa experiência despertou em Jorge o desejo de ajudar ainda mais outros indivíduos através da doação.

Jorge é doador do tipo sanguíneo O positivo. No entanto, ressalta que a doação só é possível para aqueles que estão em boas condições de saúde, pesam mais de 50 quilos e têm uma alimentação adequada antes e após o ato de doar.
O processo de doação de sangue é rigoroso, exigindo exames médicos detalhados e um questionário minucioso para garantir que tanto o doador quanto o recetor estejam em segurança. A sinceridade nas respostas é central, pois qualquer indicação de doença ou condição que possa afetar a doação pode levar à exclusão temporária ou permanente do voluntário.

Além das doações de sangue, Jorge também se tornou um doador de plaquetas, um procedimento que envolve a separação daqueles componentes do sangue e a sua posterior doação a pacientes que precisam delas, como pessoas em tratamento contra o cancro, submetidas a quimioterapia ou radioterapia, e outros casos médicos complexos.

Entretanto, a história de Jorge não se limita à generosidade com a doação de sangue e plaquetas. Em 1999, sofreu um grave acidente enquanto ajudava uma pessoa com deficiência visual a atravessar a estrada. O acidente resultou num coma de sete dias, seguido de um longo período de três anos em recuperação. Mesmo após esse trauma, continuou com a sua missão de ajudar o próximo.

“A gente nunca sabe o dia de amanhã. Podemos estar bem agora e precisar de sangue num instante. Temos de dar sangue, e ajudar as pessoas todos os dias, pois infelizmente haverá sempre quem precise”.

Jorge Félix é um exemplo de como um gesto simples pode ter um impacto significativo na vida de muitos. A sua dedicação em ajudar o próximo e a sua disposição em partilhar essa experiência lembram-nos da importância da empatia e da solidariedade na nossa sociedade.

Mariana Montês dá conta que a pandemia quebrou até certo ponto a afluência às recolhas

 

Grupo de Dadores do Vale de Santarém tenta captar dadores mais jovens

Faltam jovens à causa da dádiva de sangue em Portugal. Esta é uma das preocupações da grande maioria das instituições que se dedica a esta prática altruísta, que vai perdendo alguns voluntários. A falta de incentivos e às vezes a falta de informação, ou vontade são reais. As pessoas com mais de 65 anos, idade limite para se doar sangue, estão arredadas desta prática, mas por outro lado, não há muitos jovens a dar sangue, “porque têm outros interesses”. A conclusão é quase unânime, mas Mariana Montês, presidente do Grupo de Dadores de Sangue do Vale de Santarém, é perentória: “Falta ganhar os jovens para a dádiva de sangue”.

Em entrevista ao Valor Local, Mariana Montês, sublinha a necessidade urgente de alertar os mais novos para esta situação, algo que vai acontecendo um pouco por todo o país. Não que faltem pessoas mais velhas para este ato, “mas medicamente estão impedidas de o fazer”, algo que constatamos na nossa reportagem depois de falar com um voluntário de Vale de Santarém que há anos deixou de dar sangue, e que nos dias de hoje ainda lamenta esse facto.

Segundo Mariana Montês, a pandemia não ajudou em nada, mas passado quase um ano do seu fim, a situação tende agora a normalizar. Ainda assim refere a dificuldade em encontrar novos dadores nas sessões que vai realizando ao longo do ano e onde tem em média, 50 a 60 pessoas inscritas. Quanto aos dadores, salienta que são “as pessoas habituais, ou seja, as que já davam e que sempre deram, independentemente da situação, embora tenham existido receios durante a pandemia”, esclarece.

Ao longo do ano, Mariana Montês, recorda que são realizadas em média sete recolhas. Já este ano, será menos uma, porque, no ano passado, fizeram uma recolha extra junto da população estudantil do ISLA de Santarém, que este ano não vai ter lugar.
A presidente salienta que essa seria uma recolha importante, tendo em conta aquele tipo de voluntários mais jovens, que os Dadores de Segue do Vale de Santarém, pretendem atingir.

Ainda assim, sublinha a sua vontade de fazer no futuro algumas campanhas de informação nas escolas, junto da camada populacional mais jovem.  No seu entender, o facto de não saber para quem vai o sangue, inibe, na maioria das vezes a camada mais jovem de aderir à causa.

Mariana Montês, sublinha que tem o apoio da Federação Portuguesa e Dadores Benévolos de Sangue, e que todas as ações passaram por uma parceria com a instituição.

O grupo de dadores de Sangue do Vale de Santarém é atualmente composto de 10 voluntários. Todos têm um papel importante, quer nos cargos diretivos, quer no dia a dia da logística. O grupo tem o apoio financeiro da Câmara Municipal de Santarém e  todos os dias usa a criatividade, quer para chamar novos dadores, quer para pagar contas.

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