Nos últimos anos, Azambuja tornou-se um dos principais pontos de entrada e fixação de comunidades imigrantes na região da Lezíria do Tejo. A proximidade a grandes polos logísticos, o acesso ferroviário e a necessidade constante de mão de obra transformaram a vila num retrato condensado das dinâmicas migratórias que marcam o país.
Entre histórias de integração bem-sucedida e situações de precariedade extrema, o fenómeno da imigração assume aqui diferentes rostos e contrastes. De um lado, cidadãos como Gurpreet Singh, que há dez anos vive em Portugal e se tornou um exemplo de adaptação e empenho. Do outro, realidades como a da Torre Azul, um edifício que espelha os desafios da habitação, da sobrelotação e da ausência de respostas eficazes por parte das autoridades.
O Valor Local ouviu imigrantes, moradores, gestores de condomínio, antigos trabalhadores da logística e representantes políticos, para compreender um tema que vai muito além das fronteiras locais. O resultado é um retrato humano e social que revela as tensões, esperanças e contradições de um concelho que cresce, muda e se diversifica — mas que ainda procura encontrar o equilíbrio entre acolher e integrar.
Desde o seu início que a denominada Torre Azul, em Azambuja, na Avenida Condes de Azambuja, não deixa de ter histórias para contar – esteve muitos anos à espera dos primeiros inquilinos, devido à insolvência do construtor. Chegou a estar 25 anos em esqueleto. Há quatro anos, o fundo que geria o complexo de apartamentos atirou dezenas de famílias para a rua, porque os contratos tinham acabado e as rendas passariam para o dobro ou para o triplo. Hoje, o edifício de nove andares é o expoente máximo da sobrelotação pelas comunidades imigrantes. As diferenças culturais e cívicas saltam à vista, e quem compra hoje um apartamento no local diz-se surpreendido com o estado das coisas. Chegam a ser às dezenas os homens vindos do denominado Indostão que vivem nos apartamentos em regime de subarrendamento.
Falámos com duas moradoras que preferem não ser identificadas. Leonor comprou o seu T1 há cerca de um ano. Conta que existem vários casos de sobrelotação no prédio e que não estava à espera desta realidade. Pelo que tem observado, os estrangeiros são normalmente pessoas pacatas e que vivem a sua vida, mas os hábitos acabam por não ser os melhores. Segundo apurámos junto de um agente imobiliário da região, a situação chegou a ser pior, com os espaços comuns totalmente conspurcados. Graças à intervenção da gestão do condomínio, já se conseguiu melhorar um pouco determinadas áreas do prédio. Os proprietários de casas neste edifício contam-nos que, a muito custo, tem sido possível sensibilizar para a necessidade de manutenção. Mesmo assim, há paredes sujas um pouco por toda a parte. Durante mais de um ano, o interior do prédio permaneceu acessível, porque a porta foi arrombada e demorou até ser colocado um novo sistema de abertura.
“Não sou racista, mas penso que todos devem contribuir para a harmonia no prédio. Temos casos de famílias indianas a viverem aqui, e onde a convivência é muito mais fácil. Os homens que vivem no prédio deveriam esforçar-se mais no sentido da sua integração. Os imigrantes que chegam desses sítios no mundo deviam também fazer uma tentativa no sentido de aprenderem a língua, e isso nem sempre acontece, e, sobretudo, terem gosto em manter o prédio limpo e não deixar lixo por toda a parte.” Na parte exterior, é um clássico a sujidade, a deposição de lixo fora dos caixotes, e Leonor acredita que 50 por cento do prédio é ocupado por indostânicos. As rendas serão superiores a 1.000 euros, mas o valor acaba por não ser pesado, se considerarmos que é dividido entre várias pessoas. Este é um preço de renda incomportável para quem deseja vir só com a família, seja ela portuguesa ou estrangeira.
Fundo Hipoges acusado de se demitir responsabilidades no estado de coisas
O fundo Hipoges gere parte dos apartamentos arrendados onde vivem os cidadãos estrangeiros, e Leonor acusa a empresa de não se importar na devida medida com o estado das coisas. “Penso que a ideia deles passa por despacharem essas pessoas à medida que os contratos de arrendamento vão acabando”, conta. De facto, e após uma pesquisa breve na internet, deparamo-nos com a evidência de estarem, pelo menos nesta altura, cerca de seis apartamentos neste prédio para venda. Todos eles acima dos 230 mil euros. O edifício possui vários T1 com 75 m²; os T2 têm 140 m²; os T3 possuem 155 m². No oitavo andar, cada uma das frações tem 200 m²; por último, o 9.º (penthouse) tem 220 m². Também contactámos a Hipoges, mas não recebemos resposta.

Nas reuniões de condomínio, um proprietário com frações alugadas a estes imigrantes foi confrontado com a realidade da sobrelotação e os danos que esta situação está a causar, mas Leonor dá conta de que o homem em causa optou por uma postura evasiva e de desresponsabilização.
