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Central Fotovoltaica da Cerca num cenário a perder de vista abastece 100 mil famílias

Num cenário a perder de vista, a Central Fotovoltaica da Cerca surge, agora, em todo o seu esplendor no concelho de Alenquer, numa zona de campo junto à Base Aérea da Ota dispersa por vários quilómetros e a engolir por completo a paisagem. Depois de muitas polémicas à mistura, que antecederam a sua execução no terreno, e apesar de ainda estar numa fase experimental, o parque já está a produzir energia elétrica. São 312 mil 620 painéis bifaciais, estendidos por 200 hectares, com capacidade de produção de 202 megawatts, o suficiente para fornecer um conjunto de 100 mil famílias diariamente, o equivalente a 1 por cento das necessidades do país. É o maior parque da EDP Renováveis na Europa, e “fundamental para assegurar a transição energética do país”, revelou Duarte Bello, administrador da empresa para a Europa e América Latina, em declarações aos jornalistas, no dia 18 de março, durante uma visita à central.

O responsável identificou que com 100 parques iguais ao da Cerca, Portugal poderia ser completamente verde em termos de energia. No fundo este parque de per si consegue abastecer “em teoria todos os concelhos desta região”. Duarte Bello não quis adiantar o valor do investimento no parque, mas revelou que anualmente estão a ser investidos 850 milhões em Portugal em projetos de transição energética, sublinhando ainda que dos grandes projetos resultantes do leilão solar de 2019 “este é dos primeiros a ser colocado de pé, o que diz bem da capacidade de trabalho da EDP”.

Em declarações ao Valor Local, acerca das medidas ambientais que a empresa foi aconselhada a tomar pelas entidades governamentais, Duarte Bello especificou que foram plantados 240 sobreiros e outras 9 mil árvores em zonas de cortina arbórea de forma a diminuir o impacto visual da infraestrutura.

Duarte Bello desvalorizou os episódios que levaram à concentração do parque apenas em Alenquer (foto: EDP)

Instado pelos jornalistas a comentar as preocupações das populações que vêm aparecer nos seus territórios grandes manchas de projetos fotovoltaicos, o responsável deu conta que “a EDP faz um trabalho de antecipação de escolha de terrenos com menor produtividade agrícola compatível com as atividades nessa zona”. “Sabemos que o impacto nunca pode ser zero, e respeitamos ao máximo aquilo que é emanado pelas autoridades”. Questionado quanto ao facto de parte do projeto ter deixado o concelho de Azambuja (ver cronologia da central), refere que esses acontecimentos não se traduziram “num grande revés, mas num ajustamento”. “Já tínhamos um conjunto de terrenos assegurado para enfrentar um plano B ou C, como foi o caso”. A empresa desenvolveu ainda no âmbito da sua responsabilidade social “projetos de Green Energy” junto das escolas dos concelhos de Azambuja e Alenquer.

São 312 mil 620 painéis bifaciais, estendidos por 200 hectares, com capacidade de produção de 202 megawatts (foto: EDP)

Cronologia de uma Central Fotovoltaica nas páginas do Valor Local

Janeiro de 2021– O projeto da Central Solar da Cerca tinha sido submetido a parecer da Agência Portuguesa do Ambiente, mas era desconhecido das duas câmaras municipais, Azambuja e Alenquer, onde viria a implantar-se. Na altura o número de painéis solares proposto era de 458 mil, mais do que aqueles que acabou por ter. “Fotovoltaica Lote A” era o nome da empresa criada pela EDP para o efeito, com sede no Porto. O projeto desenvolvia-se na denominada Quinta da Cerca na freguesia de Aveiras de Baixo, estendendo-se até Vila Nova da Rainha, e daí até à zona da Ota já no concelho de Alenquer. Nesta altura, a polémica das centrais solares já estava ao rubro no concelho de Azambuja, e a Iberdrola que chegou a manifestar interesse em criar o seu parque em Vila Nova da Rainha rumara, entretanto, ao concelho vizinho de Alenquer para concretizar o seu projeto. Já o presidente da Câmara de Alenquer, Pedro Folgado, falava numa pressão inaceitável do Governo para aceitar estes projetos mas neste concelho a pressão política a nível local foi infinitamente menor do que em Azambuja.

Fevereiro de 2021- O PSD e o CDS de Azambuja argumentam que o projeto no concelho de Azambuja implica a devastação de grande parte da Mata das Virtudes. Os dois partidos exigem parecer negativo da Assembleia Municipal para este projeto, assim como para o da Torre Bela. Mais tarde, as duas forças políticas viriam a recolher os frutos da sua posição com o recuo por parte da EDP na concretização de parte do parque solar em Aveiras de Baixo. No concelho de Azambuja ficariam apenas as linhas.

Abril de 2021– A empresa presta as primeiras declarações ao Valor Local. Sustentava, a EDP que Azambuja e Alenquer, passariam a ser concelhos descarbonizados em termos do consumo de eletricidade com um forte impulso à economia verde do país. A empresa preferiu não responder às nossas questões sobre os campos eletromagnéticos, necessidade de reflorestação dos terrenos com sobreiros, possíveis benefícios para as duas autarquias, e a colocação de uma barreira verde junto ao parque fotovoltaico.

Maio de 2021– A Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves alerta para as fortes implicações ambientais do projeto no concelho de Alenquer. Em causa estariam espécies como os corvos marinhos; íbis preta; flamingo, entre outras. O desaparecimento de centenas de espécies poderia ser uma possibilidade, alertava a SPEA à nossa reportagem.

Maio de 2021– Também a Assembleia de Freguesia de Azambuja se juntou às críticas a esta mega central fotovolotaica, e à da Torre Bela. Foi aprovada uma moção apresentada pelo PSD e CDS contra as centrais solares. Mais recentemente a atual vereadora do Chega, Inês Louro, antiga presidente de junta de Azambuja do PS, confidenciou ao Valor Local que nas vésperas das autárquicas o então secretário de Estado da Energia, João Galamba, veio ao concelho e pressionou fortemente os autarcas do Partido Socialista para facilitarem a vida às duas empresas, a EDP Renováveis e a Aura Power/CSRTB.

Junho de 2021- O projeto obtém parecer favorável, mas sujeito a várias condicionantes. No relatório, as associações ambientalistas expressam os seus receios. Desmatação e desarborização; afastamento permanente de espécies de aves; comprometimento das zonas de Paul da Ota e do Archino eram apenas algumas das preocupações elencadas.

Janeiro de 2022- A escassas semanas das eleições legislativas, o Governo aprova o decreto-lei 15/2022 que visa contornar os muitos movimentos oposicionistas à instalação de parques fotovoltaicos no país. No concelho de Alenquer já havia parecer favorável do município à instalação deste parque, mas no concelho de Azambuja previa-se “um osso duro de roer” para as intenções da empresa. O decreto-lei veio dar uma machadada nas convicções das várias forças políticas. Previa-se uma batalha dura da EDP no concelho de Azambuja, mas a história foi outra.

Julho de 2022- Começam os primeiros trabalhos no terreno com vista à instalação da central nos dois concelhos. Face às polémicas no concelho de Azambuja, a EDP abandona a possibilidade de instalar painéis na Quinta da Cerca. O projeto sofre um rombo ainda significativo, e passa de 458 mil painéis para 312 mil 620. Agora o parque fica apenas confinado ao concelho de Alenquer e as linhas ao de Azambuja, num total de 16,1 quilómetros, a que se junta a subestação de Vila Nova da Rainha.

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