A Câmara Municipal de Alenquer conseguiu negociar um aumento de 6 por cento nas tarifas da água. (A taxa de inflação anda nos 2,3 por cento atualmente). Chega para já ao fim o braço de ferro entre a concessionária Águas de Alenquer e o município em que a empresa chegou a pedir ainda no tempo da pandemia aumentos a rondar os 53 por cento. O município através da assessoria de Poças Martins conseguiu negociar a seu contento algumas das matérias mais intrincadas do contrato. Em média e para este ano, o consumo aumenta 1 euro e 52 cêntimos por família no primeiro escalão, numa comparação entre o tarifário atual e o que vai ser implementado. Já no segundo escalão serão mais 2 euros e 37 cêntimos. Estes são valores que não convenceram a oposição que continua a falar de “um negócio ruinoso para a Câmara”.
Recorde-se que a Águas de Alenquer reclamava um pagamento no valor de 8 milhões de euros referentes a custos com o calcário mais as compensações pelo atraso no funcionamento de uma ETAR, acordadas no aditamento de 2011, segundo a empresa, entre outras matérias em que considerava ter sido lesada. Poças Martins, durante a reunião de Câmara de Alenquer, defendeu que o município, durante as negociações, fez valer o facto de que não podia ressarcir a empresa dos prejuízos face às incrustações de calcário na rede. “A Águas de Alenquer pedia o evento do calcário no contrato de reequilíbrio, mas devia saber disso quando iniciou a concessão”, demonstrou. O especialista do setor lembrou que a empresa no que ainda falta da concessão, até 2033, pode voltar à carga com este tema, mas para já ficará adormecida esta questão. Apesar de Poças Martins considerar que o município ficou bem defendido, não foi da mesma opinião, o vereador da CDU, Ernesto Ferreira, que lembrou os graves prejuízos que os munícipes sofreram devido à presença de calcário na rede, “e dos mesmos ninguém os indemniza, nem Câmara, nem concessionária”, aludiu.
Poças Martins defendeu, ainda, que apesar do evento do calcário, “a água da torneira no concelho é de boa qualidade e o número de reclamações face à empresa não é significativo”. Neste ponto, Nuno Henriques, do PSD, redarguiu – “Não é significativo porque as pessoas preferem ir para as redes sociais, e não fazer uso da cidadania nos locais próprios que são as reuniões de Câmara, mas não tenhamos dúvidas de que as razões de queixa são muitas”.
Contudo o município não conseguiu vencer o braço de ferro no que se refere às indemnizações pelo atraso no funcionamento das infraestruturas, 500 mil euros, o que tudo colocado no prato da balança não deixa o município infeliz com o acordo alcançado. Pedro Folgado, em reunião de Câmara, reforçou ter sido “o acordo possível” em oito anos.
O município não pode dizer o mesmo quanto à necessidade de renovação das redes. O contrato de concessão é vago, porquanto não é completamente explícito sobre as responsabilidades da empresa. Para além de que, e segundo Tiago Carvalho, diretor da empresa, em declarações ao Valor Local, em inícios de 2020, a Águas de Alenquer já terá cumprido na totalidade a verba prevista no investimento global para os 30 anos de concessão, 22 milhões de euros. Poças Martins pormenorizou – “O contrato não prevê renovação, mas a boa manutenção”, caso contrário “teria de se alterar o caso base” com consequente aumento das tarifas. O especialista alertou que em 2033 as condutas de água do município vão chegar ao seu limite pelo que terão de ser substituídas qualquer que venha a ser o futuro modelo de gestão, mas considerou que no caso de retornar ao município pode ser possível “não aumentar significativamente as tarifas”. Atualmente a Águas de Alenquer tem um milhão de euros de lucros por ano e pode chegar aos 2 milhões.
Já quanto ao valor a ressarcir aos munícipes por via do abaixamento de tarifas que devia ter acontecido nos anos de 2017 e 2018, mas que não foi colocado em prática pela concessionária tendo-se gerado um valor de 2 milhões de euros, que numa primeira fase Pedro Folgado, em vésperas das eleições de 2017, garantiu que seria distribuído aos munícipes, desta feita apenas se poderá repercutir, este crédito, aos consumidores por via dos valores a atribuir aos tarifários. “A Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos (ERSAR) indicou que esta quantia tinha de ser encarada em sede global de reequilíbrio de contrato”. O próprio presidente da autarquia já tinha aludido que não seria possível restituir as verbas “devido a dificuldades processuais”. Nas redes sociais, e já depois desta reunião, o grupo de cidadãos Alenquer Água Justa, convoca a população para uma manifestação contra esta componente do acordo, entre outras, na próxima assembleia municipal, altura em que a proposta será votada no órgão deliberativo. A sessão foi ainda omissa quanto a questões como a negociação da Taxa Interna de Rentabilidade (TIR) e a eliminação das cláusulas contratuais que impliquem a transferência de riscos operacionais para o concedente (Câmara) como determinado pelo Tribunal de Contas.