Leonor não sabe se a casa que comprou neste prédio será ou não para a vida, mas, apesar das contrariedades, está satisfeita com a escolha que fez. Está num sítio central, ao pé da estação e “perto de tudo”, constata.
Antónia, outra moradora, que veio de Lisboa para viver em Azambuja, conta que gosta de viver na Torre Azul, mas que, de facto, os modos de vida dos imigrantes não estão adequados ao desejável em termos de higiene e salubridade. Nega constrangimentos a nível da segurança. “São de poucas falas, percebe-se que não falam bem português.” Por outro lado, “ouvi dizer que o proprietário de alguns apartamentos quer que isto fique limpo de imigrantes até ao fim do ano”. “Dá para perceber que têm hábitos diferentes dos nossos, gostam de deixar sempre a porta aberta, não fazem muito barulho, mas cheira sempre a caril e a torradas.” “Temos de facto imensos imigrantes no prédio, penso que, se viessem com as famílias, seria diferente e mais de acordo com os nossos hábitos.
Os imigrantes não são violentos, dizem ‘bom dia’ e vão à vida deles.” Mas Antónia revela que há casos de imigrantes bem integrados no prédio e que contribuem para a harmonia, como um casal de brasileiros que ali vive, que pintou uma das paredes porque já não aguentava mais ver “tudo sujo”. “Penso que há que encarar este problema da sobrelotação com mais afinco, porque constantemente vejo pessoas aqui carregadas com malas. Dá ideia de que está sempre a entrar e a sair gente.” O prédio será um dos expoentes máximos da vila de Azambuja enquanto placa giratória de imigrantes.
Moradoras apelam à intervenção das entidades
As duas moradoras desconhecem que os casos de sobrelotação devem ser imediatamente reportados à Agência para a Integração, Migração e Asilo (AIMA), nomeadamente por parte da junta de freguesia, que é a entidade que fornece os atestados de residência. Contactámos a junta de freguesia de Azambuja para perceber, perante toda a realidade que nos é reportada, se se descortinou a presença de um número anormal de atestados de residência para a mesma habitação, seja neste edifício ou noutros da freguesia, mas, até ao fecho desta edição, não recebemos qualquer resposta face às questões colocadas pelo nosso jornal no âmbito da problemática da imigração.
O nosso jornal também questionou no sentido de perceber quantos atestados de residência foram passados nos últimos quatro anos, e ficámos sem resposta oficial desta junta de freguesia até ao fecho da edição impressa. Contudo, acabámos por ter acesso a essas estatísticas. Segundo os Censos de 2021, a freguesia de Azambuja tinha 8.257 habitantes.
Só nos últimos quatro anos, a junta passou 1.842 atestados de residência. Mesmo tendo em conta que possam ter existido movimentos de saída da freguesia, não deixa de ser um número sobre o qual vale a pena refletir, numa altura em que o concelho de Azambuja tem 91 por cento de pessoas sem médico de família e onde a habitação é escassa. Só de junho a setembro de 2023 foram passados 533 atestados, um pico em relação à média dos restantes trimestres, assinalada entre 70 e 150 atestados.
Mais recentemente a junta acabou por nos fornecer os seguintes dados. No ano de 2024 e até ao setembro deste ano de 2025, a Freguesia de Azambuja emitiu um total de 613 atestados de residência. Refere a autarquia que não identificou situações de sobrelotação pese embora a sua visibilidade. Ainda no debate autárquico, Silvino Lúcio, reeleito presidente de Câmara, na Rádio Valor Local, falava nesta realidade social que levou à intervenção da GNR.

Gestão de condomínio fala num “prédio difícil”
Norberto Aldo representa a Sultanato Al Garb II, que gere o prédio em causa. Espalhadas pelas zonas comuns estão informações a apelar ao civismo e à boa manutenção do edifício, dever de todos os que ali habitam. O gestor de condomínio conta que Azambuja recebe fluxos intensos de imigração.
“Temos tido alguma dificuldade, porque, à partida, estes casos de sobrelotação que têm acontecido são em apartamentos arrendados, na sua maioria por um fundo de investimento imobiliário, com o qual temos algumas dificuldades a nível de comunicação.” Norberto Aldo justifica que, de facto, existem problemas a nível da higiene e também da coabitação dentro do prédio, “reportados pelos demais proprietários”, sobretudo “falta de limpeza nas partes comuns e situações caricatas, como a deposição de dejetos humanos na parte comum, mas também o arrombamento da porta de entrada, que aconteceu em tempos, e toda uma série de problemas que têm surgido devido a estas situações”.
O representante da Sultanato não tem dúvidas – “Quando os imigrantes vêm com as famílias, as regras de urbanidade na convivência são mais respeitadas.” Este prédio, conta, é um desafio para a sua empresa. Embora não consiga precisar com exatidão, tem relatos de proprietários de alguns dos apartamentos em causa que viram todas as divisões da casa transformadas em quartos — no fundo, “autênticos dormitórios”.
