Os moradores da aldeia da Granja, na freguesia de Vialonga continuam a movimentar-se contra a instalação de uma vacaria a escassos metros do núcleo urbano da localidade, na denominada Lezíria das Madrugas. O Valor Local esteve na aldeia e ouviu os receios da população que teme não apenas os prováveis maus cheiros decorrentes da atividade em perspetiva, mas também os impactes a nível de uma ribeira adjacente ao terreno com possibilidade de aumento das cheias, tendo em vista os trabalhos que o proprietário terá de efetuar para repor a cota ao nível de 2003. Ao Valor Local, o presidente da junta de Vialonga, João Tremoço, fala em colocar uma providência cautelar contra este projeto se acabar por ir para a frente.
João Nisa é um dos moradores da localidade, e dá conta que a exploração de 12 hectares onde está prevista a instalação da vacaria com 15 animais fica situada entre 100 a 200 metros das casas e a 350 metros de uma escola- “Imagine o que isto vai ser com os maus cheiros quando vivem aqui 700 pessoas, e onde todos os dias existe um movimento enorme de trabalhadores para almoçar nos restaurantes da aldeia”, dá conta.
Para além disso “não me parece que numa extensão de terreno com 12 hectares, o proprietário coloque apenas 15 animais, calculo que esse seja o número inicial, porque depois serão muitos mais. Se tivermos a infelicidade de deixarmos pôr aqui o primeiro animal não vamos conseguir parar a exploração”, sentencia. “O proprietário comprou este terreno e agora quer colocar os maus cheiros à porta dos outros”. Em três semanas, a população da Granja já recolheu mais de 1000 assinaturas num abaixo-assinado físico. O documento já foi remetido à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional De Lisboa e Vale do Tejo (CCDR-LVT).

Para o presidente da junta “é inadmissível que queiram colocar uma vacaria neste sítio”. Mesmo que a Câmara não acompanhe a junta na providência cautelar, a autarquia liderada por João Tremoço não hesitará em fazê-lo. O proprietário nas suas intenções pode ainda ter de se sujeitar ao revés de o terreno se tornar impraticável quando tiver de colocar os terrenos à cota legal, depois de terem sido efetuados desaterros ilegais nos inícios da década de 2000 – “Aquilo vai ficar extremamente pantanoso, só se as vacas começarem a nadar”, graceja.
O autarca refere que não só a população da aldeia pode ser prejudicada, mas também a da restante freguesia com a propagação dos maus cheiros. A junta está a acompanhar o evoluir da situação com o gabinete jurídico do município de Vila Franca de Xira. Na calha estão ainda manifestações contra a vacaria por parte da população.
“Vacaria vai arruinar qualidade de vida da população”
Apesar de a aldeia da Granja ficar na confluência de grandes centros urbanos, já no caminho para Loures a escassos metros da Nacional 115-5, a qualidade de vida é um orgulho para a população local. Muitos vieram viver para esta espécie de cantinho, onde são visíveis muitas moradias novas, e uma coletividade que abrange diversas atividades e onde existe algum espírito de comunidade, embora em território de subúrbios. O desenvolvimento de uma atividade económica como aquela que está na calha seria uma machadada nas expetativas de quem aqui vive desde sempre, ou de quem escolheu a Granja para residir nos últimos anos.
Com uma porta aberta na localidade no ramo dos seguros, a moradora Isabel Silva fala num “grande problema”. “O que vou fazer quando receber os clientes e cheirar mal dentro da loja?”, deixa a interrogação. “Vamos lutar até ao fim!”, não tem dúvidas. “Para além dos maus cheiros, temos ainda as inundações repentinas, e com a exploração o cenário pode piorar ainda mais. Teremos ainda mosquitos e a possibilidade de a bosta das vacas ir parar ao rio”, considera Patrícia Rodrigues, que veio morar para a localidade há seis anos. “Até hoje morar aqui é uma maravilha, porque significa estar numa aldeia dentro de uma cidade”, junta. Também com um estabelecimento na aldeia, Mariana Caipiro teme igualmente o futuro com uma vacaria ao lado – “É inadmissível termos uma coisa destas aqui”. Mariana Pacheco que sempre viveu na aldeia fala num “balde de água fria”. Alguns familiares vivem mesmo ao pé do terreno em causa.
Susana Caipiro já não vive na Granja, mas a filha frequenta a escola local e teme os efeitos da vacaria. Fala num ambiente empestado que não é benéfico para ninguém. João Pacheco acrescenta que já se fala numa desvalorização das casas com a vinda da vacaria. “Para já, as obras que foram feitas a nível da movimentação de terras com a precipitação estão a causar transtornos, e os autocarros não estão a conseguir circular dentro da aldeia”.
Proprietário do terreno refere que a questão está a ser usada para fins eleitorais por uma célula comunista
Em declarações ao Valor Local, Francisco Clamote, proprietário do terreno, dá conta que está a seguir os preceitos legais (2,8 cabeças por hectare) para o tipo de exploração extensiva que pretende colocar em marcha. “Neste tipo de locais, onde não existe uma estrumeira ou nitreira, não existe emissão de cheiros, nem proliferação de moscas”, exemplifica, demonstrando que “os animais são colocados em rotação ao longo do terreno em cerca de 20 parcelas”, o que equivale a dizer, no seu entender, “que apenas vão estar um dia por mês mais junto à estrada e à população”. Porque a estadia é curta “a acumulação de matéria orgânica é muito menor”.
O proprietário exemplifica – “Se estivermos a 20 metros do cocó de um cão, não cheira”. Acresce que “estes animais serão criados à base de fibra, menos provocadora de maus cheiros, não estamos a falar de porcos. Isto tudo é medido segundo uma carência bioquímica de oxigénio”.
Francisco Clamote argumenta que a população nem quer ouvir as suas explicações e que a polémica “está a ser promovida por uma célula comunista de um indivíduo que vai ser candidato nas próximas autárquicas”.
Todas as questões técnicas estão salvaguardadas segundo o empresário, nomeadamente, no que toca ao enquadramento do PDM em que uma instalação agropecuária só é licenciada se estiver a 500 metros dos perímetros urbanos. Refere ainda que colocará no terreno o número de animais permitido pela legislação.
Quanto a uma possível providência cautelar, diz-se à vontade, até porque diz ter um licenciamento para colocação de animais no local, passada pelo Ministério da Agricultura e Pescas, e se for o caso também equaciona contratar um advogado.
Proprietário alega que até “os trabalhadores da Câmara” lhe dão razão
Por outro lado, considera que a população está equivocada quanto à necessidade de reposição das cotas do terreno ao ano de 2003 – “O alagamento dos terrenos está relacionado com o facto de a bacia de Loures ficar submergida pelo rio Trancão. Os trabalhos que tenho vindo a desenvolver têm em linha de conta uma vala com o objetivo de drenar as águas, mas quando o Trancão sobe não há muito que se possa fazer”. “O meu objetivo é também o de minimizar o impacte das cheias, mas as pessoas teimam em não olhar para o PDM nem para a legislação, até os técnicos da Câmara me dão razão”, desabafa.
Em reunião de Câmara, a vice-presidente Marina Tiago adiantou que o município está a supervisionar os trabalhos no terreno, nomeadamente, a nível das necessárias medições topográficas. A avançar com uma providência cautelar, apenas após o parecer da CDDR.