O boletim económico do Banco de Portugal de dezembro de 2024, que atualiza as previsões económicas para os próximos anos, também é um documento de reflexão sobre diversas questões económicas e orçamentais do nosso país, sobre as quais devemos refletir.
Relativamente às projeções económicas, o Banco Central prevê que Portugal tenha um desempenho moderado nos próximos anos, alavancado pelo consumo privado e pelo investimento. As contas públicas melhoram no que respeita à dívida pública (com uma descida de 15 pontos percentuais entre 2023 e 2027), apesar de o saldo orçamental se deteriorar, prevendo o regresso aos défices orçamentais (quando as despesas são superiores às receitas).
Um dos temas abordados pelo boletim económico são as desigualdades. A poupança é o resultado do rendimento que sobra depois de realizarmos todas as despesas num determinado período. Sabemos também, pela naturalidade do tema, que quanto maior o rendimento tendencialmente maior será a capacidade de poupança. Mas a dimensão das desigualdades são da maior brutalidade.
Os números demonstram que 20% dos que mais ganham detêm 55% da poupança e 20% dos que mais têm, detêm 66% da poupança. Do outro lado, estão os que menos ganham e mais pobres. Os 10% que menos rendimento auferem têm uma poupança negativa de 2,6% e os 10% mais pobres têm uma poupança negativa de 12,7%, o que indica que vivem com recurso ao crédito ou das suas poupanças para cobrir a totalidade das suas despesas. Estes números demonstram um nível de desigualdades sem igual.
Uma sociedade onde 20% recebe mais e detém mais poupança que os outros 80% (combinados), é uma sociedade desequilibrada. Existindo uma parte, que mesmo trabalhando não tem capacidade de fazer face às despesas, cria-se uma bomba-relógio social, gerando revolta e condições para o maior dos populismos avançar na sociedade.
Existe a necessidade de repensarmos o modelo económico que nos levou a estes números. Se é verdade que cada um deve ser remunerado consoante as suas responsabilidades e, por consequência, quanto maior as responsabilidades, maior a remuneração. É também verdade que ninguém deve ser pobre mesmo trabalhando, o que acontece em 10% dos trabalhadores em Portugal.
Olhando para o mais extremo dos casos, alguém que aufira uma remuneração na ordem dos 100 mil euros mensais (como aconteceu nas 5 das maiores empresas em Portugal no ano de 2023) a atribuição de mais 20 ou 30 mil euros num ano, gerará uma satisfação inferior quando comparado com a repartição desse mesmo valor por colaboradores que auferem rendimentos mais baixos.
A maneira de resolver este problema não é simples. Um aumento de impostos sobre rendimentos elevados pode ser visto pela sociedade como um ataque ao direito que uma determinada pessoa conquistou pelas responsabilidades que assumiu, vista quase como uma espoliação. Ao mesmo tempo que o aumento do salário mínimo, sem a garantia que os restantes salários acompanham a subida, será sentida como uma desvalorização do trabalho e das responsabilidades que as pessoas foram assumindo ao longo da sua carreira, tendo um efeito desmotivador: “Se quem tem menos ‘dores de cabeça’ já ganha tanto como eu, é preferível não ter as responsabilidades que desempenho”.
Uma das abordagens é a limitação dos salários mais elevados. A limitação salarial através de tetos máximos pode ser um caminho, se for baseada num rácio com a remuneração média da empresa. Ou seja, só fará sentido limitar os salários das administrações se estes puderem flutuar consoante o investimento que é feito nos trabalhadores. Quanto maior fosse o salário médio de uma empresa maior seria o salário dos administradores. Caso contrário, será uma medida sem qualquer validade.
Combater as desigualdades não é um caminho simples, terá de ser enfrentado com um mix de medidas, mas têm de ser combatidas, de modo a vivermos numa sociedade mais justa.