A proposta de reequilíbrio financeiro da concessão que teve parecer favorável da ERSAR recebeu os votos a favor do PS e contra do PSD e CDU. Aquele que é um acordo possível para o município, é visto como ruinoso pela oposição. Ernesto Ferreira deixou no ar –“E quem indemniza a população destes anos todos a contas com roturas, de horas e horas sem água, e incrustações calcárias?”.
Cronologia de uma Negociação
Setembro de 2021 – Em entrevista à Rádio Valor Local, o candidato à Câmara de Alenquer e presidente da autarquia, Pedro Folgado, garantia que não queria acabar o seu último mandato, no caso de garantir aquela eleição, sem conseguir resolver o imbróglio das águas. Só o viria a conseguir agora quando falta um ano e meio para deixar a autarquia. Acabar com a concessão estava fora de hipótese, poderia ir muito além de 60 milhões de euros, valor inicialmente determinado.
Junho de 2021– Câmara impõe baixa da tarifa da água para 2022, por valor cobrados acima do que era suposto. Em causa uma diminuição de 1,6 por cento de retroativos. Autarca garantia ainda que deste desfasamento resultavam perto de dois milhões de euros a restituir aos munícipes. A promessa foi deixada à porta das eleições.
Março de 2021- Numa entrevista ao Valor Local, Pedro Folgado falava na necessidade de um investimento de 80 milhões de euros nas redes de abastecimento. O autarca aludia à possibilidade de o município entrar como acionista na concessão de forma a resolver o impasse criado.
Agosto de 2020- A Câmara de Alenquer pagou 20 mil euros pelo estudo efetuado por Poças Martins sobre a concessão, que viria a ser fundamental em todo o processo de negociação. O académico que substituiu Cunha Marques na assessoria municipal deu outro respaldo ao município, face ao recente pedido de reequilíbrio com aumentos previstos de 54 por cento.
Abril de 2020- Em plena pandemia, a empresa não se fez rogada em pedir um exorbitante pedido de reequilíbrio financeiro, desta feita na casa dos 54 por cento. Em 2018 tinha sido apresentado um pedido a rondar os 46 por cento. Com ainda 13 anos de concessão pela frente, a empresa argumentava com a banda de consumos 20 por cento abaixo do que estava no contrato. Pedro Folgado mantinha a sua irredutibilidade quanto a anuir às pretensões da empresa e fazer onerar os consumidores.
Dezembro de 2019 – Numa entrevista em exclusivo ao Valor Local, o homem que foi o primeiro assessor da autarquia na negociação do contrato, Cunha Marques, reputado especialista do setor, alerta para a possibilidade de a concessionária recorrer ao tribunal arbitral e o município poder pagar mais de 60 milhões de euros, mas considera desfasado o pedido de reequilíbrio financeiro que á época era de 46 por cento.
Novembro de 2019 – Um grupo de cidadãos saído das redes sociais exige um referendo a nível local para expulsar a concessionária do concelho. O grupo exigia a remunicipalização do serviço. Meses antes tinham entregado um abaixo-assinado na Assembleia Municipal com um caderno de reivindicações face aos preços e ao serviço praticado pela concessionária.
Julho de 2019– Numa longa entrevista ao Valor Local, o presidente da Câmara revela que não vai anuir às pretensões da empresa, mas que voltar a municipalizar o serviço antes do fim da concessão significaria a ruína total da Câmara.
Setembro de 2017– Em entrevista ao Valor Local no âmbito das autárquicas, Pedro Folgado enfrentava críticas por estar a esconder o pedido de reequilíbrio efetuado meses antes pela Águas de Alenquer. O que é certo é que pouco se sabia quanto ao que estava em cima da mesa por parte da concessionária, e o presidente e candidato também pouco ou nada esclareceu
Maio de 2016– No mesmo ano em que a Águas de Alenquer pede a negociação do contrato, Folgado em exclusivo ao nosso jornal adianta que quer acabar com a concessão, numa frase que lhe causou muitos amargos de boca à posteriori porque teve de voltar atrás.