Atento a esta realidade, considera que, apesar de o atual Governo estar a apertar a malha em torno da imigração, no terreno e naquilo que é o dia a dia, ainda não se nota esse constrangimento. Também considera que a junta de freguesia de Azambuja está a fazer um mau trabalho ao não conseguir ter rigor na passagem dos atestados de residência, quando em causa estão situações de sobrelotação. Norberto Aldo considera que tudo seria mais fácil se, porventura, as casas fossem arrendadas a preços mais condizentes com o que ganha uma família, em média, e não a preços astronómicos.
Mulher chegou a ficar à porta da junta para lucrar com os imigrantes e os atestados de residência
O nosso jornal, no âmbito desta reportagem, ficou a saber que, até há poucos anos, uma mulher possuidora de um desequilíbrio mental colocava-se todos os dias nas imediações da junta de freguesia a oferecer-se para servir de testemunha junto de imigrantes para alcançarem o desejado atestado de residência. A situação é-nos relatada pela advogada Inês Louro, com escritório na vila. “Eu própria dirigi-me a essa senhora e disse que tinha de parar com esse expediente.”
O Valor Local questionou antes das eleições os cinco candidatos autárquicos na corrida à Câmara de Azambuja sobre a realidade da imigração e da sobrelotação e na sua larga maioria mostraram-se alheados da problemática. Pouco sabem ou dizem conhecer sobre a mesma. O único candidato que mostrou algum conhecimento de causa do fenómeno foi António Torrão, candidato da CDU, que deu a entender que mais do que uma vez denunciou casos à AIMA, mas dos quais não teve repercussão. O ainda presidente da junta de Aveiras de Cima deu a conhecer da existência de casos e que nessas alturas sensibilizou os proprietários.
“Há ordens em determinados armazéns para se dar emprego apenas a indostânicos”
Para compreendermos este quadro, importa perceber a montante o que pode estar por detrás da vinda de uma imigração massiva para a freguesia de Azambuja. João Pedro — vamos chamar-lhe assim — trabalhou largos anos num dos armazéns mais conhecidos na Nacional 3. Fazia a ponte, muitas vezes, entre os recursos humanos e a empresa de trabalho temporário que presta serviços a uma cadeia de supermercados.
João Pedro conta-nos que havia ordens expressas dessa empresa de trabalho temporário para apenas se dar emprego, no picking, a trabalhadores indostânicos. Presenciou esta situação há cerca de dois anos. Entretanto, abandonou este trabalho, mas ainda continua a falar com colegas e o quadro não mudou. João Pedro é perentório: “Possivelmente, a massa humana a trabalhar no picking é 99 por cento estrangeira, proveniente desses países.” A explicação é fácil: “São pessoas trabalhadoras, que não incomodam as chefias, trabalham e não reclamam, nem estão a par dos seus direitos. Havia lá imigrantes com 70 e tal dias de férias por tirar, que nem sabiam que o podiam fazer. Mesmo assim, presenciei o caso de um imigrante que queria ir ao seu país e dispunha de 50 dias de férias, e fizeram de tudo para que não fosse, porque, pura e simplesmente, era um trabalhador produtivo.”
João Pedro acredita que todos os espelhos têm duas faces, e se a realidade da imigração é problemática e causa engulhos, problemas e frustrações a muitos portugueses, também há o outro lado: pessoas completamente exploradas, neste caso por grandes grupos, preocupadas em enviar parte do ordenado para os seus países — muitas com o sonho de irem trabalhar para outros países, mas outras com vontade de trazer as famílias e estabelecerem-se.
Este antigo funcionário da logística acrescenta ainda que um trabalhador deste setor ganha, em média, um ordenado de 1.100 euros se trabalhar das 8h00 às 17h00, “o que não é nada mau”, e rejeita a ideia de que os portugueses preferem viver à conta de subsídios para não se sujeitarem à dureza num trabalho destes. “Recebíamos currículos e inscrições de portugueses com vontade de irem trabalhar para o armazém, mas, como digo, eles só querem pessoas do Indostão. E, se alguém desses países disser que tem um primo ou um amigo que quer vir trabalhar para Portugal nesse serviço, é imediatamente aceite.” Esta escravatura moderna, na opinião de João Pedro, é algo com a qual tem dificuldade em compactuar. “É claro que esta empresa está a borrifar-se para a forma como vivem estes imigrantes, se estão numa casa sobrelotada ou não.” Contudo, afirma que quem trabalha naquele espaço está legal.
O antigo trabalhador precisa que a imigração tem muitas faces – “Mesmo dentro de cidadãos do mesmo país, seja o Bangladesh, o Nepal ou o Paquistão, encontramos pessoas com diferentes perspetivas de vida e do que pretendem fazer no futuro no nosso país, porque também muda consoante as castas.”